Indígenas Apiaká, Kayabi e Munduruku denunciaram falhas no Programa Básico Ambiental Indígena (PBAI), que é uma condicionante para renovação da Licença de Operação da hidrelétrica.
(Por Caio Mota, colaboração para a Amazônia Real)
O primeiro seminário de avaliação final do Programa Básico Ambiental Indígena (PBAI) da Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires, que aconteceu na semana passada em Alta Floresta, foi classificado como inapto pelo procurador da República Malê de Aragão Frazão, do Ministério Público Federal em Sinop, no Mato Grosso. Os cerca de 200 índios das etnias Apiaká, Kayabi e Munduruku que compareceram ao encontro organizado pela empresa Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP), responsável pela construção e operação da obra, denunciaram que o programa PBAI não mitigou os impactos socioambientais da usina como previsto, pelo contrário, criou novos problemas às comunidades indígenas, que incluiu também aldeias no estado do Pará.
A realização do seminário é uma condicionante socioambiental obrigatória para que a empresa CHTP receba a renovação da Licença de Operação (LO), que foi concedida em 2014, o que permitiu o enchimento do reservatório e o início da geração de energia. O MPF abriu inquérito para investigar as irregularidades apontas pelos indígenas no PBAI.
“O seminário de encerramento acabou saindo sem nenhuma deliberação, inclusive, os próprios indígenas afirmaram no seminário, isso foi gravado, que não conseguiram entender boa parte das prestações de contas socioambientais que foram feitas pelo empreendedor. A visão do Ministério Público (Federal) é de que o seminário não possui condão jurídico de consentimento dos resultados. Então esse seminário aqui serviu de um bom espaço para conversa, mas na visão do Ministério Público (Federal) ele não é apto a suprir a condicionante, a considerar o cumprimento da condicionante”, afirmou o procurador Malê de Aragão Frazão em discurso às lideranças. Veja o vídeo abaixo.
“PBAI é pra branco entender”
Como publicou a Amazônia Real, o seminário de avaliação final do Programa Básico Ambiental Indígena (PBAI) da Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires aconteceu de 30 de maio a 02 de junho, em Alta Floresta (MT). A empresa CHTP deveria realizar uma vez ao ano um encontro para que os indígenas fossem informados acerca das ações do PBAI. No entanto, esta foi a primeira vez que a companhia realizou o seminário, no qual foram apresentados resultados de atividades dos anos de 2013 a 2017.
Durante o seminário, as lideranças indígenas das três etnias denunciaram falhas na execução do PBAI e a falta de participação dos próprios índios na construção dos programas e execução das atividades do programa ambiental. Também entregaram ao procurador da República Malê de Aragão Frazão um dossiê em que mostram fotografias de casas de farinha com rachaduras e a má execução de atividades de capacitação, como cursos de informática e GPS, previstas no programa.
“As obras construídas, realmente, no papel está bonito, mas está tudo rachado”, afirmou Josiane Kayabi, liderança da aldeia São Benedito.
A liderança Ivenaldo Paleci Apiaká, da aldeia Mayrowi, descreveu da seguinte forma a discrepância entre o que a empresa fala e o que de fato realizou: “A empresa CHTP apresenta ideias que são boas pra ela, mas a parte que é difícil, que nós estamos lá convivendo com essa situação e com a realidade, não é exatamente o que eles apresentam aí (no seminário).”
Candido Waro Munduruku, liderança da aldeia Teles Pires, diz que o Programa Básico Ambiental Indígena (PBAI) “foi criado pelo branco e para o branco entender.”
“A gente não está entendendo. Desse pessoal que criou o PBAI, ninguém foi na nossa aldeia para explicar bem pra gente entender”, afirmou Candido.
Outro ponto contestado pelos indígenas foi a apresentação feita pela empresa CHTP sobre os resultados do monitoramento da qualidade da água e dos peixes, iniciados em 2013, um ano antes da aprovação da Licença de Operação (LO), e do enchimento do reservatório, e paralisados em 2015. Segundo os resultados apresentados pelo PBAI da Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP), a construção da usina, iniciada com a aprovação da Licença de Instalação (LI) em 2011, não gerou impactos nos peixes nem na qualidade da água.
