Padre Flávio Lazzarin, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e secretário executivo da CNBB/NE V, concede entrevista exclusiva ao jornal O Pequeno, em São Luís (MA), sobre o Plebiscito Popular pelo Limite da Terra
por Waldemar Terr (Repórter de Política - Jornal O Pequeno)
Dezenas de entidades populares e várias igrejas, entre elas a Católica, estão empenhadas na realização do Plebiscito de Iniciativa Popular pelo Limite de Propriedade da Terra. O padre Flávio Lazzarin, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e secretário executivo da CNBB/NE V, regional do Maranhão, diz que "o Brasil continua a ocupar o segundo lugar no ranking dos países que mais concentram terras", com atenção especial para o estado, graças à ação do então governador Sarney, em 69.
- Esta realidade está enraizada no país desde sua formação, mas é bom lembrar que no Maranhão houve uma "reinvenção" modernizada do latifúndio com a Lei de Terras decretada pelo governo Sarney, em 1969: as terras públicas do Estado foram leiloadas e entregues aos amigos e sócios da família, conta.
No Maranhão, os minifúndios representam 62,2 por cento dos imóveis, ocupando 7,9 por cento da área total e apenas 2,8 por cento dos imóveis são latifúndios que ocupam 56,7 por cento da área total.
- A realização do plebiscito está entre as principais ações nacionais articuladas pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e a Justiça no Campo, uma rede de 54 entidades, que lançou esta campanha em 2000 e, ao longo desta década, trabalhou com ações de conscientização e mobilização junto à sociedade brasileira para debater a reforma agrária e a democratização da terra, temas que desapareceram da agenda política dos governos. Os locais de votação serão definidos pelas entidades que estão organizando localmente o Grito dos Excluídos, sendo assim, não haverá dificuldade de localização das urnas e sessões, conta o padre.
A seguir a entrevista.
Jornal Pequeno - Primeiro, explique no que consiste a campanha em defesa da definição do tamanho da propriedade rural.
Pe. Flávio Lazzarin - Chama-se Plebiscito de Iniciativa Popular pelo Limite de Propriedade da Terra. O Brasil continua a ocupar o segundo lugar no ranking dos países que mais concentram terras. Esta realidade está enraizada no país desde sua formação, mas é bom lembrar que no Maranhão houve uma "reinvenção" modernizada do latifúndio com a Lei de Terras decretada pelo governo Sarney em 1969: as terras públicas do Estado foram leiloadas e entregues aos amigos e sócios da família. Trata-se de uma ação de conscientização da sociedade brasileira a respeito da injusta realidade agrária do país e uma conseqüente ação de pressão sobre os parlamentares para que introduzam na Constituição Federal dispositivos que limitem o tamanho da propriedade da terra no Brasil, eliminando os latifúndios. O objetivo é que seja incluído no artigo 186 da Constituição Federal um 5º inciso que limite o tamanho das propriedades rurais em 35 módulos fiscais. Todas as áreas acima destes 35 módulos seriam automaticamente incorporadas ao patrimônio público.
JP - Por favor, faça uma avaliação do movimento em defesa dessa proposta.
Pe. Lazzarin - A realização do plebiscito está entre as principais ações nacionais articuladas pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e a Justiça no Campo, uma rede de 54 entidades, que lançou esta campanha em 2000 e, ao longo desta década, trabalhou com ações de conscientização e mobilização junto à sociedade brasileira para debater a reforma agrária e a democratização da terra, temas que desapareceram da agenda política dos governos. Os locais de votação serão definidos pelas entidades que estão organizando localmente o Grito, sendo assim, não haverá dificuldade de localização das urnas e sessões.
JP - Quais as entidades e lideranças envolvidas com a questão?
Pe. Lazzarin - Também no Maranhão começaram as articulações para a continuação da Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra, visando o Plebiscito Popular, que acontecerá durante o Grito dos Excluídos, celebrado nacionalmente durante a Semana da Pátria. Organizações como a Fetaema, a Fetraf, a CUT, o MST, junto com numerosas entidades da sociedade civil e pastorais da Igreja Católica, já estão unidas neste mutirão para divulgar, de uma forma massiva e eficaz, a campanha e o plebiscito de iniciativa popular. Já está constituída uma Coordenação Estadual e já se reúne periodicamente a Plenária Estadual, que tem como objetivo prioritário a criação de Comitês de Campanha Municipais.
JP - A sociedade está sendo mobilizada?
Pe. Lazzarin - Neste ano, a iniciativa será mais ofensiva e contundente e juntará forças novas, com o apoio significativo das Igrejas que constituem o Conic: a Igreja Católica, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e a Igreja Sírian Ortodoxa de Antioquia, unidas na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, cujo tema é "Economia e vida". O Plebiscito é o gesto concreto de conscientização e mobilização proposto às comunidades cristãs de todo o Brasil. Também no Maranhão, a participação da Igreja Católica aumenta consideravelmente o impacto da Campanha e do Plebiscito, pelo grande número de comunidades rurais e urbanas, que terão a oportunidade de refletir e se mobilizar em favor desta iniciativa.
JP - Há ainda muita terra nas mãos de latifundiários no Brasil?
Pe. Lazzarin - Infelizmente sim. Uma breve análise da estrutura agrária brasileira, com base nos dados do Atlas Fundiário do Incra, mostra que existem 3.114.898 imóveis rurais cadastrados no país que ocupam uma área de 331.364.012 há. Desse total, os minifúndios representam 62,2 % dos imóveis, ocupando 7,9 % da área total. No outro extremo verifica-se que 2,8 % dos imóveis são latifúndios que ocupam 56,7 % da área total. Lamentavelmente, o Brasil ostenta o deplorável título de país com o quadro de segunda maior concentração da propriedade fundiária, em todo o planeta.
