Quase um mês após o assassinato de Orlando Pereira Sales, o Paraíba, liderança do acampamento Paulo Freire 3 Seringueiras morto em 29 de novembro, nenhuma testemunha do crime foi ouvida pela Polícia Civil, que encontra-se em greve no Estado de Rondônia. Já viúva de Paraíba, que ainda se recupera de um atentado quando foi ferida por três golpes de foice na cabeça, convive com ameaças de morte.
Fonte: CPT-Rondônia
Desde o dia 6 de dezembro, o ouvidor agrário nacional, Gercino Filho, já havia solicitado que o diretor-geral da Polícia Civil, delegado Pedro Roberto Gemignani Mancebo, realizasse as oitivas das testemunhas e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República já visitou o local para providenciar proteção à família de Paraíba. Entretanto, nada foi feito até o momento. Na última semana, representantes de entidades e movimentos que integram o Comitê Brasileiro de Defensores dos Direitos Humanos entregaram uma carta à ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário. O documento relata a situação de desamparo vivida por ameaçados de morte. Confira a carta na íntegra.
CARTA DO COMITÊ BRASILEIRO DE DEFENSORAS/ES DOS DIREITOS HUMANOS À MINISTRA DA SECRETARIA DOS DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Brasília,12 de Dezembro de 2012.
O Comitê Brasileiro de Defensoras/es de Direitos Humanos atua desde o ano de 2004 no acompanhamento do processo de implantação e consolidação do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH). Atualmente reúne cerca de trinta organizações não governamentais, movimentos sociais e lideranças comunitárias ameaçadas, e através desta carta, produzida durante o “Seminário Brasil-União Européia sobre os Defensores dos Direitos Humanos”, vem expressar à Srª Ministra a avaliação da sociedade civil organizada sobre o Programa Defensores, reivindicando, desde logo, o seu fortalecimento institucional no âmbito do Governo brasileiro e da Secretaria dos Direitos Humanos.
Preliminarmente, reconhecemos que houve um esforço diferenciado do Governo para a implantação de uma política de proteção aos defensores, que foi baseada em um conceito amplo de defensores dos direitos humanos, seguindo a orientação da Declaração sobre Defensores da Organização das Nações Unidas que os descreve como aqueles “indivíduos, grupos e associações (...) que contribuem para (...) a eliminação efetiva de todas as violações a direitos humanos e liberdades individuais e coletivas” (preâmbulo, §4º).
Neste sentido, diversos indivíduos e grupos ameaçados e/ou criminalizados foram inseridos e protegidos pelo Programa.
Contudo, muitos dos problemas que poderiam ter sido enfrentados por meio desta política persistem, sobretudo na articulação das autoridades dos Estados da Federação para compreensão e incorporação dos Direitos Humanos como política transversal, e investigação das ameaças e crimes para proteção integral dos defensores. A impunidade dos crimes contra defensores e defensoras dos direitos humanos alimenta cotidianamente a violência contra eles, o que fica evidente diante do alto número de homicídios de lideranças do campo e da cidade, vulnerabilizando indígenas, quilombolas, pescadores, sem terras, assentados, geraizeiros, ambientalistas e pesquisadores, todos eles ligados à.
questão de terra de território, além daqueles vinculados aos temas de luta pela moradia, criança e adolescente, pessoas em situação de rua, privação de liberdade, violência institucional, entre outros.
A outra face das violações é a criminalização dos defensores em sua luta por justiça, que aparece ainda como uma das mais freqüentes formas de violação e violência física e simbólica contra os defensores e defensoras, com o agravante de ser realizada a partir das instituições dos sistemas de justiça e segurança pública. Compreendemos que o combate à criminalização dos defensores e defensoras deve ser um foco prioritário de atuação do Programa, desenvolvendo estrategicamente um programa de ações voltados às instituições da justiça e segurança pública.
Constatamos um recrudescimento das violações e ameaças em função dos grupos de extermínio e da militarização da segurança pública, do encarceramento em massa, o extermínio da juventude negra e o aumento da violência contra a mulher e por orientação sexual; os grandes empreendimentos públicos e privados, dos projetos de infra estrutura, da realização dos mega eventos (Copa e Olimpíada), o avanço do agronegócio, a grilagem, todos vinculados ao modelo de desenvolvimento adotado e financiado pelo governo brasileiro.
