COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

A conquista do direito à terra garante a produção de alimentos. O Assentamento Nova Conquista II é uma solução exemplar para o fim dos conflitos no campo no Mato Grosso. Assentados trabalham em mutirão para recuperar a biodiversidade e criar nova realidade em local que antes era “centro” de trabalho escravo e dominado por grileiros.

TEXTO: Caio Barbosa - Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
FOTOS: CPT-MT

Essa reportagem faz parte da série: A "velha" grilagem em Mato Grosso.
Uma produção em parceria com o site Le Monde Diplomatique Brasil.

As famílias que vivem no Acampamento Boa Esperança já relataram inúmeras vezes que não vão desistir da esperança de conquistar seu direito à terra, e seguirão buscando um novo mundo. A inspiração para esta luta, e solução para este caso, está num horizonte bem próximo ao Acampamento, na própria Gleba Nhandú.

Em situação idêntica a aqui narrada nos primeiros capítulos, aproximadamente 100 famílias que viviam no Acampamento União Recanto Cinco Estrelas reivindicaram durante anos para serem assentadas nas áreas da Fazenda Recanto e da Fazenda Cinco Estrelas, ambas na Gleba Nhandú. Por muito tempo, o Fórum de Direitos Humanos e da Terra junto com a CPT-MT acompanharam as situações de vulnerabilidade social e as inúmeras violências praticadas por parte dos grileiros.

As famílias passaram mais de 10 anos debaixo de barracos de lona; elas aguardaram e resistiram até conquistar seu direito à terra. Foram muitas as lutas, ocupações, marchas, trancamentos de rodovias. As famílias sofreram todo tipo de violência física e emocional; ataques de “jagunços”, ameaças de morte, queimas dos barracos, tiroteios e passaram por despejos. Porém, após sentença da Justiça Federal, a área da Fazenda Recanto foi reconhecida como terra pública da União.

Essa fazenda é uma área emblemática, pois era grilada por um fazendeiro conhecido como Chapéu Preto – Sebastião Neves de Almeida – notório pela forma violenta de agir contra os trabalhadores e as trabalhadoras, seus opositores e também pela prática de trabalho escravo. Ele chegou a ser notícia internacional, em 2003, após uma das operações na área em que 136 trabalhadores foram libertados do trabalho escravo. O Ministério Público Federal (MT) chegou a condenar Chapéu Preto e mais nove pessoas por invadirem e utilizarem para fins particulares terras da União destinadas à reforma agrária, na cidade de Novo Mundo (MT). Além disso, ele também praticava inúmeras ameaças aos trabalhadores rurais e a integrantes da CPT.

Plantação de mandioca no Acampamento Boa Esperança (CPT/MT)

 

Nova Conquista

Em 2018, uma decisão favorável da Justiça Federal de Sinop reconheceu que a área da Fazenda Recanto era de propriedade da União e que deveria ser destinada para a reforma agrária. Houve uma antecipação da tutela de 2 mil hectares para o Incra de um total de 9.658 hectares da Fazenda – um imenso latifúndio, com área correspondente a praticamente o tamanho do estado de Pernambuco.

Após antecipação de tutela, o Incra-MT criou o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Nova Conquista II. O projeto foi a solução para o fim dos conflitos e da violência que existiam na área, além de mudar a realidade do lugar que, por causa do agronegócio e das monoculturas de soja, milho e a pastagem do gado, se tornou um local sem biodiversidade.

Nova realidade

As 96 famílias assentadas pelo PDS Nova Conquista II começaram a mudar essa realidade e a construir um novo mundo. Hoje, no local, existe uma produção camponesa diversificada, feita por meio da agroecologia e com uso de sementes crioulas. As famílias do assentamento produzem feijão, arroz, banana, milho, batata-doce, abóbora, maxixe, quiabo, jiló, abobrinha, pimenta, melancia, abacaxi, maracujá, mamão, amendoim, mandioca, alface, rúcula, agrião, couve, cebolinha, salsa, além de criarem pequenos animais e vacas de leite. Os alimentos, além de utilizados para consumo próprio, também fomentam uma feira organizada na sede do município. Com isso, os produtos das famílias rurais são levados direto para a mesa da população da região de Novo Mundo.

