A Igreja Católica do Rio Grande do Norte emitiu nota assinada pelos bispos do Estado, dom Matias Patrício de Macêdo, arcebispo de Natal; dom Mariano Manzana, bispo da Diocese de Mossoró; dom Manoel Delson Pedreira da Cruz, bispo de Caicó; e dom Heitor de Araújo Sales, arcebispo emérito de Natal, manifestando a preocupação com projeto do Perímetro Irrigado de Apodi, que prevê a desapropriação de mais de 13 mil hectares de terras, ocupadas atualmente por pequenos proprietários que desenvolvem a Agricultura Familiar.
(Jornal Tribuna do Norte)
O cronograma do Departamento Nacional de Obras Contras Secas (Dnocs) para a implantação do projeto do Perímetro Irrigado da Chapada do Apodi prevê, já a partir de janeiro de 2012, o pagamento das primeiras indenizações aos proprietário de terras que estão sendo desapropriadas. Segundo o mesmo cronograma, o início das obras está previsto para fevereiro de 2012. Mas o diretor geral do Dnocs, o ex-deputado Elias Fernandes, não confirma essa data. Ele diz que a determinação do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, é de se discutir o projeto a exaustão com os agricultores da região do Apodi. Por isso, a ordem de serviço não foi assinada em 28 de novembro, por ocasião da vinda da presidenta Dilma Roussef ao Rio Grande do Norte, onde visitou as obras do aeroporto de São Gonçalo do Amarante.
Mas, ele confirmou que o contrato já foi assinado com o consórcio mineiro Sides, vencedor da licitação para a construção do canal de irrigação e outras obras do projeto irrigado do Vale do Apodi.
Enquanto se aguarda a ordem de serviço para início das obras, a Igreja Católica do Rio Grande do Norte emitiu nota assinada pelos bispos do Estado, dom Matias Patrício de Macêdo, arcebispo de Natal; dom Mariano Manzana, bispo da Diocese de Mossoró; dom Manoel Delson Pedreira da Cruz, bispo de Caicó; e dom Heitor de Araújo Sales, arcebispo emérito de Natal, manifestando a preocupação com projeto do Perímetro Irrigado de Apodi, que prevê a desapropriação de mais de 13 mil hectares de terras, ocupadas atualmente por pequenos proprietários que desenvolvem a Agricultura Familiar.
No documento, os representantes da Igreja Católica pedem a revogação do Decreto Nº 0-001 de 10 de junho de 2011, assinado pela presidente Dilma Rousseff, que prevê a desapropriação das áreas, atingindo centenas de pequenas famílias, incluindo alguns assentamentos do Crédito Fundiário. A decisão tem como base a Lei de Desapropriação por Interesse Público, que não aceita recurso jurídico por parte dos prejudicados.
O governo estadual não quis se pronunciar por enquanto sobre uma obra que é do governo federal, assim como o secretário estadual da Agricultura, Betinho Rosado, estava com o telefone celular fora de área.
Elias Fernandes disse que "há muita desinformação" por trás de posições contrárias ao projeto, que contempla 95% dos lotes para pequenos agricultores, enquanto só 5% dos lotes são empresariais. "A maioria das pessoas que moram na região é favorável ao projeto, acho que há um equivoco da Igreja e não sei o que há por trás disso", afirmou ele.
"O que estão dizendo vai na contramão de tudo o que se dia da agricultura irrigada, que é produtiva quatro ou cinco vezes a da agricultura convencional", continuou Fernandes, para explicar que a primeira etapa do projeto é de 5.200 hectares e mais uma área de 20% de reserva legal, prevista pelo novo Código Florestal, que começou foi aprovado ontem, na Câmara dos Deputados: "A segunda etapa só sairá depois de concluída a transposição das águas do rio São Francisco".
Segundo Fernandes, o projeto prevê a irrigação de terras por gotejamento e não vai comprometer, por exemplo, a oferta hídrica da Barragem de Santa Cruz para outros usos, como a distribuição de águas pelas adutoras para o consumo humano.
