COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

No dia 23 de fevereiro, em Fortaleza (CE), 18 agentes da CPT Ceará realizaram um seminário interno com o objetivo de direcionar um olhar crítico para as estratégias de convivência com o semiárido, a fim de fortalecer sua atuação junto aos camponeses e camponesas. O seminário possibilitou um debate sobre as ações de convivência realizadas pela CPT Ceará, diretamente ou em parceria, trazendo presente os desafios enfrentados no processo de implementação das mesmas, a situação das famílias e comunidades beneficiárias dos projetos e as perspectivas para o futuro.


Um olhar especial foi direcionado ao Projeto Mandala, desenvolvido pela CPT nos anos de 2004-2005. Com alegria, constatamos que a maioria das mandalas implantadas ainda estão produzindo. Algumas estão desativadas por problemas de infraestrutura, como a dificuldade de transpor a água para o tanque da mandala pela falta de motores mais potentes. Outra dificuldade constatada foi a ausência de acompanhamento, principalmente pela falta de recursos. Porém, a maioria das famílias tem encontrado caminhos, fazendo parcerias, ocupando espaços que possibilitam continuar produzindo, primeiramente para o consumo familiar e, em seguida, para a comercialização do excedente.

As Mandalas são uma referência para a soberania alimentar. Contatamos que, além da melhora na qualidade de vida dos beneficiários diretos e indiretos, pela produção de alimentos de qualidade e a geração de renda, as Mandalas colaboram no fortalecimento dos laços familiares e comunitários, na valorização e autonomia das mulheres, e reafirma a identidade camponesa nas famílias. Implantadas a partir dos princípios da agroecologia, são responsáveis pela criação de micro-climas, que possibilitam a sobrevivência de diversos seres vivos responsáveis por manter o equilíbrio natural do meio, gerando cuidado com a natureza, uma produção qualificada e a promoção da saúde. Constatamos ainda que as mandalas implantadas pela CPT tem sido referência para outros projetos nas comunidades e para uma educação contextualizada, pois as famílias beneficiárias recebem constantemente a visita de diversos grupos, entre eles de alunos da região, para intercâmbios diversos.

O Seminário reafirmou ainda a necessidade de fortalecer as lutas pelo acesso à Terra e à Água, como elementos necessários para o êxito do processo de convivência com o semiárido.

Avaliando o Seminário como muito positivo, com um debate maduro, a CPT Ceará assumiu alguns compromissos:

* Fazer parcerias com Agentes Comunitários de Saúde e líderes da Pastoral da Criança, para difundir e fortalecer os quintais produtivos e outras experiências de convivência nas regiões onde atuam;

* Investir em hortaliças tradicionais;

* Fortalecer e multiplicar as casas de sementes crioulas, valorizando e incentivando também o armazenamento das sementes tradicionais em cada família;

* Realizar estudos bíblicos a partir da ótica camponesa;

* Viabilizar a realização de estudos de aprofundamento do bioma caatinga e do semiárido.

Atenta aos últimos acontecimentos, em que o processo de convivência com o semiárido, desenvolvido pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), foi ameaçado pela decisão do MDS de romper a parceria, e na insistência do governo e empresas de continuar com a implantação de cisternas de plástico nas comunidades camponesas do semiárido, a CPT Ceará, também membro da ASA, lança carta de compromisso com as alternativas de convivência, e expressa sua posição contrária a todo projeto que vise ressuscitar a velha "indústria da seca".  

CARTA DA CPT CEARÁ SOBRE AS TECNOLOGIAS DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO

A Comissão Pastoral da Terra do Ceará, reunida no dia 23 de fevereiro de 2012 em Fortaleza, num Seminário sobre as tecnologias sociais de convivência com o Semiárido, vem a público manifestar sua posição diante da necessidade e importância das ações de convivência com este clima.

O semiárido não é somente um clima, mas um povo, com culturas diversas, que busca viver de forma harmoniosa com a natureza. Há, no entanto, problemas históricos que ameaçam a qualidade de vida das populações do semiárido, como a concentração da Terra e das águas, respaldados por políticas que privilegiam as grandes corporações e empresas privadas.

Uma experiência bem sucedida da sociedade civil organizada é a Articulação do Semiárido (ASA), que desenvolve, junto às comunidades camponesas, as ações do P1MC e P1+2 com uma metodologia participativa, integrada com as pessoas e o seu meio e, através dos Fóruns Estaduais e Microrregionais, compromete-se com o debate sobre um projeto sustentável para o semiárido e a implementação de ações que favoreçam a concretização deste projeto.

A tentativa recente do Governo de negar todas estas conquistas nesse processo participativo de convivência, onde o MDS decidiu romper a parceria com a ASA, suscitou forte reação das entidades da ASA, dos beneficiários e parceiros. A ASA, da qual a CPT faz parte, se configura como uma Articulação do Semiárido, e não de um Estado ou outro de forma isolada. A grande mobilização ocorrida no dia 20 de dezembro de 2011 em Petrolina – PE, com 15 mil pessoas, reafirmou a importância dessas alternativas e a capacidade de mobilização das entidades que compõem a ASA Brasil, pressionando o Governo Federal / MDS que mantivesse a parceria. Deu certo!

Contudo, um outro projeto ameaça nosso semiárido: a implantação das cisternas de plástico/PVC. Estas cisternas, além de impactos ambientais e para a saúde, custam o dobro das cisternas de placas, comprometendo o processo pedagógico até aqui construído pela ASA. Reafirmamos a importância das alternativas de convivência, mas repudiamos também aquelas que, mascaradas de benefícios, fazem parte de planos de empresas e governos para lucrarem ainda mais em cima das necessidades do povo, sendo uma forma de trazer de volta a lucrativa “indústria da seca”.

A CPT, através do presente documento, reafirma seu compromisso com as lutas em defesa do acesso a Terra e a água de qualidade, onde as populações camponesas possam ter assegurado seu protagonismo, fortalecendo e implementando projetos que gerem soberania e sustentabilidade para as famílias camponesas.

Fortaleza, 23 de fevereiro de 2012

Comissão Pastoral da Terra do Ceará

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