Osvalinda e Daniel Pereira são agricultores familiar e estão ameaçados há seis anos por madeireiros e latifundiários do município de Trairão, região oeste do Pará. No domingo (20), ao saírem de casa para fazer a colheita de maracujá, encontraram duas covas que trazem o prelúdio de suas mortes.
(CPT BR 163 / foto: Osvalinda)
“Eles querem nos matar, é difícil ver isso, querem acabar com nossas vidas. Não podemos mais sair de casa...parece que estou aqui enterrada ao lado de Daniel”.
Osvalinda e Daniel chegaram a Trairão (PA) em 2001 e conquistaram um lote de 100 hectares (cada hectare tem 10 mil m²) no Projeto de Assentamento Areia, comunidade São Mateus, conhecido por Areia 2, que fica a 40 km do município de Trairão. E decidiram que ali era lugar de sonhos e esperanças, vou continuar plantando, amanhã vou plantar feijão, essa é a minha maior arma contra os que querem me matar, disse Osvalinda ao sair da delegacia de polícia do município de Trairão (PA).
O projeto de assentamento de reforma agrária PA Areia que Osvalinda e Daniel escolheram para viver, localiza-se na divisa dos municípios de Trairão e Altamira, e é a base de operação para a entrada e saqueio dos recursos naturais das unidades de conservação: Floresta Nacional do Trairão, Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio e Parque Nacional do Jamanxim. O PA Areia possui um longo histórico de conflitos agrários e mortes por exploração de madeira ilegal na Amazônia, além de uso de trabalho escravo.
Há muito tempo, antes de se tornar assentamento de reforma agrária, a comunidade possuía apenas famílias que viviam da produção do látex da seringueira nativa da região. Porém, a área foi invadida por grileiros e madeireiros que para garantir melhor circulação da madeira retirada da área da comunidade, resolveram abrir uma estrada, o que gerou dependência de autorização dos madeireiros para o uso da mesma. Os madeireiros chegaram a construir uma porteira e cobravam pedágio dos agricultores para que esses pudessem ter acesso a estrada e aos seus lotes, com isso, mantiveram o controle do território, das pessoas e dos recursos naturais da comunidade e unidades de conservação.
No ano de 1998 o Incra reconheceu a área como assentamento de reforma agrária, cortou as terras tornando assim, o projeto de Assentamento Areia. Cada lote do assentamento compreende a uma área de 100 hectares em média, e o Incra ao reconhecer a área do assentamento regularizou vários madeireiros e grileiros que residiam na comunidade, incluindo-os na relação de beneficiários da reforma agrária do PA Areia.
Porém, em 2002, o projeto de assentamento foi considerado consolidado pelo Incra através da Superintendência de Belém, até então, responsável pela gestão do assentamento. No entanto, o PA Areia não possuía lotes titulados, nem havia a infraestrutura básica para que as famílias pudessem ter uma vida digna na terra, os lotes não contavam com água, energia ou estradas de acesso, ou seja, os critérios estabelecidos para a emancipação de um assentamento não haviam sido atendidos e a omissão do estado deixou o território abandonado para que houvesse a sua apropriação criminosa, formando um quadro de milícias que executa quem se opõe ao esquema e ou denuncia, como o caso da Osvalinda e Daniel, que passaram a produzir alimentos de forma agroecológica e foram jurados de morte por não colaborarem com a extração de madeira ilegal e o trabalho escravo no PA Areia.
Em 2010, Osvalinda e Daniel verificando a situação das famílias que residem no PA Areia viram uma realidade de vulnerabilidade e completa dependência dos madeireiros. as famílias residentes na vila do assentamento, não possuem terras para desenvolver atividades produtivas, uma vez que a maioria das terras está nas mãos dos grileiros, o que ocasiona que muitas dessas famílias chegam a vender sua força de trabalho se submetendo ao trabalho escravo e dependendo exclusivamente dos madeireiros para sobreviver e que estes operam através da lei do silêncio e da morte.
Olhando para essa situação, Osvalinda e Daniel organizaram as mulheres e fundaram a Associação de Mulheres do Areia II- AMA II, com objetivo principal de desenvolver atividades formativas (direitos humanos, cooperativismo, agroecologia entre outros) e produtivas (hortas, extrativismo, piscicultura, avicultura, horticultura, artesanatos, produção de óleo, farinha outros subprodutos) no PA Areia que possibilitasse que todos pudessem lutar pelos seus direitos e ter uma qualificação para não depender dos grileiros e madeireiros que residem no PA Areia.
