COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Confira Carta Final do Conselho anual da CPT Bahia, realizado entre 05 e 09 de dezembro, em Caetité (BA).

Como acontece ao final dos anos, a Comissão Pastoral da Terra – CPT Bahia reúne-se em Conselho Regional para avaliar e repensar sua caminhada a serviço dos pobres do campo baiano, os mais numerosos do Brasil. Desta vez foi em Caetité, no Sudoeste da Bahia, nos dias 05 a 09 de dezembro de 2016. E contou com 43 participantes – 31 agentes e 12 camponeses/as representantes das comunidades com as quais a CPT trabalha. Sentimo-nos bem acolhidos no espaço da Diocese, na cobertura da Rádio Educadora e no ambiente de tantas aguerridas lutas populares, em especial contra a desastrosa mineração de urânio e os parques eólicos.

Este não tem sido um ano comum, por mais que desgraças cívicas historicamente sempre acontecem em nosso país... Um ano de desmonte da incipiente democracia política e social que a duras penas vínhamos construindo ao longo do século XX, em especial desde a superação da Ditadura Civil-Militar de 1964. Por isso, dedicamo-nos a uma mais demorada análise de conjuntura, assessorada pelo economista e professor da UFBA, Nelson de Oliveira, antigo diretor e colaborador do CEAS (e da CPT-BA). O Centro de Estudos e Ação Social, dos jesuítas – à frente o saudoso Pe. Claudio Perani, um dos criadores da CPT –, completa 50 anos em 2017 e é parceiro da CPT desde a primeira hora.

Talvez seja mesmo este o pior momento da história do Brasil – como várias vezes se disse durante a reunião do Conselho. Nos damos conta de que, sob a democracia formal alcançada, nada tenha substancialmente mudado no cerne do poder, sempre elitista, desde que aqui aportaram as caravelas europeias da colonização trazendo o capitalismo global. Sistema que se faz à custa da permanente exploração dos bens comuns da natureza e do trabalho da imensa maioria da humanidade, e não aceita freios nem arca com os custos das desgraças sociais e ambientais que causa. Qualquer distribuição de renda ou política de inclusão social e de proteção ambiental que ameace a máxima taxa de lucro será intolerável, mesmo ao sacrifício da “democracia”.

Tal acontece no Brasil atual, desde as manobras para apear do Governo Federal a coalizão liderada pelo PT, que deixou de ser funcional à acumulação do capital global em crise de reprodução ampliada sob domínio dos setores rentistas. Numa trágica reprodução da história, a Casa-Grande não cede um milímetro do seu poderio e a Senzala nunca pode deixar completamente de sê-lo. Ao golpe do impedimento da presidenta Dilma segue-se a sequência de golpes patrocinados pelo ilegítimo, temerário e desavergonhado governo Temer contra os direitos da maioria que trabalha e produz a riqueza deste país. Tais golpes sustentados pelo conluio entre os Três Poderes e a Mídia empresarial, dão provas de que pouco ou nada mudamos e ainda muito longe estamos de ser uma nação soberana, plural e igualitária. Esta, a dor maior! Que clama por muito mais luta ainda!

O retrocesso político é mais profundo na medida em que se escancara e se expande a cultura individualista, consumista, fascista, racista e machista. Cultura militante do ódio, da intolerância e da injustiça em dimensões inéditas, a mesma que espertamente apregoa, mais uma vez, que o problema do Brasil se resume à corrupção de alguns, negando que seja o que sempre foi: a estrutural desigualdade social, das maiores do mundo.

A avalanche de desmonte de direitos afeta radicalmente os trabalhadores do campo e da cidade e os pobres em geral. No campo, com a aniquilação da reforma agrária, das políticas dedicadas à agricultura familiar e camponesa e aos povos e comunidades tradicionais e da previdência social rural, será um desastre de proporções e consequências incalculáveis. Os efeitos já se fazem sentir, no aumento da violência contra os trabalhadores/as do campo no Brasil e na Bahia. Os indígenas como vítimas preferenciais, tal como no despejo dos Pataxó de Coroa Vermelha há um mês. Além da tradicional impunidade, pesam hoje ainda mais a omissão e conivência do Estado, ainda mais repressivo e violento contra os movimentos sociais.

