A Associação do Assentamento Nova Conquista, localizado em Monsenhor Gil, Piauí, foi contemplada com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2014, na categoria Erradicação do Trabalho Escravo. O prêmio é organizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. A distinção é entregue neste dia 10 de dezembro, em solenidade realizada no Palácio do Planalto.
(Xavier Plassat – coordenador da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo / fotos: CPT PI)
Na oportunidade outras 22 personalidades ou entidades foram homenageadas.
Constituída a partir de 2004, a Associação do Assentamento Nova Conquista reúne 39 famílias de trabalhadores migrantes do município de Monsenhor Gil, já envolvidas em situações de trabalho escravo no roço de juquira e no desmatamento, em empreitas realizadas em fazendas de gado no interior do Pará. A cada ano é costumeira a migração de milhares de trabalhadores piauienses que saem em busca de “melhoras” em outros estados do país. Na época, Monsenhor Gil não foge desta regra imposta pela falta de opções locais de trabalho e de renda.
Em Junho de 2004, 78 trabalhadores são resgatados pelo Grupo Móvel na Fazenda Rio Tigre, em Santana do Araguaia, Pará. Quinze deles são do Piauí, todos do município de Monsenhor Gil. O proprietário, Rosenval Alves dos Santos, é médico em Goiânia.
Após o resgate, a CPT de Xinguara, Pará, enviou à CPT do Piauí a relação e o endereço de cada um dos trabalhadores. De volta à suas casas, os mesmos receberam a visita da CPT. Eles mantiveram contato, preocupados em encontrar uma saída para essa situação que a cada ano vem se repetindo. Os trabalhadores resolveram, então, se organizar e formar um “grupo de trabalhadores migrantes”. Eles realizavam reuniões periódicas onde discutiam direitos, organização, terra e o futuro. A CPT estava junto com eles em todos esses momentos.
Na mesma época surgiu um novo caso: 15 trabalhadores deste mesmo município que, depois de roçar uma juquira na fazenda Boca do Monte, na Vila Mandi, também em Santana do Araguaia, passaram meses sem receber, obrigados a permanecer no local em condições para lá de precárias, dormindo em barracos de lona, bebendo a água de uma grota também usada para banho, tendo sido obrigados a comprar as ferramentas na mão do gato, com o valor sendo descontado. E estavam, ainda, constantemente sob vigilância armada. Finalmente, vencidos pelo cansaço, sem um tostão, porém endividados, os trabalhadores retornam a Monsenhor Gil. Ao chegarem, toparam com o grupo dos resgatados da fazenda Rio Tigre que os convidaram para a reunião do seu grupo, junto com a CPT.
Começa então uma outra história.
A mobilização do grupo se focaliza sobre essa migração sistemática à qual a carência de políticas públicas naquele interior os tem condenado ano após ano, com os riscos evidentes a que se submetem por falta de qualquer opção. Eles passam, portanto, a discutir e a buscar alternativas locais de trabalho, o que os conduz a reivindicar do INCRA e finalmente a conquistar, em 2009, a criação de um assentamento no próprio município: o sonho da terra para plantar e viver dignamente.
A atuação articulada da CPT de Xinguara, PA, e da CPT do Piauí foi determinante nessa conquista.
Não parando por aí, a associação dos trabalhadores (doravante conhecida como Nova Conquista, nome que deram ao assentamento), amplia sua atuação para o conjunto da população local e passa a assumir o papel de alerta e de vigilância, voltando-se agora para os demais candidatos à migração.
O Assentamento Nova Conquista é o 1º Assentamento criado no Brasil por e para trabalhadores que passaram por situação de trabalho análoga à de escravo: é uma manifestação brilhante do protagonismo dos trabalhadores na possibilidade de quebrar o ciclo da escravidão e uma prova luminosa do papel fundamental da reforma agrária para derrotar essa praga. O empenho dos trabalhadores para multiplicar e divulgar para outros a mensagem de vigilância e a denúncia do trabalho escravo é um exemplo para todos. Parabéns trabalhadores! Parabéns CPT!
Os vencedores deste ano:
Menção Honrosa: Comissão Permanente de Direitos Humanos da PGE-RS (CDH/PGE-RS)
Menção Honrosa: Ivan Seixas, militante vinculado ao movimento Memória e Verdade
Direito à Memória e à Verdade: Clodesmidt Riani;
Defensores de Direitos Humanos - “Dorothy Stang”: Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante;
Educação em Direitos Humanos: Paulo Freire (em memória);
Comunicação e Direitos Humanos: Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social;
Centro de Referência em Direitos Humanos: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia;
Garantia dos Direitos da População em Situação de Rua: Pastoral do Povo da Rua;
Enfrentamento à Violência: Mikhaila Gutierrez Copello;
Enfrentamento à Tortura: Luiz Carlos Fabbri (em memória);
Segurança Pública e Direitos Humanos: Fórum Brasileiro de Segurança Pública;
Promoção e Respeito à Diversidade Religiosa: Comissão de Combate à Intolerância Religiosa - CCIR;
Garantia dos Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT: Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha;
Erradicação do Subregistro de Nascimento - “Santa Quitéria do Maranhão”: Raimundo Nonato Pereira da Silva;
Erradicação do Trabalho Escravo: Associação do Assentamento Nova Conquista;
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente: Rede Nacional Primeira Infância;
Garantia dos Direitos da Pessoa Idosa: Maria Cecília de Souza Minayo;
Garantia dos Direitos das Pessoas com Deficiência: Luiz Claudio Alves Pereira;
Igualdade Racial: Mário Lucio Duarte Costa – Goleiro Aranha;
Igualdade de Gênero: Clara Charf;
Garantia dos Direitos dos Povos Indígenas: Cacique Damião;
Cultura e Direitos Humanos: Leandro Roque de Oliveira - Emicida;
Selo Nacional de Acessibilidade: Hotel Fazenda Campo dos Sonhos.