Por Mariana Franco Ramos | De Olho Nos Ruralistas
Um grupo de aproximadamente vinte homens encapuzados e armados causou terror na tarde desta quarta-feira (03) no Acampamento São Vinícius, em Nova Ipixuna, no sudeste do Pará. Segundo relato de moradores, os pistoleiros atearam fogo nas barracas e espancaram homens e mulheres. Um menino de 11 anos chegou a correr para a mata e só foi encontrado horas depois. Outros camponeses conseguiram fugir e buscar apoio e atendimento médico na cidade.
“Atiraram no cadeado, entraram e não deram trégua”, conta um dos atingidos, cuja identidade foi preservada, por questões de segurança. “Fui um dos primeiros; me deram porrada, jogaram no chão e mandaram calar a boca”. Na sequência, ele conta que foi jogado num carro com mais nove companheiros. “Colocaram a gente de bruços e largaram numa área desconhecida. Foi tipo um sequestro, cárcere privado”.
As oitenta famílias que vivem às margens da Fazenda Tinelli se dedicam ao extrativismo de açaí e castanha e plantam mandioca para subsistência. No momento do ataque, havia em torno de quarenta pessoas, já que muitas saem para trabalhar, num esquema de rodízio. “Tudo foi destruído; nem nos deram chance”, afirma o camponês.
— Não houve óbito, mas muitos ficaram feridos. A gente está esperando o resultado dos exames. Um rapaz quebrou os dentes e teve lesão no lábio. Eu levei porrada nas costelas. Uma moça apanhou nas costas. Foi uma barbárie.
Como os pistoleiros estavam encapuzados, não se sabe quem de fato promoveu o ataque. Os sem-terra desconfiam se tratar de uma ação a mando de fazendeiros de Nova Ipixuna.
De acordo com a advogada popular Andréia Silvério, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá, os camponeses não conseguiram registrar o boletim de ocorrência em Nova Ipixuna, pois não havia sequer escrivão na delegacia. “As famílias entraram em contato conosco e procuramos a Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (Deca) de Marabá”, conta.
O órgão encaminhou ofícios com cópias do registro ao Ministério Público e à Secretaria de Estado da Segurança Pública e, após uma série de solicitações, recebeu a notícia de que uma equipe da Deca foi designada para ir ao local e apurar o ocorrido. Integrantes da CPT acompanharam as diligências nesta quinta-feira e continuavam na região, para averiguar também o estado de saúde dos moradores.
O observatório entrou em contato com o governo do Pará, por meio da Secretaria de Estado da Comunicação (Secom), entretanto, não recebeu retorno até a publicação da reportagem. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que “a situação do referido imóvel rural será analisada pela Superintendência Regional no Sul do Pará para pronunciamento sobre o assunto e a adoção de medidas cabíveis”. Conforme o órgão, o conflito relatado deve ser investigado pela Polícia Civil.
FAZENDA TINELLI FICA EM IMÓVEL MATRICULADO EM NOME DA UNIÃO
A chamada Fazenda Tinelli, nas proximidades do acampamento, está sobreposta a um imóvel arrecadado e matriculado em nome da União. Há duas semanas, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Incra a destinação da área à reforma agrária, porém, o instituto respondeu que aguardava a entrega de documentos para se manifestar.
Em 2002, o Incra publicou uma portaria para criação do assentamento São Vinícius. Na época, a CPT demonstrou que, além de ocupar ilegalmente a terra pública, Carlos Abílio Tinelli vendeu, de forma ilícita, 810 hectares do terreno, cometendo outros crimes. O MPF argumenta que, apesar disso, o instituto não tomou medida prática para implementar o projeto. “O assentamento foi criado no papel, mas na prática o Incra não fez nada para materializar”, resume a advogada Andréia Silvério.
“Por 11 anos (2002 a 2013), o Incra se manteve inerte, sem adotar qualquer iniciativa para efetivar a retomada da área e promover o assentamento de famílias sem terras”, diz trecho da recomendação, assinada pelos procuradores Sadi Flores Machado e Adriano Augusto Lanna de Oliveira. “O fazendeiro ocupante se utilizou da terra pública para fins especulativos, pois nas duas vezes que técnicos do Incra estiveram na área constataram que o imóvel estava sendo mal utilizado, improdutivo e não cumprindo com sua função social”.
O pretenso proprietário conseguiu na Justiça Estadual uma decisão liminar (urgente e provisória) para despejar os camponeses. Eles chegaram a sair do local e, um tempo depois, voltaram a se instalar, mas às margens, e não mais no interior da fazenda. A CPT fez várias solicitações ao Incra para que a autarquia interviesse no processo. O órgão admitiu à Justiça que o pedido de regularização em nome de Tinelli não deve ser concedido, em virtude da existência de conflito e da sobreposição de parte do imóvel sobre terras indígenas. Ainda assim, não requereu a retomada do imóvel ao patrimônio público.
“O fazendeiro se sente respaldado pelo Poder Judiciário para ocupar uma terra ilegalmente”, lamenta Andréia Silvério.