COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Dezoito anos após o crime, o ruralista Marcos Menezes Prochet foi condenado a mais de 15 anos de prisão.

 

(Por Franciele Petry Schramm e Riquieli Capitani, Brasil de Fato)

Mais de dezoito anos separam a morte do trabalhador rural sem-terra Sebastião Camargo e a condenação do assassino, o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Marcos Menezes Prochet. Após quase 15 horas de júri popular, realizado nesta segunda-feira (31), em Curitiba, Prochet foi condenado a 15 anos e 9 meses de prisão. O ruralista foi levado preso, mas pode recorrer da decisão.

O reconhecimento da atuação de fazendeiros nas mortes em conflitos agrários não costuma ser algo comum no cenário nacional – segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, apenas 6% dos casos que envolvem latifundiários são investigados. Essa foi a segunda vez que o ruralista foi julgado – e condenado – pelo crime. O primeiro júri popular, realizado em 2013, foi anulado em 2014. Marcos Prochet é o quarto condenado pelo assassinato do agricultor sem-terra.

Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, durante um despejo ilegal na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, Noroeste do Paraná. Na época, a fazenda já estava em processo de desapropriação para ser destinada à reforma agrária.

Para o integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, a decisão é histórica. “É um dos poucos casos de condenação de grandes fazendeiros”, aponta. E indica que um longo caminho foi percorrido para chegar a esse resultado. “Foram vários adiamentos do júri, recomendações internacionais, acompanhamentos de instâncias como CDNH, muito trabalho de advogados popular e esperança da própria família para que houvesse justiça e não ficasse impune, como maioria dos casos no país”.

Os filhos

Dois dos três filhos de Marcos Prochet estavam na tribuna, atuando como advogados de defesa do pai. Na platéia estava um dos cinco filhos de Sebastião Camargo, Messias Ventura Camargo, - morador do assentamento Antônio Companheiro Tavares, em São Miguel do Iguaçu – que conseguiu carona para poder participar do julgamento.

Indignado com a fala da defesa do réu, Messias ficou em pé em um momento do julgamento. Ele marcou presença ao ouvir o filho de Prochet, advogado, falar que os fatos apresentados não seriam motivos suficientes para enviar o pai para a cadeia.

Questionado do porquê do ato, responde: “Ele falou que o pai dele não cometeu o crime e estava sendo julgado por nada, mas não foi assim: ele tirou uma vida”. Esposa de Messias, Maria Cristina Almeida completa: “Ele acabou com a família dos Camargo. Os filhos ficaram sem pai, sem estudar, tiveram que se virar como puderam. Os filhos dele [Prochet] estão aqui, formados, defendendo ele. E os filhos de Sebastião?”. 

Messias participou do primeiro julgamento do presidente da UDR, e diz que, apesar da sensação ser ainda diferente, se sente muito feliz. “Achei que foi justo, que a lei foi cumprida. Até que enfim justiça para Sebastião Camargo”.

Na primeira vez em que o ruralista foi a júri popular, a esposa e outro filho do trabalhador sem-terra assassinado estiveram presentes. A viúva, no entanto, não chegou a ver o fim do processo. Morreu em julho de 2014.

Ataques à reforma agrária

A defesa de Marcos Prochet sustentou a tese de que a acusação contra o ruralista era de cunho ideológico, pois o mesmo integrava a UDR e combatia as ocupações de fazendas da região. Apesar da tentativa dos advogados de difamar a imagem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ao utilizar materiais de origem duvidosa, a promotora de Justiça, Ticiane Santana Pereira, lembrou que, no júri, o réu não era o MST. “Não estaremos julgando a estrutura fundiária brasileira. Nós tivemos vítimas, e ela não é quem está sentado no banco dos réus”, aponta.

A defesa também tentou atribuir a culpa do crime a Jair Firmino Borracha, o “coxo”. Borracha já foi condenado, em 2011, pelo assassinato do sem-terra Eduardo Anghinoni, ocorrido em 1999. Prochet esteve no julgamento de Borracha e deu declarações ao jornal Folha de S. Paulo afirmando a inocência do pistoleiro.

