COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

dorothy-704 assassinos lapideA decisão da justiça brasileira de que o assassino da freira Dorothy Stang aguarde sua condenação definitiva em liberdade preocupa ativistas de direitos humanos, que alertam para desenlaces semelhantes ao da missionária norte-americana em vários conflitos agrários e indígenas. Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, condenado por ter ordenado o assassinato da freira em 2005, tem direito de aguardar em liberdade seu processo de apelação.

por Fabiana Frayssinet, da Inter Press Service (IPS)

 

O réu, libertado ontem em Altamira, no Pará, foi condenado a 30 anos de prisão em abril de 2010, mas foi libertado quando seus advogados apresentaram um recurso de apelação. Um ano depois a decisão foi revertida por um tribunal estadual, que considerou que deveria cumprir a pena. “Não sei o que levou os ministros do STF a entenderem que não existe risco”, disse à IPS o advogado Aton Fon Filho, que acompanha o caso representando a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Aton recordou que a decisão de voltar a prender o fazendeiro aconteceu quando “se descobriu que pressionava trabalhadores de uma propriedade que dizia ser sua, e entendeu-se que sua liberdade colocava em risco a ordem pública”. Além disso, “a confirmação de sua responsabilidade na morte de Stang foi acompanhada por atitudes que mantinham o estado de tensão na região de Anapu. Ele continuou gerando ameaças aos moradores do lugar e aos integrantes do projeto de desenvolvimento sustentável criado pela freira”, afirmou o advogado.

Stang foi morta a tiros em 12 de fevereiro de 2005 em Anapu, pequena localidade amazônica onde foi missionária por 23 anos e na qual ajudava os camponeses a lutarem por seus direitos diante dos interesses dos grandes fazendeiros e das empresas madeireiras. Outras quatro pessoas foram condenadas pelo assassinato, entre eles o também fazendeiro Vitalmiro Moura, que cumpre 30 anos de prisão.

A freira, de 73 anos, viveu por três décadas nessa zona da selva, trabalhando ativamente em causas ambientais e pelo direito à terra dos camponeses mais pobres. No momento de sua morte, executada com disparos à queima-roupa, a religiosa carregava apenas uma Bíblia em suas mãos. Segundo o promotor do caso, suas constantes denúncias de trabalho escravo na região foram o motivo do assassinato.

O temor do advogado Aton é que, solto, Galvão “volte a organizar seus pistoleiros para novas ações criminosas contra integrantes da organização sustentável de Stang”. Destacou que recente investigação da Polícia Federal obteve indícios de que alguns policiais do Pará estavam envolvidos com fazendeiros na prática de crimes e ameaças. Assim, os ameaçados na região “não podem contar nem com a proteção de sua própria polícia”, alertou o advogado, lembrando que com a prisão de Galvão as ameaças e a tensão haviam diminuído.

Mauricio Santoro, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil, disse à IPS que embora o processo não tenha terminado, “há risco de fuga do acusado”, e recordou que Galvão foi detido apenas em 2008, três anos após o assassinato. Roniery Lopes, uma testemunha que ia depor contra ele em um processo por fraude, morreu assassinado em 2009, antes de poder dar seu testemunho. A mensagem é que “nem mesmo em um caso de tanto impacto internacional, e com tantos antecedentes de problemas e dificuldades, a justiça brasileira consegue uma resposta rápida, que garanta a segurança dos defensores dos direitos humanos”, enfatizou.

A morte de Stang não é um fato isolado em um contexto de abundantes situações de violência rural. A CPT entregou à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência uma lista de l.855 pessoas que estão sob ameaça por conflitos agrários. Os Estados mais violentos são Pará e Maranhão, e minorias como povos indígenas e quilombolas são os mais vulneráveis, afirmou a entidade. A CPT, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), informou que nas duas últimas décadas morreram mais de 1.500 camponeses em conflitos agrários. A maior parte dos crimes ficou na impunidade. Santoro alertou que a Anistia tem notícias de outros casos que podem se converter na “próxima Dorothy Stang”.

Teme-se, em especial, pela situação no interior do Maranhão, onde as comunidades quilombolas sofrem constantes ameaças de proprietários locais. Foi prometida proteção aos líderes comunitários ameaçados, mas isso não aconteceu, segundo a Anistia. No Quilombo Pontes, no município de Pirapemas, 45 famílias “são sistematicamente ameaçadas e intimidadas por homens armados que rondam a área”, afirma uma ação urgente emitida ontem pela Anistia. Seus cultivos e suas propriedades foram destruídos.

Santoro e o advogado Aton chamaram a atenção também para a situação dos indígenas guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul, pela demora na demarcação de suas terras, que os levou a protestar ocupando prédios. Em novembro de 2011, 40 homens armados atacaram um acampamento indígena, assassinaram um líder e feriram vários outros índios. “Não se sabe de medidas do governo para promover o desarmamento desses fazendeiros”, afirmou Aton. E as ações de proteção especial sempre são tomadas depois de cometido o crime, mas não de maneira preventiva como exigem estes casos, ressaltou.

 

 

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