Resistir e permanecer na terra para cultivar alimentos saudáveis e combater a fome foram os temas centrais da última mesa de debate do Seminário de Lançamento da publicação Conflitos no Campo Brasil 2022.
“A nossa prática não é só a visão científica dos dados, mas sim a prática a partir dos testemunhos das comunidades”, disse Carlos Lima, da coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ao iniciar as atividades da terceira mesa do Seminário que lançou a publicação Conflitos no Campo Brasil 2022. A atividade foi realizada pela CPT e ocorreu na Universidade de Brasília (UNB) nessa segunda-feira, 17. As ações de solidariedade das comunidades frente à violência no campo e à fome foram o tema do debate.
As reflexões foram iniciadas com o testemunho de quem produz alimentos diante da mira da violência no campo. “Nasci e me criei ali, criei meus filhos ali. Hoje, dia após dia, a gente vem sendo ameaçado”, contou Maurício Alexandre, agricultor e morador da comunidade na antiga Fazenda Mônica, em Colônia Leopoldina - AL. No local, 16 famílias posseiras e agricultoras estão sendo forçadas a deixarem suas casas, essas passadas de geração em geração. O motivo: a fazenda de 16 hectares foi vendida, e o novo proprietário exige a remoção das famílias.
“Um dia, eles chegaram na minha casa e me ofereceram sete mil reais para eu sair de lá. Não aceitei. Em novembro do ano passado, numa terça-feira, os capangas colocaram drones por cima da minha lavoura e passaram veneno, infectou sete hectares de plantação de banana e maracujá. Isso porque eu não aceitei a proposta deles”, revelou o agricultor.
As ações do Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) também estiveram em debate. “Na pandemia, iniciamos o projeto ‘Resistência Viva e Isolamento Produtivo’. Nós mulheres entendemos que precisávamos combater o vírus da Covid-19, mas também combater o vírus da fome e o vírus da violência contra mulheres, crianças e LGBTQIA+”, contou Margarida Maria da Silva, da direção nacional do MST.
Margarida lembrou que foram criados vários instrumentos de organização nacional durante a pandemia, como as ações de plantio de árvores, os roçados solidários e a distribuição de alimentos para enfrentar a fome. “A terra não é só para matar a nossa fome, mas também a daqueles que estão nas cidades e não têm acesso à comida”, ressaltou a liderança.
O MST, no período da pandemia, distribuiu mais de oito mil toneladas de alimentos e cerca de 10 mil cestas agroecológicas a populações empobrecidas nas cidades. “É o povo cuidando do povo, pois a fome tem raça, tem classe e gênero”, enfatizou Margarida. O coletivo de mulheres do Movimento produziu mais de 50 mil máscaras no decorrer da pandemia. As famílias Sem Terra também se mobilizaram para doar sangue e formar grupos de agentes populares de saúde.
“A fome também é uma forma violência. Mais de 30 milhões de pessoas estão submetidas à fome no Brasil”, enfatizou Olávio José Dotto, assessor da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB). Na ocasião, Olávio deu ênfase às ações da Igreja, especialmente à Campanha da Fraternidade de 2023, que tem como missão a luta do combate à fome no país.
“Esta é a terceira vez que a CNBB traz o tema da fome para a Campanha da Fraternidade. Como podemos perceber, essa realidade é crônica em nossa sociedade”, lembrou Dotto. Segundo o assessor, apesar das ações emergenciais serem fundamentais, é preciso enfrentar o problema em sua dimensão estrutural e construir processos de transformação social. Dotto ressaltou ainda a importância do Fundo Nacional de Solidariedade (FNS), coleta realizada em todas as igrejas do Brasil, no Domingo de Ramos, para apoiar ações que visem ao fortalecimento de direitos e de comunidades. Ao fim do debate, a mensagem foi deixada por todos os presentes: a luta pela Reforma Agrária e pela demarcação de territórios tradicionais é o caminho não apenas para superar a violência no campo, mas sobretudo para enfrentar o cenário de carestia e fome que flagela o povo brasileiro.
Foto: Letícia de Maceno