“Hoje a gente não sabe futuramente o que vai acontecer da gente usando dessa água. O peixe também é uma preocupação muito grande minha, porque como eles morrem facilmente e a gente termina comendo um peixe desse contaminado sem saber o que pode acontecer. Hoje a empresa através dos relatórios deles falam que os peixe está tudo ok, que não tem nada alterado, isso segundo os estudos deles, mas na nossa realidade lá a gente vê uma coisa bem diferente e bem complicada”, denunciou Ivenaldo Paleci Apiaká.
Todo o processo da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires foi marcado por atropelos dos procedimentos legais previstos no licenciamento ambiental e, por consequência, pelas violações aos direitos indígenas. O MPF já ajuizou sete Ações Civis Públicas sobre violações dos direitos humanos e da legislação ambiental cometidos no planejamento, licenciamento e implantação da UHE Teles Pires.
MPF abriu inquérito
Diante das denúncias dos indígenas Apiaká, Kayabi e Munduruku, o procurador da República em Sinop (MT), Malê de Aragão Frazão MPF abriu um inquérito civil para investigar as irregularidades apontadas pelas lideranças no seminário de avaliação do Programa Básico Ambiental Indígena (PBAI) da Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires. Segundo o procurador, o seminário de avaliação do PBAI tem objetivo não somente dar ciência das ações para concretização do programa, mas também obter o consentimento deles acerca do cumprimento (uma espécie de quitação do passivo socioambiental gerado pelo empreendimento e materializado no PBAI).
“Nesse sentido, diante do nítido efeito jurídico que o acatamento dos indígenas das conclusões expostas no seminário de avaliação ostenta, qual seja: o cumprimento da condicionante pela anuência com os resultados alcançados, legitimando o seminário como espaço de consenso, não há dúvidas de que tal quitação deve se submeter à regra do consentimento prévio e informado previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Nesse sentido, o de cumprimento da condicionante, entendo que o seminário não pode ser considerado válido,” afirmou.
Para o procurador Malê de Aragão Frazão ficou claro nos depoimentos dos indígenas que eles não foram adequadamente certificados das atividades do seminário de avaliação do PBAI e listou cinco questionamentos:
1 – “Não houve protocolo comunicacional prévio aos indígenas.”
2- “A metodologia do seminário não foi elaborada com a antecedência necessária (segundo a Funai, somente houve tratativas pelo telefone, e a CHTP, na comunicação enviada na noite da véspera do seminário, não acatou todas as recomendações do órgão, sendo que tal metodologia somente foi de conhecimento dos indígenas na manhã do início do evento), além de ter sido alterada no transcurso das atividades.”
3- “Não havia intérprete cultural para traduzir o biologês, economês e juridiquês falado pelos consultores durante as reuniões dos grupos de trabalho formados, de modo que os indígenas apenas entenderam que a CHTP acha que cumpriu tudo a contento, sem saber efetivamente o porquê eles acharem isso, além de discordarem de que os programas tenham sido efetivamente adimplidos.”
4- “No encerramento não foi dado espaço para encaminhamentos das comunidades, mas apenas espaços de fala, sendo que, mesmo para documentação de deliberações e assunção de compromissos, não havia prévio protocolo comunicacional ou intérprete cultural, além do Diretor de Sustentabilidade da CHTP ter se ausentado ainda na metade da plenária final, de modo que não havia representante da concessionária com poder de decisão para negociar.”
5- “Na visão do MPF, portanto, em razão do descumprimento da regra do consentimento prévio e informado, não há como reconhecer qualquer efeito jurídico a esse seminário, de sorte que a condicionante respectiva da L.O igualmente não pode ser considerada adimplida com a sua realização”.
