Com o objetivo de debater a atual conjuntura do novo Marco Regulatório da Mineração, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), convocou entidades, organizações e movimentos da sociedade civil para uma reunião que ocorreu nesta sexta-feira, dia 22, na sede nacional da Cáritas Brasileira, em Brasília (DF). O encontro foi motivado a partir da carta aberta divulgada pela CNBB no dia 7 de março. Leia carta completa aqui.
(Cáritas Brasileira)
Hoje, dia em que se comemora do Dia Mundial da Água, o evento evidenciou as preocupações com a expansão acelerada da mineração, seus múltiplos impactos sociais e ambientais e a falta de diálogo com a sociedade no processo de construção do novo marco regulatório do setor.
Padre Nelito Dornelas, da Comissão de Justiça e Paz da CNBB, ressaltou que essa é uma importante iniciativa de criar oportunidades de diálogo e reflexão conjunta tendo em vista fortalecer a perspectiva das organizações sociais no debate e na intervenção política sobre o novo marco regulatório. “Questões ambientais e sociais sempre foram uma preocupação da CNBB”, lembrou.
Antes que tivesse início o debate entre as entidades, José Guilherme Zagallo, da Justiça nos Trilhos, fez um breve relato da atual situação. “Nos últimos dez anos tivemos o boom da mineração.” Isso porque, nesse período, a participação da indústria extrativista mineral no Produto Interno Bruto (PIB) no país cresceu 156%. Em 2000 representava apenas 1,6% e em 2011 passou para 4,1%. Além disso, a produção mineral brasileira cresceu 550% entre 2001 e 2011. “Hoje, a mineração, junto com o agronegócio, é o principal esteio da Balança Comercial.”
A produção mineral brasileira, exceto a atividade petroleira, alcançou patamares recordes. Só em 2011 o Brasil produziu cerca de US$ 50 bilhões em minérios e mais de 90% dessa produção é direcionado para o mercado internacional. Esse cenário aparentemente favorável a economia do país promove inúmeros impactos como a reprimarização da economia brasileira, ou seja, em 2011, o minério de ferro, o petróleo bruto, o complexo da soja, da carne, do açúcar e do café somaram 47% do valor exportado. Em 2006, essa participação era de 28,4%. Além disso, a mineração é uma forte consumidora de energia. Somente a Vale S.A possui 9% da participação na Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cuja construção afeta a biodiversidade e as comunidades indígenas da curva grande do Rio Xingu.
Os minérios são transportados por pressão de água, o que gera um alto índice de consumo desse bem. Só em Minas Gerais o consumo de água de quatro minerodutos que estão previstos para serem construídos será de 8,170 milhões de metros cúbicos. Os conflitos socioambientais gerados pela atividade extrativista da mineração também é uma das grandes preocupações. Só em 2010 foram registrados 27 conflitos pela terra e 19 pelo acesso à água, todos envolvendo a mineração.
Isso significa que o Brasil está investindo em um modelo de desenvolvimento insustentável, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista socioambiental. “A estratégia do governo é expandir essa indústria e para isso pretende atualizar o Código da Mineração e instituir novas bases para o desenvolvimento da economia mineral brasileira. Até agora os indícios apontam para um novo marco legal que tende aprofundar a expansão do setor. Todavia, infelizmente, esse debate que tem efeito na vida sobre o conjunto da vida nacional tem ficado restrito às negociações do governo com o setor empresarial.”
Nessa perspectiva, as entidades da sociedade civil reunidas esclareceram que o Brasil precisa não só alterar a sua legislação – o marco regulatório da mineração vigente é de 1967 -, mas estabelecer mecanismos claros de controle, inclusive porque muitas das pressões para a alteração da legislação são para flexibilizar a extração e não para melhorar o controle. É visto que a crescente demanda por riquezas naturais torna o Brasil em um cenário especial para a cobiça internacional e esse é um dos motivos que favorece a discussão sobre a reformulação do Código da Mineração, já que a extração ilegal no país não é novidade. Além disso, a exploração desenfreada de minérios no país está diretamente relacionada ao Código vigente, que apresente fragilidades como a liberação de concessões para exploração em terras indígenas e em unidades de conservação.
“No Brasil não existe, por exemplo, o direito de recusa da comunidade, como já ocorre em países como a Bolívia. Se há minério em determinado território a comunidade vai discutir indenização, mas ela não tem o direito de recusar a extração no local”, destacou Zagallo. Ele ainda lembrou que muitos países já trabalham com um Fundo Social Comunitário voltado para a recuperação efetiva das comunidades atingidas. “A mineração não é uma atividade infinita. É preciso preparar as comunidades para o fim da exploração.”
Representantes de mais de 20 organizações da sociedade civil participaram do encontro
Os participantes ainda propuseram a ampliação do debate, a construção de consensos, além da garantia que o novo marco não seja encaminhado por medida provisória. Um nova reunião está agendada para o final de abril.
Participaram do encontro mais de 20 pessoas representantes da Cáritas Brasileira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe), da Juventude Franciscana do Brasil (Jufra), do Sindiquímica, da Justiça Global, da Justiça nos Trilhos (JNJ), do Instituto Socioambiental (ISA), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSam), da Oxfam International, do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipi), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da ONG norueguesa AIN, da Agenda Pública, da Equipe para Conservação da Amazônia (Ecam).