A iniciativa da feira se deve ao protagonismo das mulheres e sua organização. São 21 feirantes, sendo em sua maioria mulheres que, diante do anseio por uma vida melhor para a família, se organizaram e foram à luta. Hoje a feira ocorre às quartas e domingos. Este espaço de venda do excedente da produção, segundo a feirante Regina Barros, não é somente um espaço de comercialização, mas “um lugar de distração, de conhecer pessoas, trocar experiências e receber o reconhecimento do povo da cidade. Antes éramos chamados de vagabundos, agora provamos para o povo da cidade que somos trabalhadores e que queremos a terra para trabalhar”, conta ela.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO, os agricultores familiares produzem 80% dos alimentos do mundo e são importantes impulsionadores do desenvolvimento sustentável. No Brasil, o campesinato produz mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa da sociedade, diz estudo de pesquisadores da UFPB e da USP.

Horta cultivada no Acampamento Boa Esperança (CPT/MT)

 

Mutirão recupera biodiversidade e consolida assentamento

Além da produção de alimentos, as famílias do acampamento Nova Conquista II estão trabalhando na recuperação das nascentes de água que existem na área da fazenda (são mais de 15 fontes de água). Elas foram degradadas por causa do agronegócio e desmatamento praticado pelos grileiros na Fazenda. As ações são realizadas por meio de mutirão, uma das práticas que a comunidade tem adotado desde que conseguiu o direito à terra.

Após muita luta, resistência e pressão junto aos órgãos responsáveis pela Política Pública de Reforma Agrária, a criação do PDS Nova Conquista II colocou fim aos conflitos e também mudou a vida de mais de 200 pessoas, entre crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Ao chegarem na terra, o estado de vulnerabilidade social e a situação econômica das famílias melhorou. Mesmo com todas as dificuldades ainda enfrentadas, hoje as famílias encontram liberdade, dignidade e alimento, “estamos recuperando a plantação, ainda pequena, mas conseguimos colocar comida na mesa”, comenta feliz Seu Jesus ao mostrar seus pés de bananas.

Trabalhadoras e trabalhadores rurais do PDS Nova Conquista II mostrando que é possível uma nova vida (CPT/MT)

A nova realidade das famílias assentadas no Nova Conquista II é uma prova de que existe solução viável para a trágica situação das famílias do Acampamento Boa Esperança. Um dado relevante é o baixo custo para o Estado criar o projeto de assentamento, uma vez que o local possui todos os elementos necessários para a implementação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável. Segundo informações passadas pelo Incra-MT para a CPT-MT, o custo para o assentamento das 96 famílias do PDS Nova Conquista II foi baixíssimo para a União; pouco mais de R$ 24 mil reais, valor gasto em diárias para os agentes do Incra demarcarem os lotes. Até mesmo os marcos utilizados foram feitos em mutirão pelas famílias, bem como todo o trabalho manual para a demarcação dos lotes.

Geralmente, o custo médio para assentar uma família em área desapropriada é superior a R$ 150 mil reais. Mas, com o apoio e o trabalho coletivo, realizado em mutirão pelos assentados, o custo diminui drasticamente. Isso ajuda a desmentir a posição atual do Incra-MT, ao falar que não tem dinheiro para criação de novos assentamentos.

Este exemplo concreto do PDS Nova Conquista II só comprova que existe solução para o fim dos conflitos de violência e grilagem de terra no estado. O que realmente falta é ação efetiva dos órgãos e do governo estadual para cumprir o seu papel e garantir que os direitos sociais das famílias sejam efetivados e que as decisões da Justiça Federal sejam cumpridas.

 

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