Ele informou que o projeto também prevê a alocação de 1 hectare de área irrigada para os oito assentamentos agrícolas do Incra, que ficam no entorno e não serão desalojados pelo projeto, inclusive com a garantia de água, que hoje só têm quando chove ou se perfura um poço a grande profundidade. "Todos os assentamentos vão ter ramais ligados ao canal principal do perímetro irrigado", informou o diretor geral do Dnocs.
Obras serão iniciadas em fevereiro
O projeto do Perímetro Irrigado do Apodi vai se utilizar, inicialmente, de 5.200 dos 13.855 hectares das terras a serem desapropriadas, dos 20% destina-se à reserva legal. O projeto executivo começa a ser elaborado em janeiro de 2012, com a distribuição de 555 lotes de tamanhos variáveis. As licenças ambientais foram entregues ao Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) no dia 27 de outubro pelo Instituto Estadual de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema-RN).
Quando estiver em plena atividade, o perímetro irrigado vai produzir banana, cacau, laranja, feijão, goiaba, mamão, melão, neem e uva. O diretor geral do Dnocs, Elias Fernandes, disse que a associação dos produtores é quem vai gerir o negócio - "é como se fosse um condomínio de moradores de um prédio, eles é que decidem tudo".
Além dos futuros proprietários dos lotes, o projeto vai atender com ramais a partir do canal principal de irrigação, os assentamentos rurais situados no seu entorno: Vila Nova, Soledade, Aurora da Serra, Moacir Lucena, Milagres, Laje do Meio e Frei Damião.
Entidades analisam nota dos bispos
A nota da Igreja Católica posicionando-se contra o modelo do projeto do perímetro irrigado do Vale do Apodi repercutiu no setor agrícola da economia do RN. Para Nilton Júnior, da Comissão Pastoral da Terra, não são todos os assuntos de fora da Igreja que conseguem a intervenção dos bispos. "É uma coisa inédita. Nos últimos anos, não tenho conhecimento de nenhum outro pronunciamento coletivo dos bispos com referência a assuntos externos", disse. Segundo ele, os movimentos sociais estão nessa luta há muito tempo, o pronunciamento dos bispos foi muito importante: "O projeto do Dnocs põem em risco a vida das pessoas e essa ação dos bispos servirá para reforçar a luta pela mudança do projeto junto ao Governo Federal", finalizou.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edílson Neto, disse que a nota é fundamental para consolidar a luta dos campesinos. Para ele, a união de todas as entidades ligadas ao campo foi fundamental para a repercussão da luta.
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Norte (Fetarn), Ambrósio Lins do Nascimento, disse que a instituição "não é contra o sistema irrigado", mas é contra "a forma como ele está", pois abre a possibilidade do uso de agrotóxicos. Ele disse que dia 21 deste mês deve ir à Brasília para discutir o problema junto ao governo federal: "A gente também propõe mudanças que venham beneficiar a agricultura família sem expulsar as famílias que moram na região, preservando os projetos que já existem, como hortaliças irrigadas e a caprinocultura".
Para o presidente da Federação da Agricultura do RN (Faern), José Álvares Vieira, o projeto original contempla justamente os pequenos produtores rurais, pois dos 5.200 hectares a serem usados, somente 240 hectares vai para o setor empresarial. "Venho percebendo que existe um radicalismo ideológico, o Brasil está amadurecendo e precisamos deixar de lado a questão ideológica e buscar renda para o produtor rural, tirá-lo da miséria e não fazer dele massa de manobra", disse Vieira.
Segundo Vieira, quem for lá na região do Apodi, vai verificar que o projeto é extraordinário e que até os assentamentos rurais são a favor dele: "Existe interesses de ongs por trás disso e que não vamos admitir a manipulação dos pequenos produtores rurais, porque não vejo onde está o erro desse projeto, o que vejo é interesse ideológico e politico em torno desse projeto da irrigação".