Eixo Norte está quase pronto, mas não poderá ser usado por falta de estação de bombeamento. Outros problemas no projeto irão elevar exponencialmente o custo da empreitada.
(Jornal Valor Econômico)
As obras da transposição do rio São Francisco, um dos projetos mais ambiciosos do governo, terão de passar por manutenção e reparos antes mesmo de os canais de concreto começarem a levar água ao sertão nordestino. A situação preocupante é resultado de um descompasso que tomou conta da execução das obras. Desde o início dos trabalhos, em 2007, o governo concentrou boa parte dos esforços na construção dos canais de acesso, os longos corredores de cimento que vão transportar a água pelo agreste, mas outras obras de maior complexidade, como a construção das estações de bombeamento, não caminharam no mesmo ritmo. Esse atraso resultou num desarranjo do cronograma estabelecido para a entrega dos diferentes tipos de estruturas que vão suportar a transposição.
Um bom exemplo disso é o que está acontecendo em Cabrobó, nas margens do rio São Francisco. É ali que começa o chamado Eixo Norte, um canal de 402 quilômetros que cortará os Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Os números mais recentes apontam que mais da metade dos canais desse eixo estão concluídos. O Batalhão do Exército, que executa as obras do canal de aproximação, trecho de dois quilômetros que vai acessar as águas do rio, está com 75% de seu trabalho pronto e a previsão é de entregar toda a obra até dezembro. A oito quilômetros dali, a barragem de Tucutu, a primeira do Eixo Norte - que também é executada pela equipe de engenharia militar - já atingiu 75% de execução e será entregue no fim do ano.
A conclusão dessas obras, no entanto, em nada acelera o processo, uma vez que, no meio do caminho, o local que vai receber a primeira estação de bombeamento, ainda é uma montanha de terra e pedras. A obra da estação sequer foi licitada. "Esse é o calcanhar de aquiles desse projeto", diz o coronel Marcelo Guedon, comandante do batalhão que atua nas obras do Eixo Norte. "Vamos cumprir o prazo de nossas obras, que é nosso trabalho aqui, mas a verdade é que, sem essa primeira estação de bombeamento, o eixo não poderá funcionar."
O mais preocupante é o tempo previsto para dar fim a esse nó. Pelos cálculos do Exército, a construção da estação de bombeamento levará cerca de 36 meses para ficar pronta. Isso significa que, na melhor das hipóteses, se as obras começassem hoje, o Eixo Norte só entraria em operação no primeiro semestre de 2014. "A construção dos canais começou há quase quatro anos. Veja que essa estrutura está exposta todo esse tempo a sol forte, com pressão do solo e sem tratamento adequado", diz o especialista em recursos hídricos João Abner Guimarães Júnior, doutor em recursos hídricos da Universidade Federal do Rio Grande de Norte e membro do grupo de trabalho do São Francisco. "Já não há a menor dúvida de que muitos dos trechos entregues terão de ser reformados, porque a obra simplesmente não cumpriu seu cronograma", diz.
O Ministério da Integração Nacional, responsável pela obra, reconhece o problema. Tanto que se preveniu. Segundo Augusto Wagner Padilha Martins, secretário de Infraestrutura Hídrica, o governo já trabalhava com esse risco e, por isso, incluiu nos contratos com as empreiteiras uma cláusula que prevê a reforma de canais desgastados enquanto o projeto não começar a funcionar. O ministério não detalhou qual é o prazo de validade desse serviços.
O desajuste no calendário das obras da transposição não é resultado de falta de atenção do governo, mas de sua dificuldade em agilizar o andamento das obras. A construção da estação de Cabrobó chegou a ser licitada em 2008 e, ainda naquele ano, o governo liberou para as empreiteiras a ordem de serviço para a obra. No início de 2009, porém, as construtoras LJA e Ebisa, que tinham assinado um contrato de R$ 97,6 milhões para a instalação da estação do eixo, alegaram dificuldades técnicas e financeiras. O governo endureceu e não quis renegociar o valor do contrato, que acabou rescindido. Na época, a Camargo Corrêa também chegou a desistir das obras.
Segundo Martins, a licitação da estação de bombeamento em Cabrobó será feita em abril. Apesar do tempo médio de três anos previstos para a obra ser concluída, ele acha que há possibilidade de encurtar esse prazo para até 24 meses, o que daria possibilidade de o Eixo Norte ser entregue em 2013.
