No dia em que o assassinato do menino Kaingang Vítor Pinto, em Imbituba (SC), completava uma semana, outra criança indígena foi vitimada, no Mato Grosso do Sul (MS), não pela via direta da violência, mas pela via indireta da omissão. O bebê Guarani e Kaiowá Jadson Lopes, de apenas um ano e seis meses, filho de Denis Lopes e Adersiria Batista, faleceu ontem (6) pela manhã na tekohá – lugar onde se é – Kurusu Ambá.
(Fonte: Cimi)
Segundo relato dos indígenas, a criança começou a vomitar ainda na madrugada e, em seguida, os indígenas contataram a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para que fosse atendê-la urgentemente. Ainda segundo o relato, a Sesai teria dito que não tinha autorização para entrar na área e, sem atendimento, o bebê veio a falecer às 07h50.
“Tem estrada, tem como chegar, mas quando é urgente, eles falam que não tem autorização para entrar, ou que as estradas são ruins. Mas precisam autorização de quem?”, questiona Eliseu Guarani e Kaiowá, liderança da tekoha Kurusu Ambá.
Segundo Eliseu, todas as quintas-feiras, a comunidade é atendida por uma equipe da Sesai, o que não justificaria a desculpa de que as estradas estão ruins. Por situações como esta, Eliseu afirma que a comunidade vai requisitar que a Sesai disponibilize um veículo para Kurusu Ambá, para evitar que situações de urgência, como a que a matou Jadson, continuem causando mortes desnecessárias.
A situação de descaso e de violência que os indígenas acampados no interior da tekoha Kurusu Ambá enfrentam cotidianamente são extremamente cruéis e responsáveis por um amplo histórico de óbitos infantis. Segundo Eliseu, desde 2007 até hoje, dez crianças já morreram em Kurusu Ambá por falta de atendimento.
Eliseu também explica que são comuns na tekoha casos de diarreia, vômito e desnutrição, principalmente entre crianças, pois os indígenas vivem cercados por plantações de soja e o veneno utilizado pelo agronegócio provoca uma série de problemas de saúde.
“Como em nenhum dos acampamentos tem poço artesiano, nós não temos água potável. O pessoal está bebendo de uma nascente, e as plantações de soja ficam perto do rio. Então, tem muito caso de vômito, de diarreia e de intoxicação”, afirma.
Como os Guarani e Kaiowá de Kurusu Ambá vivem confinados em pequenas áreas de seu território, cercados pelo monocultivo, também não conseguem plantar para desenvolver sua autonomia alimentar e dependem de cestas básicas fornecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). As cestas chegam de 30 em 30 dias, o que, segundo Eliseu, não é suficiente para as famílias e faz com que muitas crianças acabem desnutridas.
Um histórico de descaso e violência
A violência, decorrente da ação de fazendeiros e da morosidade na demarcação do território já identificado como tradicional, tem sido uma constante em Kurusu Ambá. Em dez anos, sete lideranças foram assassinadas, entre elas a rezadora Xurite Lopes, de 70 anos, morta por pistoleiros em 2007.
Atualmente, cerca de 150 famílias vivem divididas em três acampamentos pequenos que se distribuem pelo interior da tekoha Kurusu Ambá, localizada entre os municípios de Coronel Sapucaia e Amambaí, no MS. Os Guarani e Kaiowá reivindicam a terra sagrada de Kurusu Ambá como território tradicional de ocupação imemorial de seu povo e, desde 2007, vêm realizando sucessivas retomadas de partes de seu território, sobre o qual estão sobrepostas algumas fazendas.
Após serem expulsos três vezes das áreas retomadas, sempre com muita violência e ataques de pistoleiros, e terem vivido durante anos sob lonas à beira da estrada, uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) 3 garantiu sua permanência em uma faixa de mato nos limites da reserva legal da fazenda Maria Auxiliadora, uma das que incidem sobre o território indígena.
Em 2008, um Grupo de Trabalho (GT) da Funai foi aberto com a finalidade de iniciar os estudos para identificação e demarcação do território.
Em 22 de junho de 2015, os Guarani e Kaiowá retomaram mais uma área de seu território tradicional, desta vez, na fazenda Madama, que também incide sobre a tekoha. Na ocasião, os indígenas sofreram um intenso ataque de fazendeiros e pistoleiros e duas crianças ficaram desaparecidas por mais de uma semana.
Os ataques de pistoleiros se intensificaram no final de 2015 e os jagunços têm atacado cotidianamente os acampamentos, atirando contra os indígenas e seus barracos de lona (clique aqui para saber mais). Enquanto isso, o processo de demarcação segue paralisado, aguardando a publicação do relatório – já concluído – da Funai.