Na Bahia, a flexibilização da legislação ambiental facilita irresponsáveis licenças ambientais e outorgas de água, destacadamente na região Oeste, em vias de aniquilar a metade que resta do Cerrado, “caixa d’água” do Brasil, do Rio São Francisco e de milhões de baianos. O Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA é sua sentença de morte. A lei estadual que regulamenta os territórios de Fundos e Fechos de Pasto e Quilombolas, ao reduzi-los ao controle do Estado através de Concessão Real de Uso, revela indisfarçável a submissão do governo aos ditames de empresas mineradoras, eólicas e do agronegócio. Ainda bem que o movimento social que os representa e cresceu em número de comunidades resolveu não aceitar esta figura jurídica impositiva e restritiva de direitos territoriais secularmente afirmados. É o que se espera e está sendo construído também pelas comunidades camponesas e aliados que resistem ao aumento da grilagem de terras e a empreendimentos como a FIOL – Ferrovia de Integração Oeste-Leste, o Porto Sul, o Projeto Baixio de Irecê, a mineração em várias regiões, os parques eólicos, as barragens para hidroeletricidade e irrigação, as transposições do Rio São Francisco, inclusive o tal Eixo Sul para a Bahia etc. Projetos de morte, que não valem o emprego e renda que dizem trazer!

A saída é pela frente com intensificação das lutas. Só no diálogo crítico e autocrítico e na articulação das resistências, os movimentos sociais e partidos de esquerda articulados, conseguiremos que o povo brasileiro supere este grave momento. Foi o que concluímos também da visita que fizemos aos estudantes da UNEB – Universidade Estadual da Bahia que ocupam o campus universitário em protesto contra a reforma do ensino e a famigerada “PEC da Morte”, Proposta de Emenda Constitucional que congela os gastos sociais por 20 anos, e a reforma que destrói direitos dos mais pobres na superavitária Previdência Social. Sentimo-nos todos irmanados, reforçados nas lutas.

Como sinais de esperança vemos na CPT, e em outras entidades parceiras também, a retomada do trabalho de base, de formação e informação, a mobilização e os intercâmbios entre comunidades, povos e experiências de luta, como construção do projeto de sociedade que queremos. Para nós, são sinais que apontam para o Reinado de Deus, desde que Jesus tornou-se um de nós, na alegria de viver e lutar, na morte e na ressurreição.

Constatamos felizes que aumenta a consciência ambiental nas comunidades, com destaque para a defesa dos territórios de uso comum e das águas. A formação das comunidades avança, com destaque a de mulheres e jovens, protagonistas crescentes também na CPT. A formação jurídica popular tem sido importante instrumento, mas não pode submeter tudo à institucionalidade do Estado. Vale aqui o lema das Brigadas Populares: pelo Estado quando atende nossos direitos; contra o Estado quando os nega; além do Estado como construção de outro mundo pós-capitalista. O profetismo autêntico do Papa Francisco na predileção pelos pobres, nos certifica e fortalece.

Definimos como prioridades para 2017: acompanhamento e apoio às lutas em defesa e conquista da terra e dos territórios e da água; trabalho de base e formação, em especial, formação política. Contamos com nossas Igrejas nos apoiando, no rastro do Papa Francisco. Na parceria e nas alianças estratégicas, havemos de superar este trágico momento. É Advento e Emanuel – Deus-Conosco – vem a tudo ressignificar e plenificar, como na gruta de Belém descobriram os pobres camponeses-pastores, e nós com eles. 

Caetité, 09 de dezembro de 2016. 

Conselho Regional da CPT – Bahia.

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