COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Ontem, dia 24 de julho, após anos de omissão por parte dos governos federal e estadual, as Comunidades de Vazanteiros do rio São Francisco, no norte de Minas Gerais, decidiram dar início à autodemarcação de seus territórios nacionais. Confira carta divulgada pelo grupo ontem, justificando a decisão e reivindicando seus direitos garantidos por lei.

 

Hoje, no dia 24 de julho de 2011, estamos dando início à autodemarcação dos territórios das Comunidades Vazanteiras do rio São Francisco, criando a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Pau Preto no município de Matias Cardoso, Norte de Minas Gerais. E fazemos isto porque o Rio São Francisco, suas lagoas, matas e ilhas,  não podem ficar à exposição de tanta degradação, à inoperância do poder público em garantir a sua proteção, e em garantir os direitos das comunidades ribeirinhas que dele dependem.  

 

Há muitos anos viemos denunciando a degradação de suas águas, a violência com que somos tratados, e o que vemos até hoje é o silêncio e a omissão das autoridades. Foi no dia 27 de maio de 2006, cinco anos atrás, que lançamos o primeiro alerta contra esta degradação ambiental e social. Foi quando publicamos a “CARTA-MANIFESTO DAS MULHERES E HOMENS VAZANTEIROS: Povos das águas e das terras crescentes”. Enviamos esta carta ao então Presidente Lula, a todos os governadores em cujos estados o rio São Francisco percorre, sustentando com água e alimentos tantas vidas, e até hoje a resposta que tivemos foi o silêncio.

Em 2007 demos início, aqui na comunidade de Pau Preto, a uma negociação para evitar a expulsão de nosso território. A enorme degradação ambiental provocada pelo Projeto Jaíba obrigou que o Governo de Minas Gerais fizesse uma compensação ambiental criando parques estaduais. E os parques foram criados sem nenhuma consulta aos seus moradores, exatamente em cima das terras onde vivemos. Protestamos contra esta situação, pois enquanto o governo investe no Projeto Jaíba, com o desmatamento generalizado das matas secas, com o uso abusivo das águas do São Francisco, e contaminação com adubos químicos e agrotóxicos, nós, comunidades vazanteiras, somos penalizadas com a transformação das áreas onde vivemos e cuidamos como Parques ambientais. Como concordamos que é importante garantir a preservação ambiental de nossa região, propusemos que uma parcela pequena da área do Parque fosse transformada em uma RDS - Reserva de Desenvolvimento Sustentável.

Passaram então três anos, o mandato do governo Aécio Neves terminou sem que tivéssemos conseguido a negociação, mesmo com a intervenção da Promotoria do São Francisco. Quando o Governador Anastasia veio a Matias Cardoso em 2010 já em campanha política, entregamos mais uma vez as nossas reivindicações. Já se iniciou o novo governo e até agora o que vemos é o silêncio, a omissão. Solicitamos por diversas vezes que a SPU – Secretaria de Patrimônio da União – regularizasse os nossos territórios, reconhecendo a nossa ocupação ancestral nas áreas sob domínio da União, e até agora nada. As denúncias chegaram a Brasília e de lá foi enviada uma Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. A Comissão fez cobranças ao IEF, SPU e INCRA MG. E nada!

Por todo este descaso, com o rio São Francisco e com os seus povos, é que damos início hoje à autodemarcação de nossos territórios. Estamos iniciando com a Autodemarcação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Pau Preto. E não vamos ficar parados. Fazemos parte da Comissão de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas e somos reconhecidos como população tradicional pela Comissão Nacional. Nós, Vazanteiros em Movimento vamos continuar, à nossa maneira, fazendo a proteção do rio. Vamos cuidar do rio, de suas lagoas, margens e ilhas, que são também o nosso território. Vamos cuidar da nossa maneira. E daqui não vamos sair. Por isso estamos todos juntos, vazanteiros e quilombolas que vivem nas barrancas do São Francisco dos municípios de Matias Cardoso, Manga, Itacarambi.

Sabemos de nossos direitos, conferidos pela Convenção 169 da OIT, pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988 e artigo 68 do ADCT, pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), pelo Decreto Federal 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que regulamenta a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. Por isso apresentamos as nossas reivindicações:

1.    O reconhecimento da anterioridade de direitos de domínio das comunidades quilombolas sobre os seus territórios;

2.    Prioridade da concessão de uso das terras da União nas margens do rio São Francisco às comunidades tradicionais vazanteiras;

3.    Revitalização do rio São Francisco com pleno acesso aos seus recursos para os pescadores artesanais que vivem em comunidades tradicionais vazanteiras;

4.    Preservação do cerrado, caatinga e mata atlântica, biomas que garantem a vitalidade do rio São Francisco.

E, exigimos de imediato:

- Reconhecimento e regularização pelo Governo de Minas Gerais da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Pau Preto que fica no entorno do Parque Estadual Verde Grande, município de Matias Cardoso;

- Reconhecimento e regularização da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Pau de Légua que fica no entorno do Parque Estadual da Mata Seca, município de Manga;

- Destinação das áreas da União do Rio São Francisco para as comunidades vazanteiras do São Francisco com o objetivo de possibilitar a ordenação e uso racional e sustentável dos recursos naturais mediante a outorga de Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS, a ser conferido pela SPU de acordo com a Portaria 89 de 15 de abril de 2010;

- Realização pelo INCRA MG do RTID - Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território do Quilombo da Lapinha, município de Matias Cardoso;

- Destinação pelo IEF da Sede da Fazenda Casagrande para o Quilombo da Lapinha, reconhecendo o desrespeito realizado pelo órgão ao adquirir esta propriedade que estava em conflito com a comunidade e com uma ação na justiça.

Matias Cardoso, aos 24 de julho de 2011.

Assinam esta carta

VAZANTEIROS EM MOVIMENTO: POVOS DAS ÁGUAS E DAS TERRAS CRESCENTES

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