COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

 

Projeto de lei da senadora ruralista obriga governadores a executar reintegração de áreas sem verificar cumprimento da função social dos imóveis

 

 

(Brasil de Fato)

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal analisa projeto de lei (PLS 251/2010) que obriga governadores a executar reintegração de posse, em imóveis urbanos e rurais, no prazo máximo de 15 dias. A proposta classifica como crime de responsabilidade o descumprimento da medida.

 

De autoria da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o PLS 251/2010 tramita em regime terminativo na CCJ e, se aprovado, seguirá direto para a Câmara dos Deputados sem necessidade de passar no plenário. 

 

Na semana passada, ao ser examinada por quase uma hora na comissão, a proposta foi rechaçada por parlamentares de diversos partidos, inclusive representantes do DEM, PSDB e PMDB. O texto continua nas mãos do relator, senador Sérgio Petecão (PSDAC), aliado de Kátia Abreu, e não tem data para entrar novamente em pauta na comissão. 

 

Além de considerarem o prazo “extremamente” apertado, o projeto, na ótica de senadores, especialistas e movimentos sociais ouvidos pelo Brasil de Fato, ignora por completo a determinação constitucional sobre a função social da propriedade. “A senadora Kátia Abreu está se aproveitando do seu cargo para proteger suas próprias fazendas de uma ocupação, onde já foram identificadas situações de trabalho escravo e grilagem de terras”, aponta Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 

 

Em março, trabalhadoras rurais participaram de uma mobilização na fazenda Aliança, em Tocantins, de propriedade da família da senadora. A área já foi embargada, há três anos, pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), por causa de desmatamento. Em agosto de 2012, 56 trabalhadores em condições análogas à de escravidão foram libertados na fazenda Água Amarela, em Araguatins (TO). O imóvel está registrado em nome de André Luís de Castro Abreu, irmão da senadora. 

Kátia Abreu foi uma das vozes mais rebeldes contra a aprovação Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que passou a determinar expropriação de imóveis rurais onde há constatação de trabalho análogo à escravidão. De acordo com o artigo 184 da Constituição Federal, um imóvel rural descumpre sua função social quando é considerado improdutivo, viola relações trabalhistas e de bem-estar social ou agride ao meio ambiente. 

 

Direito de todos 

Na sessão da Comissão de Constituição e Justiça que debateu o PLS 251/2010, houve bate-boca entre Kátia Abreu e o senador Roberto Requião (PMDB-PR). Em defesa da sua proposta, a senadora ruralista afirmou que é preciso garantir o direito de propriedade de uma minoria. 

 

“E é do direito da minoria que nós estamos aqui falando. Não queremos tirar o direito da maioria; o direito, o desejo, o sonho das pessoas de terem terra. Mas o direito e o sonho daqueles que querem ter terra não podem ser concretizados invadindo o meu direito, invadindo o meu sonho, invadindo a minha propriedade”, afirmou. 

 

Requião defendeu a necessidade de uma solução negociada, para não haver situações “lamentáveis”, como a desocupação da comunidade Pinheirinho, realizada de forma violenta em 2012, em São José dos Campos (SP). Na ocasião, mais de sete mil famílias foram expulsas de uma área residencial, que havia sido abandonada pelo proprietário há quase dez anos. “Quero reafirmar a minha visão suportada, não numa histeria proprietária, mas numa visão sociológica do país”, destacou. 

 

O senador explicou ainda que, nos seus dois últimos mandatos como governador do Paraná (2002-2010), editou decreto estabelecendo comissão de negociação em todas as situações de reintegração de posse. A medida, segundo o parlamentar, garantiu a resolução de 110 dos 116 processos ocorridos no estado durante esse período. 

 

Função social

Para o promotor de Justiça do estado de São Paulo, Marcelo Goulart, a senadora Kátia Abreu faz um equívoco jurídico ao argumentar em favor do direito de propriedade. “Esse direito só é protegido e reconhecido juridicamente – em favor daquele que detêm o espaço – se ele faz cumprir a função social do imóvel”, afirma. 

No caso da terra, um bem finito, o promotor defende que não há apenas a prevalência do interesse particular na posse de um imóvel. “Aquilo que é produzido na terra beneficia o detentor da propriedade enquanto titular daquela produção. Mas essa produção também deve atender ao interesse público, por isso a exigência do cumprimento da função social. É isso que precisa ficar caracterizado na ação possessória”, completa. 

 

Ao mesmo tempo, avalia o promotor, a Constituição Federal assegura o acesso à propriedade, como direito fundamental e universal. “Todos os brasileiros têm direito à propriedade, direito de acesso à terra. É por isso que a própria Constituição prevê um programa de reforma agrária”.

 

O engenheiro agrônomo e doutorando em Economia Agrária pela Unicamp, Antonio Oswaldo Storel Jr., lembra que a ocupação de terras está intimamente relacionada ao descumprimento da função social da propriedade, fator ignorado pelo projeto de lei de Kátia Abreu. 

 

“Normalmente, o movimento social tem ocupado terras para pressionar o governo a fazer o processo de desapropriação. O movimento não ocupa indiscriminadamente qualquer imóvel, ele ocupa um imóvel que o governo já identificou como improdutivo”, aponta.

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