COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Doze famílias foram despejadas de área de pré-assentamento em Bom Jesus do Itabapoana, no último dia 7 de julho. A área possuía uma vasta produção agroecológica.

(Página do MST)

No último dia 7 de julho, o Tribunal de Justiça Estadual ordenou o despejo das 12 famílias do pré-assentamento São Roque, na Fazenda Providência, em Bom Jesus do Itabapoana, extremo-norte do estado do Rio de Janeiro. A área possuía uma produção agroecológica bastante diversificada.

Há nove anos as famílias ocupavam as terras da antiga usina Santa Maria, que possuía grandes dívidas com o governo federal. Essas terras poderiam ser obtidas em troca das dívidas, mas o Incra e a Procuradoria da Fazenda Nacional não encontraram nenhuma solução que garantisse o assentamento das famílias.

Quatro anos atrás, a Procuradoria da Fazenda Nacional colocou a área em leilão, tendo sido arrematada por Valter Júnior, ex-prefeito do município de Bom Jesus do Itabapoana, e grande empresário da cana de açúcar. Valter Júnior possui ligações com o Grupo Othon, responsável pelo despejo do acampamento 17 de abril, há 15 dias.

A questão da desapropriação da Fazenda Providência sempre esteve presente nas negociações do MST com o Incra. Em novembro do ano passado, o atual superintendente do Incra, Gustavo Noronha, se propôs a encaminhar a área para desapropriação pelo governo do Estado, mas até hoje nada foi feito.

Após o cumprimento da ordem judicial de despejo, a assessoria jurídica do MST entrou com pedido de embargos de terceiro com retenção de benfeitorias. Essa ação consiste num pedido de indenização às famílias pela produção na área.

A juíza determinou que o Incra informasse em detalhes esta produção e o valor devido. A partir desta informação, a juíza deve determinar que o Valter Junior pague a indenização às famílias.

As famílias foram transferidas para o acampamento Eldorado, na Fazenda Santa Maria dos Peixes. Nessa área, uma nova luta pela desapropriação está parada no Judiciário.

Produção no acampamento

A maioria das famílias do acampamento era trabalhadores rurais da própria região ou já viveram de outros estados como o Espírito Santo.

Os que vieram da roça, de cidades vizinhas trabalhavam em usinas no corte da cana, e em sua maioria não tinham carteira assinada e por vezes não recebiam pagamento. O fechamento de usinas de cana-de-açúcar tradicionais na região gerou impactos profundos na principal atividade empregadora das famílias, e milhares de cortadores de cana ficaram desempregados.

Devido à ociosidade e total falência e abandono da usina Santa Maria localizada em Bom Jesus do Itabapoana, pertencente a um complexo formado por inúmeras fazendas de latifundiários da região, que trabalhadores organizados no MST, em busca de uma alternativa ao desemprego e da necessidade de sobrevivência, ocuparam uma área na beira da estrada, próximo à antiga e desativada usina.Acampamento São Roque.

Após dois meses de luta e resistência nessa área, em 1 junho de 2002, as famílias de trabalhadores ocuparam a Fazenda Providência, que faz parte do complexo de fazendas, dando origem ao acampamento São Roque. A fazenda possui aproximadamente 490 hectares e por muitos anos sofreu com a monocultura da cana-de-açúcar utilizada para usinas da região.

O acampamento produzia de forma diversificada com base nos princípios agroecológicos, e na grande maioria eram para autoconsumo, com estratégia de abastecimento das famílias e das criações, sendo a comercialização uma prática quando havia sobra na produção.

Entretanto, é fato as dificuldades enfrentadas pelas famílias para produzir devido à falta de recursos, contudo através das práticas agroecológicas conseguiram sobreviver em meio a uma região marcada pelas grandes concentrações de terra, monocultura da cana-de-açúcar e desigualdade social. Mesmo com tais dificuldades o Diagnóstico Rápido Participativo da Biodiversidade nos mostrou que riqueza da produção que eram:

Sistemas produtivos

Criações: galinhas, porcos, cavalos, coelhos, carneiros, cabras, gado de leite e animais para tração.

Cultivos: arroz, feijão, milho, mandioca, batata, batata-doce, quiabo, jiló, abóbora, abobrinha, banana, fava, alho, mamão, taioba, algodão, cana, almeirão, tomate, maracujá, beterraba, alface, couve, salsa, cebolinha, cheiro-verde, rúcula, terramicina, boldo, saião, alecrim, capim-cidreira.

Variedades:

- Milho: cubano, palha roxa.

- Arroz: paga dívida

- Mandioca: cacau

- Feijão: Espanha, preto.

Origem das Sementes

- As sementes eram adquiridas de parentes e amigos, alguns compram.

- Sementes próprias (milho, feijão, fava e abóbora)

Armazenamento de sementes

- Terra de formigueiro

- Na própria palha

- Cinza

- Folhas de eucalipto

- Sal

- Assa peixe

Foi também sendo realizado com as famílias espaços de formação onde foi trabalhada a Campanha: “Sementes: patrimônio dos povos a serviço da humanidade”, contextualizando e enfatizando a importância do resgate das Sementes e da biodiversidade. Além de trabalhar questões como: uso das áreas; educação; saúde; relação com entidades/instituições; agroecossistemas; problemas da comunidade, entre outras.

O Acampamento São Roque na sua história nos trouxe e ainda nos traz ensinamentos importantes, como: a ocupação do território, que anteriormente era latifúndio improdutivo é agora um acampamento que tem como princípio a Agroecologia, trazendo qualidade de vida para as famílias, geração de renda e segurança alimentar; com diversificação e consórcio dos cultivos, rompendo com a lógica de monocultura da produção. A Organização das famílias acampadas permite o plantio antecipado como estratégia de abastecimento das famílias e criações; formas de cooperação, como mutirão esporádico e grupos de trabalho.

Com passar do tempo as famílias foram sentindo novamente as dificuldades em resolver os problemas de obtenção daquela área, ocorrendo novamente uma diminuição no número de famílias.

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