Acirramento de conflitos no Maranhão e ações de intimidação contra comunidades tradicionais e agentes da CPT-MA estão em curso já neste início de ano. Em decorrência do agravamento do contexto fundiário e social no Estado, sobretudo nas comunidades rurais do território Campestre, zona rural de Timbiras, e em defesa das pessoas que vivenciam e acompanham o conflito, a CPT-MA emite nota em que a cobra proteção dessas pessoas; investigação das violações de direitos; e continuidade dos processos de titulação de terras das comunidades tradicionais.
Leia nota na íntegra:
NOTA PÚBLICA - Desmatamento, invasão de terras e ameaças: fim de ano violento para trabalhadores rurais e agentes da CPT no Maranhão
A Comissão Pastoral da Terra no Maranhão (CPT-MA), logo neste início do ano, denuncia o aumento da violência no campo no Maranhão e alerta o governo e a sociedade maranhense para a necessidade de uma ação imediata e continuada a fim de evitar derramamento de sangue em 2021.
Entre outubro e dezembro de 2020, trabalhadores rurais do território Campestre, na zona rural de Timbiras, sofreram ameaças de expulsão, assédio moral, pressão para aceitarem acordos espúrios e tiveram parte de suas terras invadidas e devastadas e pelos empresários Cícero Armando Sampaio e Thales Mota Araruna (Juazeiro do Norte – CE).
Segundo relatos registrados em boletim de ocorrência, no dia 19 de outubro de 2020, sob ordens de Cícero Armando Sampaio, homens invadiram a comunidade Santa Vitória, no território Campestre e, com auxílio de maquinário pesado, destruíram diversos trechos de mata abrindo variantes e alterando os limites ocupados pela comunidade.
Nos dias 2 e 4 de dezembro do mesmo ano, diversos homens invadiram a comunidade Marmorana, também no território Campestre, onde também devastaram parte da mata para abrir variantes das estradas locais. Segundo moradores da comunidade, os invasores os ameaçaram verbalmente afirmando que todos ali seriam expulsos de suas terras.
O conflito foi acirrado após a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Timbiras (Semma) autorizar o invasor a retirar a vegetação local.
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No dia 9 de dezembro, o delegado da polícia civil e vereador de Codó reeleito pelo PDT, Rômulo de Sousa Vasconcelos, intimou 14 camponeses e camponesas da comunidade Santa Vitória, Mamorana e Alegria para uma audiência na delegacia de polícia do município de Timbiras, com o objetivo de realizar um acordo a mando de Cícero Sampaio e Thales Araruna (filiado ao PDT), os pretensos proprietários da referida área.
Com medo, os moradores convocados não foram à audiência. O delegado Rômulo Sousa Vasconcelos, então, dirigiu-se a Santa Vitoria, a 20 km da sede do município, onde intimidou e ameaçou as famílias para comparecerem no dia 10 de dezembro à delegacia de polícia para a realização da audiência. Questionado por uma senhora que se sentiu ameaçada por sua postura autoritária, o delegado se irritou e deu ordem de prisão à mulher. A ação truculenta do delegado na comunidade deixou três mulheres em estado de pânico, e uma delas precisou ser levada ao hospital para ser medicada. Esta não é a primeira vez que o delegado atua de forma autoritária. Suas práticas violentas contra camponeses e a favor de latifundiários já foram denunciadas há alguns anos à corregedoria da polícia civil.
Há 21 anos o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) instaurou procedimento administrativo com objetivo de desapropriar as terras em favor de mais de 20 comunidades do território Campestre, cerca de 400 famílias.
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O processo se arrasta até hoje, e a omissão de órgãos públicos federais, como o Incra, e a ação temerária de órgãos locais, como a Semma de Timbiras, favorecem crimes e violações de direitos de povos tradicionais e legítimos donos da terra, como os que vivem no território Campestre há mais de 120 anos.
A CPT Maranhão e a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (Fetaema), que acompanham o caso de Campestre, acionaram, no Maranhão, a Secretaria de Segurança Pública (SSP), a Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), a Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (Coecv) e o próprio governador Flávio Dino para denunciar as violências registradas.