Para concluir, compreendemos que a única forma de proteger com eficácia e de forma definitiva os defensores e defensoras, é com o enfoque prioritário na solução das causas estruturais geradoras das violações que fazem surgir a figura dos defensores. Neste sentido, a SDH possui um importante papel de articular outros Ministérios para a garantia dos direitos individuais dos defensores, em consonância com a efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das suas comunidades. Uma rede maciça de ações e informações com os Ministérios da Justiça, Senasp e Funai, Desenvolvimento Agrário, Igualdade Racial, das Cidades, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social, da Sáude e Secretaria Geral da Presidência, entre outros, para solucionar as situações estruturais de violação que atingem os defensores e defensoras de direitos humanos inseridos do Programa Nacional de Proteção aos Defensores.
Ressalta-se que estas questões aqui apresentadas foram delineadas na proposta do Plano Nacional do Programa Defensores, já debatido com a sociedade, para o qual é urgente a definição de um prazo para a sua implementação. Diante disso, apresentam-se abaixo as recomendações do Comitê de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos para o fortalecimento do Programa Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. Como se verá, muitas das recomendações para o fortalecimento do PPDDH que destacamos abaixo são reiterações de recomendações de nossas cartas anteriores, que continuam atuais.
* Acelerar a tramitação e a aprovação do projeto de lei que regulamenta o PPDDH no Congresso Nacional, com um maior empenho do Governo para promover sua aprovação considerando a importância do marco legal adequado para a estruturação do Programa;
* Adotar a proposta e estabelecer um prazo para o início da implementação do Plano Nacional de Proteção aos/às Defensores/as que foram discutidos com a sociedade civil após ampla consulta nacional, cuja expectativa de validação era o presente seminário;
* Ampliar a estrutura e o orçamento do PPDDH no âmbito da SDH, a fim de garantir a proteção dos defensores de direitos humanos enquanto política de Estado, articulando-o com os outros Programas do Sistema de Proteção;
* Criar, no âmbito do PPDDH ou da SDH, um mecanismo de articulação entre os diversos órgãos de estado responsáveis para o enfrentamento das causas estruturais que geram as violações no contexto em que os defensores e defensoras estão inseridos;
* Implementar um plano de trabalho voltado para o monitoramento e acompanhamento, junto às instituições do sistema de justiça e segurança pública, das ações judiciais e inquéritos policiais que envolvam defensoras e defensores, quer para a apuração das violações e ameaças, quer garantindo assessoria jurídica para os casos de criminalização da sua luta em defesa dos direitos humanos, seja no âmbito das equipes técnicas, seja via termo de cooperação com as defensorias públicas, ou via convênio com entidades de assessoria jurídica e advocacia popular;
* Ampliar e desburocratizar a parceria nos estados federados para além da celebração de convênios, e buscar novas formas de execução da política de proteção aos defensores, inclusive implementando o programa em parceria com organizações da sociedade civil nos estados federados que não tenham implementado o PPDDH;
* Aperfeiçoar a metodologia de proteção, no sentido de estendê-la aos grupos e comunidades pelas quais lutam os defensores, em especial os povos e comunidades tradicionais;
* Articular políticas sociais que atendam a dimensão da proteção social dos defensores de direitos humanos inseridos no Programa, como assistência médica, psicológica e previdenciária, por exemplo;
* Criar e capacitar unidades policiais especializadas para a proteção dos defensores de direitos humanos, bem como órgãos e procedimentos especializados para o recebimento e processamento de denúncias apresentadas pelos defensores de direitos humanos;
* Realizar ampla campanha de reconhecimento e valorização dos defensores de direitos humanos, além de melhorar a divulgação e as informações sobre o Programa, no site e materiais institucionais do governo.
* Criar um mecanismo do PPDDH específico para atender a demanda da Amazônia e Mato Grosso do Sul;
* A partir da experiência do estado do Pará, realizar uma avaliação das medidas já implementadas pelo Programa ao longo da sua existência, bem como buscar sistematizar a memória institucional do programa e sua base de dados.
Reiteramos que junto às propostas e recomendações desta carta devem ser consideradas pela Secretaria de Direitos Humanos as propostas e recomendações produzidas pelos grupos de trabalho no âmbito do seminário.
Atenciosamente,
Comitê Brasileiro de Defensoras/es de Direitos Humanos