Casa destruída pelas chamas no tekoha Avae’te, após ter sido queimada por seguranças na manhã desta segunda (6). Casa já é a terceira queimada na retomada em uma semana. Foto: povo Guarani Kaiowá
Fogo e caveirão: violência constante
O tekoha Avae’te é uma das retomadas que ficam próximas aos atuais limites da reserva de Dourados, área reivindicada pelos indígenas como parte de seu território tradicional. As retomadas da região vivem um contexto de violência extrema e constante, com ataques quase diários de seguranças privados, que utilizam uma caixa d’água como “base” de operações no local.
Outra ferramenta característica da atuação dos fazendeiros no local é o uso de um trator blindado e modificado com chapas de metal, utilizado para atacar os indígenas e derrubar os barracos das retomadas – além de servir, segundo os relatos das lideranças, como plataforma de tiro contra os Guarani e Kaiowá. Por este motivo, o trator modificado foi apelidado pelos indígenas de “caveirão”.
Segundo o relato dos indígenas, o caveirão ainda continua atuando na região, e foi utilizado nos ataques contra o tekoha Avae’te, na semana passada. “O ‘caveirão’ ainda está rodando por aqui”, relata Kunha Rendyi.
Os ataques contra os indígenas no local são constantes e se intensificaram a partir de outubro de 2018. Na noite em que foi confirmada a vitória do atual presidente da República, no dia 28 daquele mês, 15 Guarani e Kaiowá foram feridos por disparos feitos com balas de borracha e de gude. Desde então, as ações violentas já deixaram inúmeros feridos por projéteis de borracha e armas de fogo, muitos com gravidade.
“É todo dia, né. O homem [que teve a casa queimada] já teve o braço direito ferido. Aí outro atiraram também na perna, não conseguiu mais movimentar. Com arma de borracha também foi ferida gente… eles não têm mesmo dó. Não é de agora que tem ameaça. Já vai fazer três anos que todos os dias eles vêm. Se não vêm de manhã, vêm de tarde. Por isso que a gente não fica no sossego”, afirma Kunha Rendyi.
Desde 2019, o Ministério Público Federal (MPF) investiga os conflitos no local, que envolvem também outras retomadas da área, como o tekoha Nhu Vera. Segundo o órgão, os processos tramitam sob sigilo de justiça.
“Até nos meus filhos já atiraram, não temos sossego. Esses Karaí [não indígenas] nos perseguem”
O ataque desta segunda (6) foi a terceira vez que a indígena Kunha Poty, mãe de três crianças, teve a sua casa queimada por seguranças privados. Na foto, os destroços de sua casa anterior, também destruída por um incêndio criminoso. Foto: Cimi Regional Mato Grosso do Sul
A violência a que os indígenas estão submetidos na região está diretamente ligada ao contexto da reserva de Dourados, onde cerca de 20 mil indígenas vivem confinados em apenas 3,4 mil hectares. Além de reivindicar áreas no entorno da reserva como parte de seu território de ocupação tradicional, os indígenas denunciam a apropriação privada de partes da área da reserva, que passou por sucessivas reduções desde sua criação, no início do século XX.
A violência incide sobre os indígenas de forma intensa e contínua. Segundo Kunha Poty, moradora da casa que foi queimada na manhã de hoje (6), esta já é a terceira vez que sua casa é queimada pelos seguranças privados que atuam no local.
“Nós queremos e precisamos de ajuda para reconstruir a nossa casa. Até nos meus filhos já atiraram, não temos sossego. Nessa hora, nós nos juntamos e saímos correndo. Esses Karaí [não indígenas] nos perseguem. Não precisamos deles para ficar aqui. Queremos ficar fortes para nos juntar. Não vamos nos intimidar. Vamos reconstruir a nossa casa”, afirmou a indígena ao Cimi Regional Mato Grosso do Sul, em visita ao local, nesta segunda.