COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Nesta semana, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou seu relatório anual com o balanço dos conflitos no campo. De 2010 para 2011 estima-se que houve um aumento de 15% nos conflitos, que podem ser por terra, trabalhistas ou por água, e abrangem ocupações, ameaças, assassinatos, trabalho escravo, acampamentos e superexploração.

 

 

Por Juliana Sada
De O Escrevinhador

Para compreender melhor esses dados, o Escrevinhador entrevistou Antônio Canuto, secretário da Coordenação Nacional da CPT. Para Canuto, “os conflitos e a violência no campo são o resultado visível do avanço do capital para novas fronteiras”.

Dentro do panorama mais amplo, o conflito por terra teve um aumento de 24%, sendo, de longe, o mais numeroso. O balanço aponta que são 1.035 conflitos por terra, 260 trabalhistas e 68, pela água.

A região com maior crescimento foi o Nordeste (34,1%), puxado pelo Piauí, que teve um aumento de 130% nos conflitos. Já no Centro-Oeste, o crescimento foi 22%, e o Norte de 19%. Entretanto, em números absolutos, o Nordeste teve 369 conflitos, o Norte, 307 e o Centro-Oeste, 59. As regiões Sul e Sudeste tiveram uma redução no número de ocorrências, foram registradas 123 no Sudeste (queda de 2,4%) e 37 no Sul, com uma queda de 9,8%.

Antônio Canuto considera que não haverá redução significativa no número de conflito sem que realize uma “profunda reforma agrária”. O secretário se mostra pessimista: “não há perspectiva de solução porque não se toca na estrutura fundiária. A propriedade é vista como um direito absoluto, acima dos direitos humanos”.

Os dados de assassinatos revelam que houve uma redução de cerca de 14% nas ocorrências, de 34 para 29, sendo que em 2011 só houve mortes em conflitos por terra. Sobre estas estatísticas, Canuto explica que a redução se deu sobretudo no Pará e decorre da presença ostensiva de uma força tarefa enviada à região pelo Governo Federal, após uma séria de assassinatos. Entretanto, no mesmo período as denúncias de ameaças cresceram 177%.

Já em relação ao trabalho escravo, o relatório da CPT acusa um aumento de 12,7% em ocorrências desse tipo. Foram 230 casos em 2011. Todos os estados do Sul e Sudeste registraram casos de trabalho escravo e com aumento em relação ao ano anterior. Na região Centro-Oeste houve um dos maiores aumentos nessa área: 29,4%.

Confira a seguir a íntegra da entrevista com Antônio Canuto. O Secretário relata a inoperância dos poderes locais e a certeza da impunidade em casos de violência. Canuto comenta ainda a  condenação dos responsáveis pelo Massacre de Eldorado dos Carajás.


O relatório que apresenta as pessoas mortas em 2011 revela que parte havia denunciado as ameaças às autoridades e mesmo assim foram assassinados. Parecem ser mortes anunciadas. Por que o poder público não agiu? À nível local, é grande a corrupção?


Realmente das 29 pessoas que foram assassinadas em 2011, 11 sofreram antes ameaças. Algumas foram ameaçadas várias vezes, outras receberam ameaças e poucos dias depois foram mortas. Realmente são mortes anunciadas. Por aí dá para ver a diferença de tratamento do poder público. Se um grupo de sem-terra ocupa uma área, no dia seguinte o Judiciário emite uma liminar de reintegração de posse em favor do fazendeiro, grileiro, empresário. Quando o trabalhador denuncia que vem sendo ameaçado, registra um Boletim de Ocorrência na polícia, e nada acontece. É quase nula a atenção que o trabalhador recebe.

 

Entre os pistoleiros e mandantes dos crimes, há uma expectativa de impunidade? O caso dos assassinatos em Nova Ipixuna me parece exemplar. Mesmo com a enorme repercussão da morte de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, houve um assassinato dois dias depois de uma testemunha.


A CPT sempre afirma que o que alimenta a violência é a impunidade. Só para se ter uma ideia, a CPT vem, desde 1985, ano a ano, divulgando o relatório de Conflitos no Campo Brasil. De 1985 a 2011, há o registro de 1.616 pessoas assassinadas, em 1.220 casos (em alguns casos há mais de uma morte como o massacre de Eldorado do Carajás que foram 19). Destes 1.220 casos, só foram a julgamento  97. E nestes 97 julgamentos somente 21 mandantes foram condenados e 79 executores.  A impunidade é crônica.

Há casos em que as próprias forças federais se sentem intimidadas em regiões de conflito, o que me parece algo muito grave, como se um poder paralelo estivesse instalado. Que medidas o governo federal pode e deveria tomar para intervir nessas zonas?