O fazendeiro também chorou e disse que, por histórias pessoais, é contra o porte de armas e que desestimulava despejos ilegais. No entanto, declarações fornecidas a jornais da região na época mostram o contrário. Em um deles, ao comentar sobre os despejos ilegais que aconteciam nas proximidades, o ruralista declarou que “O único recurso que temos é a lei da selva, e os fazendeiros estão se armando para defenderem suas propriedades”.

A promotoria criticou a morosidade do processo, que dura quase 20 anos em razão de “manobras” que, inclusive, anulou o primeiro júri que condenou Prochet. “Vocês estão aqui porque muitas vezes quem se faz de vítima gozou de grandes privilégios, com a melhor defesa, de quem só tem dinheiro pode pagar”.

Os advogados Fernando Prioste e Claudemar Oliveira participaram como assistentes da acusação. Após exposição dos advogados da defesa, Prioste trouxe elementos que demonstraram as contradições de testemunhas do réu, que foram usadas como álibis para tentar provar que Marcos Prochet estava em diferentes compromissos no horário do crime e que não poderia ter participado do ataque. No entanto, os depoimentos apontam que o ruralista estaria em ao menos dois lugares diferentes no mesmo horário.

O julgamento foi presidido pelo juiz Thiago Flores Carvalho, da 2ª Vara do Tribunal do Júri.

Entenda o caso

Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, durante um despejo ilegal realizado por uma milícia privada ligada à UDR. Segundo as testemunhas, cerca de 30 pistoleiros encapuzados participaram da ação, ocorrida no dia 7 de fevereiro de 1998, no município de Marilena, Noroeste do estado. Além do assassinato de Camargo, 17 pessoas, inclusive crianças, ficaram feridas. A ação aconteceu em seguida de um despejo na Fazenda Santo Ângelo, próxima à região.

Local do assassinato de Sebastião Camargo, a Fazendas Boa Sorte estava em processo de desapropriação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Já havia sido vistoriada, considerada improdutiva, e estava em processo de indenização dos proprietários. Dono da Fazenda Boa Sorte, Teissin Tina recebeu, posteriormente, cerca 1 milhão e 300 mil reais pela propriedade, área onde hoje está localizado o Assentamento Sebastião Camargo.

Seis pessoas viram a participação de Marcos Prochet na desocupação – quatro delas viram o momento em que Sebastião Camargo foi morto, e reconhecem o ruralista como autor do disparo.

Outras três pessoas já foram condenadas por participação no assassinato de Sebastião Camargo. Teissin Tina recebeu condenação de seis anos de prisão por homicídio simples; Osnir Sanches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de segurança privada, utilizada para recrutar jagunços e executar despejos ilegais. Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado, mas recorreu da decisão.

Denunciado apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná – FAEP, ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também responde pelo crime. O ruralista é ex-tesoureiro da União Democrática Ruralista (UDR) e ex-vereador em Paranavaí pelo partido Democratas (DEM).

O crime compõe o cenário de grande violência no campo vivido no período do governo Jaime Lerner no Paraná. De 1995 a 2002, 16 trabalhadores sem terra foram assassinados no estado. A ação de milícias armadas – organizadas a partir de uma empresa de segurança de fachada, contratada pela UDR – aparece como uma constante nas investigações dos despejos violentos e assassinatos por conflitos de terra. A maioria dos assassinatos ocorridos neste período teve participação dos grupos ilegais, inclusive no de Sebastião Camargo.

Investigações feitas pela polícia apontam que as milícias realizavam contrabando internacional de armas, tinha ramificações na Polícia Militar e atuava de forma a impedir investigações dos crimes cometidos, pois contava com a anuência de parlamentares brasileiros. Denúncias dos trabalhadores rurais apontaram para a existência de uma “Caveirão Rural”, veículo blindado de fabricação artesanal, semelhante ao utilizado pela polícia do Rio de Janeiro, utilizado pelos pistoleiros e latifundiários para despejos ilegais.

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