“Aquela tarde foi mais uma tentativa de matar o nosso povo. Os corpos ficaram jogados no chão. Mataram, mataram! Por que sobreviveram? Isso não é da conta de ninguém, mas que mataram, mataram!”, diz Caw Akroá-Gamella
(Da página do Cimi
por Saulo Barros da Costa* - CPT-MA
Foto: Ana Mendes)
“Aquela tarde foi mais uma tentativa de matar o nosso povo. Os corpos ficaram jogados no chão. Mataram, mataram! Por que sobreviveram? Isso não é da conta de ninguém, mas que mataram, mataram!”, Caw Akroá-Gamella, território Akroá-Gamella, 30 de abril de 2018.
A luta dos povos indígenas no Brasil e América Latina atravessa uma encruzilhada política diante dos direitos territoriais garantidos, na virada do século XXI. A permanência e as garantias de reprodução da vida, do Bem Viver, não dialogam com o avanço do latifúndio e com a transformação da natureza e da Mãe Terra em mercadoria, em commodities. A forma de compreender a natureza como a própria sociedade, como os elementos de quem são os povos em sua essência, é a forma de lutar encontrada nas marcas dos pés dos que trilham o território e o rio Piraí, como bem disse Demetriz Akroá-Gamella.
Nos últimos 10 anos, os Akroá-Gamella decidiram avançar e não esperar mais o Estado colonial demarcar seu território por direito e, assim, vão percorrendo cada canto com os cachorros de Bilibeu, que no ritual visitam suas oferendas e rasgam as matas com as encantarias. O território se movimenta junto com os corpos e as cantorias.
A resposta imediata às cantorias e aos maracás são as formas de violência física e simbólica aos indígenas. São privações de natureza jurídica, material e corporal que este modelo de sociedade tem escrito há mais de 500 anos. Às gerações que nasceram têm sido negada a grafia na língua original e o reconhecimento do local de nascimento, a partir das aldeias do território.
O racismo continua com a negação de direitos, no intuito de subjugar os indígenas e escrever uma história de invisibilidade e desprezo. Isso se reflete na educação. A escola indígena, como uma forma de emancipar as autonomias dos saberes dos mais velhos e descolonizar a formação, nunca foi possibilitada ao povo. As prefeituras dos municípios de Matinha e Viana, no Maranhão, não compreendem o que isso significa, quando é pautada a educação como projeto de sociedade indígena.
O abril de 2017 foi marcado com diversas lutas do povo contra os genocídios, como a marcha na cidade de Viana e os inúmeros boletins de ocorrências feitos contra os agressores, denunciando ameaças e tentativas de assassinatos. E quanto mais as cantorias avançam, mais a violência se arrasta. O ataque do dia 30 de abril de 2017 foi anunciado até pelas rádios locais, quando um comício foi feito, com a presença do deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (Podemos/MA), que proclamou palavras de ordem junto aos latifundiários, espalhando ódio contra o povo Akroá-Gamella. Foram mais de 150 pessoas armadas contra um grupo pequeno de indígenas, resultando em 22 pessoas feridas, duas delas tiveram as mãos decepadas a golpes de facão.
Em abril de 2018, a cantoria continua ecoando no território com a jurema sagrada regando os corpos. E, na tarde de hoje, 30 de abril, como há 1 ano, uma chuva novamente veio e continuou anunciando que o sangue, as lágrimas e as vozes bradam que “somos sementes! Eles tentaram nos matar, mas o nosso sangue foi para o mar regar os continentes dos nossos parentes!”, conforme Kakoto Akroá-Gamella.
A tarde, então, foi para celebrar a vida, os encantados, e anunciar que continua a resistência do povo Akroá-Gamella em busca da garantia do seu território, mesmo em meio às ausências da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Governo do Estado do Maranhão, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e tantos outros. “Ainda continuamos vivos!”, diz Caw Akroá-Gamella.
*Saulo Barros da Costa - Geógrafo, agente da CPT-MA e militante da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão
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