Só para citar um caso em torno ao assassinato de João Chupel Primo, no município de Itaituba, PA. Ele denunciou várias vezes ao ICMBio e à Polícia Federal  a grilagem de terras e extração ilegal de madeira, feitas por um consórcio criminoso. Foi então desencadeada uma operação na região envolvendo Polícia Federal, Guarda Nacional e Exército. Mas a operação não teve muito êxito pois sofreu quebra de continuidade por medida de segurança. Um soldado do Exército teria trocado tiros com pessoas que cuidavam da picada quilômetros adentro da mata e ficou perdido cinco dias na floresta e por isso o Exército se retirou.

Outro caso muito significativo é o de Nilcilene Miguel de Lima no sul de Lábrea (AM). Depois de ter recebido diversas ameaças e de muita insistência junto a órgãos do governo, conseguiu proteção policial da Força Nacional. No fim de abril, a Força Nacional se retirou da região, e Nilcilene também teve que se mudar para lugar seguro. Houve relatos de que também os integrantes da Força Nacional estariam sendo ameaçados.

O mais grave de tudo isso é que até se pode conseguir proteção policial para algumas pessoas ameaçadas, mas os que ameaçam andam livres e tranquilos sem serem importunados. Em casos de ameaças deveria haver uma ação mais direta com relação a quem ameaça.

Na realidade há um poder paralelo que, segundo o professor Carlos Walter Porto Gonçalves da Universidade Federal Fluminense, a CPT denomina de poder privado. É o poder dos latifundiários, grileiros, madeireiros e outros que impõe suja vontade e suas normas e por isso expulsam famílias, ameaçam e chegam a assassinar os que se opõem a seus ditames.

E quais medidas deveriam ser tomadas para sanar o conflito a longo prazo?


Os conflitos persistem e não há perspectiva de solução porque não se toca na estrutura fundiária. Esta permanece intocada. A propriedade é vista como um direito absoluto, acima dos direitos humanos. Somente uma profunda reforma agrária pode sanar a realidade dos conflitos e da violência no campo.

De 2010 para 2011, houve uma leve redução no número de assassinatos (14%) e um aumento enorme de ameaças de morte (177%). Há alguma relação entre esses dois dados?


Se a gente analisar em detalhes esta redução, se pode ver que ela aconteceu principalmente no Pará, que de 18 assassinatos em 2010, caiu para 12, em 2011. Mesmo assim foi o estado com o maior número. O que provocou esta diminuição? Após uma série de assassinatos no final de maio, que começou com o do casal Maria do Espírito Santo e José Cláudio, o governo criou uma força tarefa e teve uma presença mais ostensiva na região. Esta presença ostensiva inibiu de certa forma a ação do poder privado. Por outro lado, com esta presença, muitos que também receberam ameaças e tinham medo de denunciar, tiveram coragem para fazê-lo, por isso o aumento considerável no número de pessoas ameaçadas sobretudo no Pará e no Maranhão.

O levantamento feito entre os anos de 2002 e 2011 mostra que houve um aumento no número de conflitos no campo, sendo que há um pico em 2004 e 2005. Qual contexto há por trás desse aumento nos conflitos?


Como diz o professor Carlos Walter Porto Gonçalves que analisou o conjunto dos dados da CPT desde 1985, o período de 2003 a 2010 é o período em que houve o maior número de conflitos. Com a eleição de Lula, os movimentos do campo, sobretudo os do sem-terra acreditaram que iria ser feita a reforma agrária e por isso aumentaram suas ações de ocupações e acampamentos. Por outro lado, a oligarquia rural também imaginou que poderia ocorrer mudanças significativas e por isso tentaram conter o ânimo dos movimentos com ações de violência.

A maioria dos casos de assassinato se dá no Pará, região em que a grilagem de terra é praticamente uma regra. Há uma ligação entre irregularidade fundiária e a tensão no campo?


Os conflitos e a violência no campo são o resultado visível do avanço do capital para novas fronteiras. O capital só visa o lucro e tende a retirar da frente todo e qualquer obstáculo à sua ação. Por isso a pressão sobre territórios indígenas, sobre áreas de quilombolas, de ribeirinhos, de extrativistas é grande. Estes povos e grupos são considerados entraves ao progresso. O modelo de desenvolvimento em curso só se preocupa com o econômico, não se importa com o ambiental, o cultural, o social. Estes não são valores a considerar.

Essa semana foi decretada a prisão dos mandantes do massacre de Eldorado dos Carajás, 16 anos após o ocorrido. Qual a importância dessa decisão?


Não se sabe se é para ficar feliz ou triste. Um caso como este, com a repercussão nacional e internacional que teve, demorar 16 anos para que somente dois que foram considerados responsáveis tenham sido presos é pra chorar. Dá para se imaginar o que acontece com os casos que quase nunca chegaram ao conhecimento do grande público! Mas, pelo menos agora foram presos. Espera-se que continuem presos, que o Judiciário não abra outras brechas para continuar a impunidade.

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