Em Nota, Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT se manifestam sobre os inúmeros ataques que os indígenas Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, têm sofrido nas últimas semanas. Ataques que resultaram, inclusive, na morte de um jovem índio e em vários indígenas feridos. Confira o documento na íntegra:
Violência contra os Guarani Kaiowá
Institucionalização de um Estado de exceção e barbárie
A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) juntam-se à indignação de milhares e milhares de pessoas no Brasil e em outros países pelo recrudescimento da violência contra os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, de modo especial nas duas últimas semanas.
Ataques com armas de fogo atingiram o povo da Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatú, no município de Antônio João. Fazendeiros com seus capangas infernizaram a vida dos indígenas que retomaram parte do território oficialmente reconhecido pelo governo, em 2005. Na ofensiva do dia 2 de agosto, acabou assassinado o índio Simão Vilhalva, 24 anos, e outras pessoas ficaram feridas, inclusive um bebê de colo foi atingido por bala de borracha. Houve denúncias de participação de parlamentares nessa ação. (Nesta mesma TI já foram assassinados Marçal de Souza Tupã’i, em 25 de novembro de 1983, e Dorvalino Rocha, em 24 de dezembro de 2005).
Logo a seguir os Guarani Kaiowá do Tekoha – lugar onde se é – Guyra Kamby’i, distrito de Bacajá, cidade de Douradina, a 30 km de Dourados (MS), Terra Indígena identificada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com procedimento demarcatório paralisado e que viviam confinados em dois hectares, tentaram retomar sua terra. Tentativa rechaçada durante dias seguidos pelos fazendeiros, com disparos de armas de fogo, queima dos barracos e convocação à violência.
Onde está o Estado brasileiro para impor o respeito às leis e aos direitos dos povos indígenas e suas vidas, nestas tentativas de genocídio? Constatamos que os três poderes da República parecem estar em sintonia para desgastar cada vez mais a resistência dos indígenas pelo descaso, cansaço, amedrontamento e violência. Esse mesmo Estado brasileiro, que foi responsável pela invasão e ocupação das Terras Indígenas no Mato Grosso do Sul, com processos de colonização nas décadas de 40 e 50, não mostra a mínima determinação em reconhecer o direito destes povos aos seus territórios, como determina a Constituição da República.
O Executivo não cumpre o que o art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ADCT, determina: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Ao invés disso, o atual governo instituiu mesas de diálogo que praticamente nenhum avanço tem representado no reconhecimento dos direitos dos Povos Originários do Brasil.
O Judiciário tem se mostrado um poderoso entrave ao reconhecimento de muitas Terras Indígenas, como é o caso da TI Ñanderú Marangatu. Em julho de 2005, o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo Mandado de Segurança impetrado pelos fazendeiros, emitiu liminar suspendendo o efeito da homologação desta terra, assinada em março daquele ano. E até hoje não tomou uma decisão definitiva no caso. Com isso, o procedimento administrativo de demarcação não pode ser concluído. Em consequência, os indígenas vêm amargurando violações de direitos, constantemente noticiados e denunciados.
No Legislativo, se encastela o poderoso grupo da bancada ruralista que a todo custo busca cercear os direitos indígenas com dezenas de Projetos de Lei e com o conhecido Projeto de Emenda à Constituição, PEC 215, que quer retirar do Executivo a competência pelo reconhecimento das Terras Indígenas e transferi-la para o Senado.
No mínimo é vergonhosa, cínica, irresponsável e criminosa a omissão dos órgãos do Estado brasileiro, em não resolver, de uma vez por todas, a questão das Terras Indígenas.
Esta omissão e a conivência com os ataques armados contra os povos indígenas mostram que o Estado tem se tornado refém dos interesses ruralistas. Qualquer manifestação popular, mesmo pacífica, é reprimida com o uso de força. Um ataque frontal, armado, com uso inclusive de armas de uso privativo das forças de segurança, como as que utilizam balas de borracha, não sofrem qualquer ação repressiva de quem deveria zelar pela segurança pública de todos os cidadãos e cidadãs indiscriminadamente. Éa institucionalização de um Estado de exceção e, consequentemente, de barbárie. No Mato Grosso do Sul não há limites para a violência e a ganância. O Estado brasileiro é responsável por cada vida ceifada nestes conflitos. A permanência desta situação é a expressão do fracasso do Estado Democrático de Direito no Brasil. E faz temer pelas consequências.
O governo da presidenta Dilma Rousseff (PT) vem sofrendo ataques diários, inclusive com pedidos para seu afastamento do governo. Os que a atacam são os mesmos que atacam os direitos dos mais frágeis. Se o governo Dilma merece um processo severo é por não cumprir o que determina a Constituição, que ela jurou cumprir, em relação ao reconhecimento das Terras Indígenas, territórios quilombolas e à efetivação da Reforma Agrária que democratize a terra e o poder neste País.
Quando é que poderemos ver um País-Nação que reconhece, respeita e assegura o direito aos seus, sobretudo, os mais fracos?
Goiânia, 09 de setembro de 2015.
A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da CPT
Mais Informações:
Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6414/ 8444-0096
Antônio Canuto (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6412