A noite desta última quinta-feira, 3, no Cine Teatro São Joaquim, na Cidade de Goiás (GO), fechou um ciclo que durou cerca de 10 anos. “O Voo da Primavera” ainda nem tinha esse nome quando começou a ser gestado durante uma conversa entre Dagmar Talga e Dom Tomás lá na Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Uberlândia, Minas Gerais. “Queríamos fazer um livro, mas já tinham vários sobre ele. Então pensamos de fazer um filme. Dom Tomás concordou, desde que não fosse uma biografia, e sim mostrar suas lutas e causas”, relembra a cineasta.
Texto e imagens por Elvis Marques
Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT
O local onde ocorreu o pré-lançamento ao público – que lotou o Cine Teatro – está situado na antiga capital do estado de Goiás, a 140 quilômetros de Goiânia. Terra onde Dom Tomás foi bispo por 31 anos. Um dos municípios com o maior número de assentamentos do Brasil. Palco de muitas lutas populares. E Diocese considerada irmã da também atuante Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, onde está o companheiro de lutas de Tomás, Dom Pedro Casaldáliga. É neste ambiente que ocorre, desde a quarta-feira, 2, a 4ª Semana Dom Tomás Balduino.
Antes da exibição do documentário, quem chegou mais cedo ao Cine Teatro pôde conhecer um pouco mais sobre a trajetória de outro lutador das causas populares, Dom Paulo Evaristo Arns, retratado em “Os caminhos de Dom Paulo em São Paulo”, uma exposição fotográfica de Douglas Mansur. Franciscano, Arns foi cardeal e arcebispo de São Paulo. Faleceu em dezembro de 2016.
::. Confira a programação completa da 4ª Semana Dom Tomás Balduino
“O Voo da Primavera”, pré-lançado nesta quinta-feira, traz uma verdadeira aula de história sobre a atuação da igreja popular no Brasil, as Comunidades Eclesiais de Base, e, claro, as lutas e conflitos envolvendo o povo pobre do campo. “O que aconteceu em torno de Tomás, estava acontecendo também em outros lugares do Brasil. Foi um momento riquíssimo com o [Concílio] Vaticano II e Medellín. Um grupo de bispos, agentes de pastoral, religiosos, sacerdotes, e muita gente do povo acreditando que poderia criar e viver um outro modelo de igreja e promover e cultivar um outro modelo de sociedade”, comentou, após a exibição do longa-metragem, na mesa de debates, Jeane Bellini, integrante da Coordenação Nacional da CPT. “Você captou”, disse, olhando para Dagmar, a coordenadora, que continuou “e colocou Tomás no meio desse processo envolvente e cativante”.
“Dom Tomás foi um paizão para nós”
Maria de Fátima Martinelli, viúva do Nativo da Natividade – mártir de Goiás
“Belo filme de memória, luta, vida, testemunho e santidade, por que não?”, manifestou, Cléber Buzatto, do Secretariado Nacional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que discorreu sobre o processo histórico em que foi criada a entidade, em plena ditadura militar no Brasil. “Dom Tomás, junto com Dom Pedro Casaldáliga e outros, ousou organizar a resistência e o enfretamento ao projeto de integracionismo da ditadura no que tange a relação do Estado Brasileiro com os povos originários. Naquele período, o projeto dos ditadores era de integrar os povos à chamada comunhão nacional, e existiam até metas para serem cumpridas. E uma dessas metas dizia que no ano 2000 não existiria mais povos indígenas no Brasil, pois todos estariam integrados à comunhão nacional. Se não existiria povos, evidentemente não existiria direitos e terras para os povos. Era esse o projeto que os ditadores buscavam implementar naquele momento”.
“Tomás era um símbolo que animava e incentivava uma reflexão crítica, análise de conjuntura contínua, como o [Dom] Pedro e tantos outros que eu conheci”
Jeane Bellini – CPT (Imagem ao lado)
Frei José Fernandes, Provincial dos Dominicanos, lembrou de umas das tantas reuniões de discussão do roteiro do documentário. “Há uns 5 anos, lá na Avenida Goiás [em Goiânia – GO], no Secretariado da Comissão Dominicana de Justiça e Paz, você [Dagmar], Murilo, Vilma, Canuto e outras pessoas, a gente começava a conversar sobre como colocar em prática o sonho que também foi de Tomás [de fazer um filme não sobre ele, mas sobre a luta do povo]”.
“Dom Tomás ousou contribuir para organizar a esperança e plantar primaveras, criando o Cimi e, na sequência, a Comissão Pastoral da Terra”
Cléber Buzatto – Cimi
A produção segue em eventos de pré-lançamentos em outros eventos e cidades, como na Semana da Terra Padre Josimo, que ocorre na próxima semana no estado do Tocantins. Em breve o documentário será disponibilizado para o público.
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Dagmar Talga, 44 anos, é formada em jornalismo pela Universidade do Triângulo Mineiro, Minas Gerais, e possui mestrado em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Ao longo de sua militância, 15 documentários, entre curtas e longas, já foram produzidos, e tudo, como ela faz questão de ressaltar, “com a ajuda de muita gente”. Parceiro de vida e de produção de filmes, Murilo Mendonça Oliveira de Souza é formado em Geografia pela Universidade Católica de Uberlândia e Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e professor de geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Ela é a responsável pela direção e roteiro de o “O Voo da Primavera”, ele e dezenas de outras pessoas contribuíram com pesquisa e fotografia, edição de imagens, projeto gráfico, direção de arte, trilha sonora, locução, produção e por aí vai.
No vídeo abaixo, Dagmar conta um pouco sobre o processo de produção desse documentário. Confira:
Sinopse do documentário “O Voo da Primavera”
A luta pela terra e pelo território representam um capítulo longo e violento da história brasileira. Essa história, que passa pelo avanço do capitalismo no campo, esteve permeada pela expropriação material e simbólica dos povos indígenas, das populações tradicionais e comunidades camponesas, além de ter resultado em milhares de assassinatos em conflitos no campo. Em contrapartida, o povo organizado em movimentos sociais, com apoio de diferentes organizações, tem construído uma base sólida de luta e resistência.
Nesse processo estiveram imersos, direta ou indiretamente, vários sujeitos e instituições. Alguns setores da Igreja Católica, a partir de grupos ligados à concepção da Teologia da Libertação, compuseram a raiz da luta pela terra, território, e pelo povo do campo, das águas e das florestas. Dom Tomás Balduino, que atuou como bispo na Cidade de Goiás entre 1967 e 1998, foi um personagem importante da resistência com o povo. Defendeu durante toda a vida que “Direitos não se pedem de joelhos, mas se exigem de pé”.
O longa “O Voo da Primavera” representa um fragmento da luta pela terra e pelo território no Brasil, revelando a resistência indígena, quilombola, camponesa e tendo como linha condutora o trabalho de Dom Tomás Balduino.
O documentário foi realizado pela Essá Filmes, GWATÁ – Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo da Universidade Estadual de Goiás (UEG), UEG Campus Cora Coralina, Diocese de Goiás, Comissão Pastoral da Terra (CPT), e Comissão Dominicana de Justiça e Paz.