Ibama sob pressão
Sob intensa pressão política, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a Licença Prévia para o empreendimento em dezembro de 2010, contrariando posições de sua equipe técnica, de técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai) e antropólogos envolvidos nos estudos de impacto ambiental. A licença saiu sem cumprimento de condicionantes como o Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI).
Em agosto de 2011, o Ibama concedeu a Licença de Instalação (LI) para a UHE Teles Pires, sem que as condicionantes da Licença Prévia fossem cumpridas.
Com as obras em ritmo acelerado, em contraste com as ações socioambientais atrasadas e não concluídas, o Ibama concedeu a Licença de Operação (LO) para a UHE Teles Pires no final de 2014, o que permitiu o enchimento do reservatório e o início da geração de energia.
Histórico de ações
O Ministério Público Federal já ajuizou sete Ações Civis Públicas sobre violações dos direitos humanos e da legislação ambiental no planejamento, licenciamento e implantação da UHE Teles Pires. Entre outras irregularidades, questionou-se a concessão de uma Licença Prévia para o empreendimento em dezembro de 2010 sem que houvesse o Estudo do Componente Indígena (ECI) que compõe o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) devidamente elaborado e aprovado.
Outro ponto questionado pelo MPF foi a ausência do processo de consulta livre, prévia e informada junto aos povos indígenas, apesar de graves impactos iminentes, como a destruição das corredeiras de Sete Quedas, local sagrado para os povos indígenas e de grande importância para a reprodução de peixes migratórios essenciais para a subsistência das populações locais.
Barragem de Teles Pires (Foto: Rogério Assis/Greenpeace)
O que diz a empresa CHTP?
A agência Amazônia Real procurou a Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP) para a empresa falar sobre as denúncias dos indígenas afetados pela construção da usina e das falhas apresentadas por eles no programa PBAI.
A empresa CHTP por meio de nota diz que “reza por manter permanentemente aberto o diálogo com as etnias indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká”. Segundo ela, “as manifestações feitas em reunião (o seminário) promovida pela usina refletem este diálogo.”
“Nesse sentido a Companhia Hidrelétrica Teles Pires vem executando, dentro de um cronograma dividido por etnia, todas as obras previstas no PBAI aprovadas pela Funai, com participação dos povos indígenas envolvidos no licenciamento”, disse.
Sobre as denúncias como problemas na construção de casas de farinha, a CHTP disse que “já foram finalizadas as obras aprovadas para o povo Kayabi.” “Estão em processo final as obras do povo Munduruku e iniciadas as obras do povo Apiaká.”
A empresa confirma as rachaduras nas construções. “Em algumas farinheiras, ainda não entregues definitivamente pela Companhia, foram observadas trincas nas bordas dos fornos, surgidas durante manuseio e utilização. Assim que informada a Companhia Hidrelétrica Teles Pires acionou a construtora responsável para realização dos reparos necessários”, disse.
Sobre os cursos, a empresa afirmou que “todas as capacitações previstas pelo PBAI foram realizadas visando sempre atender as demandas e anseios de cada comunidade e povo. Desde o início do processo de licenciamento da UHE Teles Pires, a Funai sempre esteve presente para indicar e orientar a construção de um PBAI que buscasse atender e mitigar os impactos socioambientais da Usina. Foram realizadas reuniões com os povos indígenas, Funai, CHTP, Ibama e Ministério Público Federal ao longo do processo de licenciamento e chegou-se no modelo que foi aprovado pelos órgãos licenciadores e que está sendo executado pela Companhia.”
A Companhia Hidrelétrica Teles Pires destacou que “tem cumprido o previsto no (PBAI), conforme cronograma aprovado e, a qualquer dificuldade de execução ou atraso registrado nas ações, o planejamento é revisto e, quando necessário, elas são readequadas pontualmente.”
A Amazônia Real procurou a Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília. A fundação disse que sua equipe está, no momento, elaborando a informação técnica que avaliará o seminário do PBAI de Teles Pires, no Mato Grosso.
O Ibama também foi procurado pela reportagem para falar sobre as denúncias dos indígenas, mas o órgão não respondeu até o momento.