COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Famílias do Seringal Malocão, região sul do estado do Amazonas, próximo aos municípios de Boca do Acre e Lábrea (AM), denunciam casos de tortura, intimidação e ameaças.

Mário Manzi - Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
com informações da CPT Regional Acre

A degradação dos povos da Amazônia incide diretamente na violação dos direitos humanos e está intimamente ligada à devastação do meio ambiente, como é o caso do Seringal Malocão, região sul do estado do Amazonas, próximo aos municípios amazonenses de Boca do Acre e Lábrea. A luta pela terra na região esbarra na crueldade, usada como ferramenta de repressão contra os povos da floresta.

A área em litígio divide dois lados: os camponeses, que fazem uso sustentável da floresta e possuem modos de vida que protegem o meio ambiente, e os fazendeiros, que exploram a terra por meio do agronegócio e da especulação fundiária, com o intuito de transformar a floresta em mercadoria. A CPT Regional Acre, que acompanha os trabalhadores da terra, na região, recebe, documenta e assessora os camponeses, que recorrem à pastoral para denunciar os crimes dos quais são vítimas, ante à falta de ação do poder público na região. 

Trazemos, nesta reportagem, alguns dos relatos desses trabalhadores da terra. Antes, vamos dedicar a perscrutar a região do conflito.

O Seringal

A área em litígio é conhecida como Fazenda Palotina e é reclamada por Sidnei Sanches Zamora. O fazendeiro, que transformou a parte da área que explora em pasto, possui outras fazendas onde pratica o monocultivo de soja e milho. No ano de 2015, cerca de 170 famílias ocuparam a área, época em que começaram as violências contra os camponeses. No ano seguinte as famílias foram expulsas pelo fazendeiro por meio de força policial de Boca do Acre (AM), sem, no entanto, haver mandado de reintegração de posse.

No ano de 2019, foi realizada reintegração de posse, na qual foram retiradas da área cerca de 170 famílias. Decorridos quinze dias, as famílias, organizadas, voltaram à área, onde permanecem até hoje, convivendo com, segundo relatos locais, inúmeras tentativas de expulsão, quase sempre sendo lideradas pelo agente policial conhecido como Tenente Bruno.

No mesmo ano de 2019, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia contra policiais militares e fazendeiros que atuavam em uma milícia da região, e que era liderada pelo policial militar Salomão Alencar Faria.

Segundo os procuradores, foram listadas as seguintes condutas criminosas:

- Organização criminosa responsável por invasões de terras da União e desmatamentos em larga escala nos estados do Acre e Amazonas, mais precisamente, no município de Boca do Acre/AM.

- Uso da violência contra pequenos agricultores e coletores, pagamentos de propina, lavratura de autos de infração em nome de laranjas e apresentação de defesas administrativas elaboradas pelo próprio Superintendente do Ibama no Estado do Acre.

Ação policial

Segundo informa a CPT Regional Acre, é prática dos policiais do município de Boca do Acre (AM), encaminhar as denúncias para Lábrea (AM). No entanto, de forma inesperada, e ainda sem compreensão, as ações que envolvem a violenta retirada de pessoas da área em disputa são realizadas pelos policiais de Boca Acre. 

As lideranças locais também advertem para a frequente ação dos policiais liderados pelo tenente Bruno, que segundo elas, ameaçam os camponeses e alegam que possuem liminar de reintegração de posse contra a comunidade. 

Os relatos

Morador do Seringal Malocão desde 2015, comunidade Mariele Franco, Pedro Domingos, de 37 anos, conta que no ano de 2019, sofreu diversas violências em decorrência do conflito. “Fui abordado pelo Tenente Bruno, [que estava acompanhado de] nove a doze policiais e alguns peões da fazenda. Na ocasião aconteceu muita violência contra minha pessoa e um companheiro que desistiu de lutar pela terra devido a sequência de violência. Na ocasião nos deram chutes, quebraram duas costelas e ameaçaram com fuzis. Quebraram meus capacetes  e fizeram eu correr três quilômetros, atirando nos pés, forçando a gente a correr. Mantiveram a gente preso e algemado na beira da estrada, sem água, com socos e pauladas constantes. Ficamos no local entre 5 a 6 horas [das 5h às 13h] sem tomar água, no sol a pino. Nos levaram para delegacia alegando que tínhamos que sair da área. Chegando lá, fomos ouvidos pela escrivã da delegacia de Boca do Acre e posteriormente liberados. Registrei um Boletim de ocorrência no 1º Distrito Policial de Rio Branco (AC), já que a jurisdição de Boca do Acre (AM) não aceitava registar boletim de ocorrência. Até a presente data não fui ouvido e nem dado segmento a denúncia”.

Em novembro de 2021, Wilton Costa conta: “estava quebrando castanha na minha área juntamente a meu filho, dois moradores e um casal ajudante. No dia 29 de novembro chegou um rapaz chamado Leandro, acompanhado de dois senhores de idade, solicitando quebrar a castanha. Não deixamos quebrar a castanha, pois cada família tem seu território definido. No dia seguinte eles retornaram junto com os policiais alegando que eu teria ameaçado, porém, não existem ameaças e nem documentos na Delegacia de Boca do Acre que comprove. Na ocasião os policiais sem mandado de busca e apreensão levaram a espingarda do castanheiro, sempre falando que tinha uma reintegração de posse, para a comunidade. Na verdade, não existe um mandado de reintegração de posse, o que existe são tentativas de ameaçar e retirar as famílias do local à força."

Convenções

Há vários outros relatos que dão conta de outras ações policiais invariavelmente lideradas pelo tenente Bruno. Nas falas há referência a ameaças, principalmente ligadas ao manejo da castanha-do-Brasil, que os camponeses coletam e comercializam como forma de complementação de renda. Há citações de que o referido tenente adentra a área do seringal, tendo como origem a Fazenda Palotina, afirmando que a polícia possui mandado de reintegração expedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 1º de setembro de 2020 a assessoria de comunicação da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) publicou notícia em que informou que a defensoria obteve decisão judicial para suspender a execução de ordem de reintegração de posse na Fazenda Palotina. A decisão foi assinada pela juíza substituta Andressa Piazzi Brandemarti, atendendo à manifestação da DPE-AM. Tal manifestação também pediu a extinção do processo, devido ao desrespeito aos prazos definidos pelo Código de Processo Civil. 

A Lei Nº 9.455, de 7 de Abril de 1997 define que constituem crimes de tortura, em seu parágrafo 1º, inciso I “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”, inciso II “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. A Lei prevê ainda aumento da pena de um sexto até um terço se o crime for cometido por agente público.

A Carta da Organização dos Estados Americanos e a Carta das Nações Unidas prevêem que casos de tortura podem ser submetidos a instâncias internacionais, “cuja competência tenha sido aceita por esse Estado”.

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