Nos dias 10 e 11 de dezembro de 2020, uma operação conjunta entre a Polícia Civil de Timbiras, a Superintendência de Polícia Civil do Interior (SPCI) e apoio do Centro Tático Aéreo (CTA) autuou em flagrante Cícero Armando Sampaio e Thales Mota Arauna por crime ambiental. Eles estavam realizando desmatamento com maquinário pesado em área da comunidade Marmorana, no território Campestre, usando uma licença ambiental sem assinatura do secretário de Meio Ambiente (SEMA). Após pagamento de fiança, Cícero e Thales foram liberados pela polícia. O maquinário foi apreendido.
Nos primeiros dias de janeiro de 2020, moradores de Campestre notificaram a CPT de que já tiveram notícias de que os invasores estão se preparando para retornar ao território e seguir com as destruições.
Jagunços da empresa Maratá
Desde 2019, a CPT Maranhão também vem acompanhando e denunciando as violências cometidas pela empresa Maratá contra moradores da comunidade Santa Maria, na zona rural de Timbiras.
Em agosto daquele ano, jagunços ligados à empresa atacaram 200 famílias, ateando fogo em suas moradias, casa de farinha e produção estocada. Os jagunços ameaçaram de morte os agricultores, mataram um cachorro da comunidade com tiro de arma de grosso calibre e trocaram tiros com a polícia, chamada para atender a ocorrência. Um trabalhador morreu três dias depois por complicações cardíacas em decorrência do pânico causado pelos jagunços.
A Maratá alega ser dona das terras, ocupadas pelos moradores de Santa Maria e seus antepassados há pelo menos 100 anos.
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Em outubro de 2019, dois meses após o ataque, os jagunços foram presos. Com eles foram apreendidas armas e munições de uso restrito. Eles foram soltos dias depois. Moradores de Santa Maria, que estão retornando para a comunidade e reconstruindo suas moradias, informaram que funcionários da Maratá continuam passando por dentro povoado para monitorar o que estão fazendo.
Estratégias de intimidação de agentes da CPT
Com o acompanhamento da CPT Maranhão a esses dois casos em especial, os agentes pastorais passaram a receber, desde meados de 2020, diferentes “recados” que servem como estratégias de intimidação usadas por jagunços e grileiros das cidades de Timbiras e Codó.
Os recados são enviados no sentido de deixar explícito ao agente da CPT que quem enviou a mensagem sabe seus dados pessoais – incluindo endereço – e conhece suas rotinas e atuação nos conflitos.
Além disso, os recados, enviados via mensagem de celular ou expressos abertamente durante depoimentos em delegacias e em conflitos nas comunidades, também têm o objetivo de apontar para outros jagunços e grileiros quem são as pessoas que “atrapalham” ações de desmatamentos e invasões de terra, e que por isso precisam ser eliminadas.
Entre outubro e dezembro de 2020, alguns recados ficaram mais incisivos, com a presença de carro, com vidros escuros, estacionado por noites seguidas em frente à casa de agente da CPT, e um motoqueiro que fez fotos desta casa à noite e partiu em disparada.
As estratégias de intimidação estão sendo registradas e comunicadas à coordenação geral da CPT e às autoridades públicas municipais e estaduais para que sejam tomadas as providências necessárias.
A publicação Conflitos no Campo Brasil 2019, publicado em abril de 2020 pela CPT, aponta que o Brasil teve 1.254 conflitos por terra registrados, com afetação para 144.742 famílias, mais de 578 mil pessoas. O Maranhão é o estado mais conflituoso, com 174 ocorrências desse gênero, seguido por Pará, com 150, e Bahia, com 139. Desde 2009 o estado lidera o ranking de ocorrências de conflitos no campo no Brasil.
Os dados recentes não deixam dúvidas: o Maranhão é, sem dúvida, um dos lugares mais violentos e perigosos do mundo para quem defende a terra e o direito dos povos originários e tradicionais de viverem nela.
Por isso, a CPT Maranhão inicia o ano de 2021 denunciando a agudização dos conflitos no campo no estado, com o aumento da violência contra povos e comunidades tradicionais bem como contra os parceiros de luta, entre eles, agentes da CPT.
Solicitamos às autoridades estatais e federais que, para evitarem derramamento de sangue neste ano e nos próximos, que aportem, com urgência, recursos e braços em três frentes: 1) proteção efetiva de povos tradicionais e defensores de direitos humanos e da natureza; 2) investigação e punição de pessoas e empresas que violam direitos humanos e do meio ambiente; 3) início, retomada e conclusão de processos de titulação de terras de povos e comunidades tradicionais.
Quarta-feira, 13 de janeiro de 2020.
CPT Maranhão