Ao todo serão construídas três estações de bombeamento de água no Eixo Norte e seis no Eixo Leste, canal de 220 quilômetros que avançará entre Pernambuco e Paraíba. O orçamento total estimado para as obras da transposição também tem sofrido mudanças. No início deste mês o governo admitiu que o custo inicialmente previsto, de R$ 5 bilhões, poderá chegar a R$ 7 bilhões. O balanço mais recente das obras, divulgado no fim do ano passado, aponta que, entre 2007 e 2010, foram investidos R$ 2,1 bilhões.
Os lotes 1 e 2 do Eixo Norte - de um total de oito - e toda a extensão do Eixo Leste, segundo os dados oficiais, atingiram em dezembro 80% de sua execução.
A complexidade da transposição não se restringe às estações de bombeamento. O sistema completo será apoiado pela construção de 36 barragens, 17 aquedutos, sete túneis, 63 pontes, 35 passarelas e 165 tomadas de água. Nas estações de bombeamento, subestações de energia serão construídas para fazer com que a água suba montanha acima, em lances de 35,60 metros de altura. A utilização das barragens vai permitir que, diariamente, esse sistema de bombeamento seja desligado por três ou quatro horas, para manutenção e economia de energia.
No Eixo Leste, no município de Floresta, o Exército corre contra o relógio para concluir o trecho de ligação com o rio, onde um canal de seis quilômetros avança sobre a barragem de Itaparica. Ali, ao contrário do que se vê em Cabrobó, as obras da estação de bombeamento já estão em fase avançada e os primeiros tubos de conexão que se ligarão às turbinas começaram a ser instalados na semana passada. "Já concluímos nossa barragem, que receberá as águas nesse trecho inicial", diz o tenente-coronel André Ferreira de Souza, comandante do batalhão responsável pelas obras de aproximação do Eixo Leste. "Acredito que, até início do ano que vem, também entregaremos o canal de chegada até o rio."
A inauguração do Eixo Leste era um sonho alimentado pelo ex-presidente Lula. O plano original previa que as águas desse eixo começariam a atingir o agreste pernambucano no segundo semestre de 2010. Para o Eixo Norte, trabalhava-se com um prazo até 2012.
"Esses atrasos tendem a se ampliar porque esse projeto começou a ser feito de trás para frente", diz o especialista João Abner Guimarães Júnior. "Para que o projeto se tornasse irreversível, o governo correu com os canais, mas a verdade é que ainda há um trabalho muito duro pela frente."
Custo pode subir para R$ 7 bilhões
Os contratos de prestação de serviços que envolvem as obras da transposição do São Francisco se transformaram em um problema à parte para o Ministério da Integração Nacional. Como a maioria das licitações foi feita em cima do projeto básico da obra, agora as construtoras querem aditivos, já que teriam percebido que o que tinham pela frente era "muito mais complexo" de se executar.
Segundo Augusto Wagner Padilha Martins, secretário de Infraestrutura Hídrica, o governo administra hoje 60 contratos relacionados à transposição. Esses pedidos de aditivos, que serão negociados caso a caso, explicam a possibilidade de o projeto saltar de R$ 5 bilhões para R$ 7 bilhões.
A preocupação com a situação dos contratos provocou a criação de uma "Comissão Permanente de Licitação e Revisão de Contratos". O papel dessa comissão, formada há apenas dez dias, será o de analisar todos os contratos de obras e serviços em andamento no ministério. O prazo de vigência desse grupo de trabalho é de 12 meses.
A primeira iniciativa tomada foi o pedido de informações detalhadas aos gestores de todos os contratos, que tiveram cinco dias para enviar seus relatórios. Até o fim da próxima semana, o ministério quer concluir o relatório final da situação desses contratos.
A complexidade envolvida na gestão da infraestrutura e na oferta da água do São Francisco ficará a cargo da estatal Água de Integração do Nordeste Setentrional (Agnes), em fase de criação.
Uma das maiores preocupações do governo é garantir que a água que vai chegar à casa do consumidor tenha um preço razoável. O assunto faz parte das discussões do Conselho Gestor do Projeto de Integração do Rio São Francisco, o qual ainda não conclui qual será o preço final da água.