Na tarde da última sexta-feira, dia 7, foram lançados no Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (IGEO/UFBA), o “Conflitos no Campo Brasil 2014”, organizado pela CPT e o “Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2014”, do Cimi.
(CIMI)
Em um contexto de crise sistêmica, aqueles que sempre protagonizaram os maiores atos de resistência contra a força do poder hegemônico tomam a vez e a palavra em espaço acadêmico. Representantes de povos e comunidades tradicionais e de movimentos de luta pela terra adentram uma universidade em greve para falar de suas lutas, de seus sofrimentos e, acima de tudo, de suas conquistas: ensinamentos indispensáveis aos setores da sociedade que hoje se mobilizam contra os desmandos dos poderes estatais.
Na tarde da última sexta-feira, dia 7, representantes de diversas comunidades e povos tradicionais, movimentos, organizações e entidades sociais, além de pesquisadores, militantes, juristas e acadêmicos, unidos na luta pela terra, estiveram presentes no Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (IGEO/UFBA) para debater as diversas experiências de conflito no campo nos últimos anos. Este evento, o “GEOGRAFANDO NAS SEXTAS: O Campo Baiano em Debate”, com o tema “30 anos de memória e rebeldia dos povos do campo”, foi realizado pelos Programas de Pós-graduação em Geografia e em Economia da UFBA através do Projeto GeografAR, CPT, AATR, CEAS e EXPOGEO. Nesta ocasião foram também lançados o “Conflitos no Campo Brasil 2014” organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT); e o “Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2014”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Após a introdução e agradecimentos feitos pela professora Guiomar Germani, do Projeto GeografAR, da UFBA, o Frei Luciano Bernardi, da CPT, fez uma apresentação sucinta e intensa dos conteúdos do “Conflitos no Campo Brasil 2014”. Seguiu-se a ele o relato sensível de Maria Aparecida, do Assentamento Puxim/Sarampo, sobre sua trajetória, desde a infância, como assentada, marcada pelo conflito, ameaças e mortes. Mesmo tendo perdido o pai, assassinado, e tendo sido levada por sua mãe a morar na cidade por algum período, Maria Aparecida regressou ao assentamento e lá continua. Junto a seus companheiros, resiste.
O próximo a se pronunciar foi Cláudio, do município de Andorinha, semiárido baiano. Ali, a população local enfrenta atualmente um grande conflito por água que não se deve à “seca”. O jovem estudante de pedagogia afirmou que a mineradora FERBASA tem bombeado água indevidamente do único açude da cidade, prejudicando a população local e sua produção agropastoril. Os conflitos tiveram início em abril do ano passado. Desde então, a população tem se mobilizado para denunciar e impedir que tais ações da mineradora se perpetuem.
Em seguida, Joselito, representante da “Associação Vila Sapiranga dos Quilombos do Castelo da Torre e Adjacências”, contou um pouco de sua história e a dos 11 povoados remanescentes de quilombo, cujo território fora desestruturado pela criação da Reserva Particular Sapiranga da Fundação Garcia D’Ávilla, na Praia do Forte. Natural daquela área, Joselito hoje se mobiliza junto à população local para que o INCRA retome o processo de identificação dos remanescentes de quilombo que fora interrompido, de modo que reconquistem seus direitos territoriais sobre aquele espaço de uso tradicional.
Haroldo Heleno, do Cimi, apresentou então de forma geral o “Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil”, organizado pela entidade. Ele afirma que a violência contra os povos indígenas tem sido institucionalizada pelos poderes públicos, como, por exemplo, através dos atos inconstitucionais de não homologação de terras indígenas já identificadas. Para ele, vivemos um período de grandes retrocessos dos direitos dos povos indígenas no Brasil.
O missionário destacou que as decisões tomadas no âmbito da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) descaracterizam o Artigo 231 da Constituição Federal (CF) através de uma reinterpretação radicalmente restritiva quanto ao conceito de terra tradicionalmente ocupada pelos povos. Essa reinterpretação do Artigo 231 da CF legitima e legaliza as expulsões e as demais violações e violências cometidas contra os povos indígenas no Brasil, inclusive no passado recente. As decisões consistem, ainda, numa perigosa sinalização, para os invasores de terras indígenas, de que os mecanismos de violência dos assassinatos seletivos de lideranças e do uso de aparatos paramilitares para expulsar os povos das suas terras seriam legítimos, convenientes e vantajosos para os seus intentos de se apossarem e explorarem essas terras. Contra isso se faz necessária uma mobilização e enfretamento constante por parte destas populações em articulação com outros setores da sociedade, pois ‘essa luta é de todos nós’ ”, afirmou Heleno.
Foi então concedida a fala ao cacique Babau Tupinambá, da Aldeia Serra do Padeiro. Segundo ele, antigamente povos indígenas guerreavam entre si e hoje o que ocorre é o inverso, os povos indígenas se aliam para enfrentar seus maiores inimigos: agentes econômicos internacionais e o Estado nacional. O cacique falou dos diversos enfrentamentos diretos contra pistoleiros, policiais e até mesmo contra a Força Nacional, dos quais os Tupinambá nunca fugiram, pelo contrário, lutaram. Babau destaca que “o índio tem que ter tudo de bom também: escola, faculdade, carro, moto, tudo”, de modo a conquistar sua real autonomia através do autofinanciamento de suas lutas. É desta forma que acredita podermos “transformar nosso território, em território de cidadania, desenvolvimento e esperança. E não de violência. Vamos contra o ponto deles”. Assim Babau finalizou seu discurso e emocionou todos aqueles que o ouviam.
Abriu-se o espaço para a “Fila do Povo”, onde outras lideranças e representantes de comunidades tradicionais e movimentos sociais puderam se expressar e contribuir com suas experiências de luta e resistência pelo território e pela vida. E, como ficou evidente para todos os presentes, estes esforços não devem se limitar à busca da mera inclusão neste sistema hegemônico perverso e apodrecido. A resistência dos povos e comunidades tradicionais apontam, sim, para a radical transformação da sociedade. Uma ruptura com o sistema estabelecido.