Porém, esse trabalho de organização das mulheres no PA Areia não foi visto com bons olhos na comunidade, e em 2011 as tensões no assentamento só aumentavam, e os assentados descontentes com os madeireiros e grileiros iam sendo executados. Através de relatos de moradores que vivem com medo e não denunciam as execuções no assentamento por medo de retaliações, podemos perceber que as execuções eram medidas para frear: o descontentamento com o pagamento na hora da extração da madeira no mato; denúncias contra os madeireiros; os grupos de madeireiros que estavam disputando as áreas das unidades de conservação; e qualquer tipo de manifestação contra a atividade ilegal dentro do assentamento.
Algumas das execuções são explicitamente citadas pelos moradores, como a do senhor João Carlos Baú (o Cuca), que foi executado quando dançava em uma festa no assentamento, Edivaldo da Silva (Divaldinho), no dia da inauguração da energia elétrica no assentamento, foi esfaqueado dentro de sua casa e João Chupel Primo que foi executado com um tiro na cabeça, dentro de sua oficina mecânica, no Distrito de Miritituba, município de Itaituba (PA), à beira da Rodovia Transamazônica. Chupel como era conhecido, foi executado por denunciar o esquema da extração de madeira ilegal dentro do PA Areia ao Ministério Público Federal em Altamira um dia antes da sua morte.
Em 2012 com a repercussão do caso na imprensa, além de denúncias da Comissão Pastoral da Terra e do Ministério Público Federal, fizeram com que o Incra instaurasse várias ações no PA Areia e um processo para a chamada de revisão ocupacional das terras para averiguar quem eram de fato os clientes da reforma agrária no PA Areia. Nesse mesmo ano, Osvalinda e Daniel sofreram as primeiras ameaças e com muita luta da CPT e Terra de Direitos conseguiram entrar para o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e, desde então, estão sendo acompanhados pelo Programa, porém, as ameaças continuam e assolam a vida do casal.
Em 2015, o processo de consolidação do projeto de assentamento Areia voltou a ser submetidos à avaliação em razão de denúncias do Ministério Público Federal (MPF), da CPT, Terra de Direitos e de associações representativas do assentamento que conseguiram que o Incra retomasse a gestão do assentamento e realizasse a revisão ocupacional. No entanto, em função de falta de recursos no Incra, não tiveram sequência os trâmites para a retirada dos grileiros e madeireiros do assentamento.
Osvalinda e Daniel afirmam que não deixarão o lote 152 do PA Areia que leva o nome de sítio Nova Esperança, e dizem que “tudo que eu tenho está aqui, aqui eu vou ficar. Me sinto segura e agora que vou trabalhar. Se quiserem me matar vão me matar aqui, na minha casa, no meu lote”.
O casal de agricultores não depende dos madeireiros do assentamento, possuem uma produção agroecológica com diversos sistemas agroflorestais que são conduzidos apenas pelo casal, produzem ainda artesanatos com as madeiras deixadas na floresta pelos próprios madeireiros, “plantamos para viver e sobreviver. Produzimos artesanatos para ganhar a vida. Não dependemos deles para nada. Por isso, que eles querem nos matar”. Atualmente, o casal comercializa sua produção em feiras, mercados locais e na própria comunidade e o excedente dividem com os poucos agricultores que frequentam a sua casa, pois depois das ameaças, as pessoas afastaram-se da casa de Osvalinda e Daniel por medo de retaliações dos madeireiros.
No caso específico do casal, a CPT acionou os órgãos de proteção que o acompanham desde 2012, para romper com o ciclo de ameaças que ronda o casal. Porém, afirmamos que essa problemática se desenvolveu por falta de fiscalização e assistência do governo nas políticas públicas de serviços básicos para o desenvolvimento do assentamento e das famílias que ali escolheram viver, na qual os madeireiros ocupam o papel do Estado.
A CPT afirma seu compromisso com as famílias que estão no PA Areia, não temos apenas esse casal de agricultores ameaçados, temos várias famílias que sofrem, ameaçadas constantemente no assentamento, porém, o medo e a lei do silêncio impera no PA. A CPT ao longo dos anos acompanha diretamente o caso emblemático do PA Areia, buscando fortalecer e organizar o grupo de mulheres da AMA II, através de parcerias, projetos produtivos e formações que beneficiem a comunidade e quebre a dependência das famílias com os madeireiros, com isso, buscamos romper com o ciclo de trabalho escravo existente no assentamento.