COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Julgamento que pode definir o futuro dos povos indígenas, volta para pauta do Supremo na próxima quarta-feira, dia 8 de setembro.

Texto: Andressa Zumpano (Setor de Comunicação CPT Nacional) / Foto: Matheus Veloso

publicado originalmente no site apiboficial.org

Brasília, 2 de setembro de 2021 | O Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, realizou, nesta quinta-feira (2), uma manifestação contrária ao Marco Temporal no julgamento que vai definir o futuro das demarcações de Terras Indígenas, no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento segue no dia 8 de setembro com o voto das ministras e ministros do Supremo.

Cerca de 1200 indígenas, de 70 povos, marcharam ontem (2) rumo ao STF para acompanhar a sessão na praça dos Três Poderes. Pela quarta vez, em menos de duas semanas, povos indígenas de todo país se mobilizam, em Brasília, para acompanhar o julgamento e manifestar apoio ao Supremo.

O terceiro dia do julgamento foi encerrado após a fala do PGR, que defendeu o provimento do recurso do povo Xokleng, cujo território está no centro da disputa deste processo. “A demarcação é de índole declaratória, não constitutiva. Demarcar uma terra indígena consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação”, destacou Aras.

O caso em discussão começou com uma ação de reintegração de posse movida pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) em face do povo Xokleng. A área, ocupada pelos indígenas, é sobreposta a um parque estadual e já foi identificada como parte da Terra Indígena (TI) Ibirama Laklãnõ.

O PGR posicionou-se pela manutenção da posse dos indígenas na área, mesmo antes da conclusão da regularização da terra indígena, e a favor da validade da demarcação, sem a aplicação de nenhum marco temporal.

O pronunciamento do procurador foi feito após 36 manifestações dos chamados amici curiae – “amigos da Corte”, organizações e instituições que auxiliam as partes que têm interesse no caso. O STF iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365, na quinta-feira da semana passada (26), após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin.

Além das manifestações dos amici, foram feitas as sustentações orais da Advocacia-Geral da União (AGU), dos advogados da comunidade Xokleng, da TI Ibirama-LaKlãnõ (SC), do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação, e da PGR, que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena. A Fundação Nacional do Índio (Funai), que era parte no processo e defendia os direitos da comunidade indígena, agora alinhada com o atual governo e setores ruralistas, se ausentou.

“O momento é oportuno para esta Suprema Corte reafirmar o direito dos povos originários do Estado brasileiro, notadamente num contexto político tão adverso, onde cumprir as disposições constitucionais é medida que se impõe. É preciso reafirmar que a proteção constitucional dispensada às terras indígenas é um compromisso de Estado e não pode estar submetido à discricionariedade política. Sendo assim, demarcar terra indígena é imperativo constitucional”, destaca Luiz Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante sustentação oral na tarde de anteontem.

Nesse contexto, também se destaca a posição do ministro-relator Edson Fachin, que afirmou que “está em julgamento a tutela do direito à posse de terras pelas comunidades indígenas, substrato inafastável do reconhecimento ao próprio direito de existir dos povos indígenas”.

A respeito do “marco temporal” e sobre os indígenas que vivem em isolamento voluntário, o ministro questionou: “estando completamente alijadas do modo de vida ocidental, de que modo farão prova essas comunidades de estarem nas áreas que ocupam em 05 de outubro de 1988?”

“A sessão vai ser retomada na próxima quarta-feira, dia 8, a partir das 14h00, com a leitura do voto do ministro-relator Edson Fachin, e após será aberto para os demais ministros da corte. Continuaremos mobilizados acompanhando, dizendo não ao Marco Temporal”, enfatizou a coordenadora jurídica da Apib, Samara Pataxó.

Advocacia Indígena

Organizações indígenas e indigenistas consideram como histórica a participação dos quatro advogados indígenas que apresentaram sustentação oral como amici curiae. Ontem, Samara Pataxó, Eloy Terena, Ivo Macuxi e Cristiane Soares Baré se pronunciaram contrários à tese do Marco Temporal.

“É notório que o marco temporal figura-se como um dos principais trunfos para sobrepor interesses individuais, políticos e econômicos sobre direitos fundamentais, coletivos e constitucionais dos povos indígenas e da própria União. Ou seja, o marco temporal não goza de natureza jurídico-constitucional, pois vai de encontro a pilares que são caros ao Estado Democrático de Direito”, destacou Samara, que, além de coordenadora jurídica da Apib, representou o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) no processo.

Para Samara, a participação dos advogados indígenas é importante, pois revela a diversidade de povos e regiões, mostrando que a tese do marco temporal afeta todos os territórios e povos do país. “O nosso papel enquanto advogados é levar a voz dos povos indígenas na condição de profissional, mas também trazendo o que a gente já faz em nossas bases, que é a defesa dos direitos dos povos nos nossos estados e também mostrando que hoje estamos em um patamar que há investimentos na qualificação dos indígenas em diversas áreas, como uma possibilidade de trazer retornos às nossas lutas, nossos povos e nossos direitos.”

Teses em disputa

A Corte analisa a reintegração de posse movida pelo IMA, de Santa Catarina, contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. O caso recebeu, em 2019, status de “repercussão geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

No centro da disputa há duas teses: a tese do chamado “marco temporal”, defendida pelos ruralistas, que restringe os direitos indígenas. Segundo esta interpretação, considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras indígenas.

Oposta ao marco temporal está a “teoria do indigenato”, consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio Estado brasileiro, independe de uma data específica de comprovação da posse da terra (“marco temporal”) e mesmo do próprio procedimento administrativo de demarcação territorial. Essa tese é defendida pelos povos e organizações indígenas, indigenistas, ambientalistas e de direitos humanos.

“A nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é, persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, reafirma o movimento indígena em nota divulgada no sábado (28). Os indígenas também asseguram seguir “resistindo, reivindicando respeito pelo nosso modo de ver, ser, pensar, sentir e agir no mundo”.

Entenda mais sobre o julgamento aqui

Mobilização indígena

Na semana passada, seis mil indígenas, de 176 povos de todas as regiões do país, estiveram presentes em Brasília, reunidos no acampamento “Luta pela Vida” para acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, protestando também contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.

Após o início do julgamento e a previsão de que fosse retomado nesta quarta-feira (1º), os indígenas decidiram manter a mobilização em Brasília e nos territórios. Assim, cerca de 1.200 lideranças indígenas, representando seus povos, permaneceram em Brasília, e o acampamento “Luta pela Vida” foi transferido para um novo local, a Funarte.

Seguindo os protocolos sanitários de combate à Covid-19, o grupo seguirá acompanhando o julgamento e une forças com a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro. Os indígenas seguem mobilizados também nos territórios, de forma permanente.

 

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