A violência no campo concentrada na Amazônia e outras questões da conflitualidade territorial são o foco de análise da cartografia dos conflitos agrários realizada pelo professor da Faculdade de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará, José Sobreiro Filho e pelo professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal do Maranhão, Ronaldo Barros Sodré. Em parceria, os acadêmicos realizaram um levantamento com base em dados da Comissão Pastoral da Terra entre os anos de 1985 e 2019, que culminou no estudo “A violência no campo da Amazônia: análise de dados sobre assassinatos, ameaças e perfis dos assassinados”. "De acordo com os dados levantados, os estados que formam o bioma amazônico somam 1.202 assassinatos no campo durante o período de 1985 a 2019. Isso significa que somente a Amazônia convergiu 66,22% de todas as 1.815 mortes relacionadas a luta pela e na terra no Brasil". Confira:
(Casa Ninja Amazônia)
No Brasil, quem busca acesso à terra e quem resiste na terra são vítimas em potencial da perversidade do capital. E se essas pessoas exercem posição de liderança, sabem que é uma batalha diária permanecer vivas. O medo é ainda maior pela certeza de que quando um corpo morre, um território é extinto também.
A violência no campo atinge de sobremaneira quilombolas, indígenas e sem-terra, enquanto “do outro lado”, posseiros, grileiros e garimpeiros figuram nos levantamentos sobre conflitos agrários. E, de maneira concentrada e com números desproporcionais em relação ao resto do Brasil, a Amazônia Oriental é sem dúvida, o local mais violento do país.
Essas e outras questões da conflitualidade territorial são reveladas pela cartografia dos conflitos agrários realizada pelo professor da Faculdade de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará, José Sobreiro Filho e pelo professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal do Maranhão, Ronaldo Barros Sodré.
Em parceria, realizaram um levantamento com base em dados da Comissão Pastoral da Terra entre os anos de 1985 e 2019, que culminou no estudo “A violência no campo da Amazônia: análise de dados sobre assassinatos, ameaças e perfis dos assassinados”.
De acordo com os dados levantados, os estados que formam o bioma amazônico somam 1.202 assassinatos no campo durante o período de 1985 a 2019. Isso significa que somente a Amazônia convergiu 66,22% de todas as 1.815 mortes relacionadas a luta pela e na terra no Brasil.
Contudo, há uma explícita desigualdade nesse processo. Enquanto a Amazônia Ocidental concentrou 273 assassinatos, representando pouco mais de 15,04% das mortes em âmbito nacional, a Amazônia Oriental somou 929 assassinatos no campo, ou seja, fração superior a 51% do total nacional de assassinatos nas áreas rurais. Ou seja, há significativa concentração dos assassinatos no campo amazônico.
Violência é indissociável à questão agrária
Sob a perspectiva de auxiliarem na formação de políticas públicas agrárias, de segurança pública e direitos humanos, eles revelam os locais onde a violência se manifesta de maneira aguda, bem como quais são os principais locais, meios empregados e identidades das vítimas de assassinato.
De acordo com José Sobreiro a violência atinge a todos. “Ela é indissociável à questão agrária. A violência atinge a todos: do garimpeiro ao quilombola, passando por posseiros, ribeirinhos, religiosos, sindicalistas, lideranças de movimento, ambientalistas e funcionários públicos”.
E segundo a análise geográfica, a violência no campo se manifesta com maior intensidade nas fronteiras do Pará, Maranhão e Mato Grosso. “Como características comuns, essas áreas possuem presença muito ostensiva do agronegócio. E então, detecta-se a aniquilação dos corpos, como quando sujeitos ao trabalho escravo. Essa região é um barril de pólvora”, alerta o pesquisador.
Ele ressalta ainda que o dano ambiental é sintoma do capitalismo. “Se não tem terra, não tem quilombola. Não existe ribeirinho sem o rio. Extinguindo-se os territórios, extingue-se a vida”.
Dentre os meios empregados, o pesquisador exemplifica a simbologia de execuções com tiros na cabeça. “É como se você matasse as ideias”. Serve como exemplo para quem ousar sonhar.
Segundo o professor no Pará, o presente trabalho abriu outra vertente de análise, que são os locais das mortes. “Muitas lideranças são mortas em deslocamento, em emboscadas, quando saem para o banheiro (fora de casa) pela manhã ou mesmo uma briga de trânsito é usada como pretexto. No caso das mulheres, os requintes de crueldade são imensuráveis. Elas, que conduzem processos de resistência na Amazônia costumam ser usadas como exemplo de extermínio da vida. São vítimas de estupros e depois, mortas”.
Discurso de “vazio demográfico” invisibiliza vítimas
A questão é muito séria e se faz urgente uma intervenção do Estado mediante políticas públicas, enfatiza. “Por 31 anos, a Amazônia concentrou mais de 50% dos conflitos no campo de todo o Brasil. Houve ano em que essa margem atingiu 94%”.
Para ele, para que haja uma verdadeira mudança é preciso que os inquéritos tenham resultados. “Que os responsáveis sejam apontados, que pessoas sejam punidas”.
Do inócuo discurso do “vazio demográfico” na Amazônia aos mais afeitos ao desenvolvimentismo, populismo e pós-fascismo, todos apresentaram a capacidade de invisibilizar a morte dos “humildes da fronteira”, realidade que convida a pensar quais aspectos socioespaciais e socioterritoriais que contribuem para explicar esse tema, diz trecho do estudo.
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