JP - Qual a reação do grande latifundiário?
Pe. Lazzarin - A reportagem de Mauro Zanatta, publicada pelo jornal Valor, do dia 22-03-2010, relata, que a bancada ruralista, batizada oficialmente como Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tem hoje 266 deputados e senadores filiados. 59% de seus integrantes estão nos partidos da base aliada ao governo Lula, segundo levantamento feito neste mês pela ONG Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). É evidente que este grupo, articulado pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária) da Senadora Kátia Abreu, fará uma oposição sistemática ao Plebiscito.
JP - As condições de trabalho no campo estão melhorando ou piorando?
Pe. Lazzarin - Ao apoio entusiasta e irrestrito dos governos ao agronegócio, corresponde o programático abandono da agricultura camponesa, que não se insere no modelo imposto pelo mercado. É patente o sucateamento do MDA e do Incra e a redução exponencial de recursos para as próprias políticas compensatórias de desapropriação e de consolidação dos assentamentos. Faz parte deste programa governamental viabilizado pelo avesso, o abandono das dezenas de milhares de acampados sem-terra. E se frisamos a programática indiferença do Executivo e do Legislativo, não podemos esquecer a histórica inimizade do Poder Judiciário, que, em todo o território nacional, expede liminares a favor dos "proprietários", cancelando da geografia do Brasil, antigos povoados e antigas comunidades.
JP - Como age o Poder Judiciário?
Pe. Lazzarin - O Poder Judiciário tem julgado com base numa legislação patrimonialista, em que a propriedade da terra é um bem absoluto, independente de sua função social. Isto contradiz a própria Constituição. Por ignorância ou má fé, muitos juízes ainda não assimilaram o outro direito prioritário e superior ao antigo direito, o novo direito da "função social da propriedade rural". Assim, também no Maranhão, muitos juízes, confundindo propriedade e posse, utilizam as Liminares de Reintegração de Posse, em defesa da "propriedade", que, na maioria dos casos, está nas mãos de empresas do agronegócio, em terras de discutíveis ou ausentes cadeias dominiais, ocupadas secularmente por posseiros. Os despejos judiciais, até hoje, se multiplicam, com destruição de moradias, de roças, de vidas.
JP - Muitos brasileiros estão ficando sem acesso a um pequeno pedaço de terra para morar e trabalhar?
Pe. Lazzarin - A questão da reforma agrária é uma questão nacional. Terra não é só um pequeno pedaço de chão para morar e trabalhar. Terra é mais do que mera terra. A verdadeira Reforma Agrária deveria oferecer condições efetivas para permanecer na terra. Mas, a maioria dos assentamentos do Incra e do Iterma não oferece condições mínimas de reprodução da vida das famílias camponesas e ignora as reivindicações territoriais dos povos tradicionais. Pensem na situação da nossa Alcântara! E os quilombolas e ribeirinhos do Maranhão! Terra, além disto, é ecologia, saúde da água, do solo, do subsolo, da biodiversidade. Terra é segurança e soberania alimentar! E isso é destruído pelo agronegócio da soja, do eucalipto, da cana e pelos estragos irreversíveis das grandes mineradoras, como a Vale. E o governo fecha os olhos diante deste descaso e destruição.
JP - Existe muito preconceito contra a campanha?
Pe. Lazzarin - Infelizmente existe na sociedade brasileira um forte preconceito contra os povos indígenas, contra os afro-descendentes, contra os camponeses, contra os pobres. É um preconceito que é elegantemente sustentado pela grande mídia. E não é só preconceito. Está acontecendo em todo o Brasil, e também no Maranhão, uma campanha de criminalização dos movimentos sociais e dos defensores dos direitos humanos e ambientais.
JP - Qual tem sido o posicionamento do Governo Federal em relação à questão?
Pe. Lazzarin - Em entrevista à swissinfo.ch, o bispo emérito de Goiás, Tomás Balduíno, co-fundador e conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), conta que durante a última campanha presidencial, o Presidente Lula pediu ao Fórum Nacional de Reforma Agrária para parar um pouco a Campanha, com o compromisso de que, uma vez eleito, ele continuaria o projeto de limite da propriedade da terra. O Fórum aceitou, com essa condição, e Lula não cumpriu a promessa.
JP - A violência no campo ainda é grande?
Pe. Lazzarin - A 25ª edição de Conflitos no Campo Brasil não tem nada de comemorativo, pois apresenta crescimento tanto do número de conflitos envolvendo camponeses e trabalhadores do campo, quanto da violência em relação ao ano anterior de 2008. O número total de conflitos soma 1184, contra 1.170, em 2008, com aumento considerável em relação especificamente aos conflitos por terra, 854 em 2009, 751 em 2008. Quanto à violência, o número de assassinatos recuou de 28, em 2008, para 25, em 2009. Outros indicadores, porém, cresceram, alguns exponencialmente. As tentativas de assassinato passaram de 44, em 2008, para 62, em 2009; as ameaças de morte, de 90, foram para 143; o número de presos aumentou de 168, para 204. Mas o que mais choca é o número de pessoas torturadas: 6, em 2008, 71, em 2009. O número de famílias expulsas cresceu de 1.841, para 1.884, e significativo foi o aumento do número de famílias despejadas de 9.077, para 12.388, 36,5%. Também se elevou o número de casas e de roças destruídas, 163%, 233% respectivamente. Em 2009, registrou-se 9.031 famílias ameaçadas pela ação de pistoleiros, contra 6.963, em 2008, mais 29,7%.