COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

CPT e CIMI divulgam Nota Pública em Resposta às acusações da Federação da Agricultura e Pecuária do Para (Faepa), após reunião com o ouvidor agrário nacional, Gercino José das Silva, realizada na última semana em Anapu (PA). Veja o documento das duas organizações abaixo e consulte a Nota da Faepa aqui.

 

Anapu, município de aproximadamente 25 mil habitantes – segundo dados do IBGE – está localizado na Região Sudeste do Estado do Pará, tendo suas origens ligadas ao processo de expansão de fronteiras agrícolas e consequente colonização da Rodovia Transamazônica no trecho que interliga as cidades de Marabá a Altamira. Desde 1970, com estímulos do Plano de Integração Nacional, fazendeiros passaram a ocupar terras devolutas da União na região, alguns deles autorizados pelo Governo Federal, através de Contratos de Alienação de Terra Pública – CATP’s, com validade de 10 anos, desde que observadas as cláusulas resolutivas.

Não cumpridas as referidas cláusulas, os contratos foram cancelados. O INCRA iniciou processo de arrecadação dessas terras públicas da região, com o objetivo de destiná-las ao assentamento de trabalhadores/as rurais sem terra, seguindo o disposto na Constituição Federal. A partir das ocupações e retomadas de algumas dessas áreas indubitavelmente públicas, sobre as quais fazendeiros alegam obstinadamente serem proprietários, a violência tomou espaço, sendo utilizada como meio de defesa desse suposto direito de propriedade.

Irmã Dorothy Stang, missionária de Notre Dame, americana que atuava junto à Comissão Pastoral da Terra de Anapu, assassinada em 12 de fevereiro de 2005, foi vítima dessa violência. Curiosa e lamentavelmente, em 2015, quando se completam 10 anos desde sua morte, as terras públicas em Anapu continuam sendo manchadas de sangue. Somente entre os meses de julho a novembro deste ano, 7 pessoas – em sua maioria trabalhadores/as rurais ou apoiadores dos movimentos sociais – foram assassinadas e pelo menos outras 30 encontram-se “marcadas para morrer”. Essa realidade se combina com a truculenta repressão sofrida pelos movimentos sociais em todo o Pará, onde, somente nas regiões Sul e Sudeste, 19 trabalhadores/as rurais foram assassinados neste ano. São ameaçados e mortos pelas mãos do latifúndio!

Diante deste estado de exceção, onde trabalhadores/as rurais continuam sendo assassinados e privados de seus direitos, foram realizadas reuniões da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (CNCVC) durante os dias 01 e 02 de dezembro de 2015 em Anapu/PA, presididas pelo Ouvidor Agrário Nacional e Desembargador, Gercino José da Silva Filho. As reuniões, solicitadas pelo Ministério Público Federal e Comissão Pastoral da Terra, tiveram por escopo discutir e apresentar encaminhamentos objetivos para a resolução dos conflitos agrários na região, frente a esses recentes casos de violência.

Em decorrência do primeiro dia de reuniões, a Faepa publicou nota criticando duramente o Desembargador e Ouvidor Agrário Nacional, Dr. Gercino, mencionando fatos inverídicos. De acordo com a nota, uma representação de produtores rurais do Município, juntamente com suas procuradoras, teriam sido expulsos e achacados da sala de reuniões, inclusive com a utilização de força policial. A Faepa afirma categoricamente que a ordem de expulsão partiu de exigência realizada por Pe. Amaro, representante da CPT em Anapu, sendo prontamente atendida pelo Ouvidor Agrário Nacional.

A nota acusa ainda trabalhadores/as rurais da prática de “crimes de toda ordem”, os quais seriam ainda responsáveis pela implantação de “práticas bolivarianas”, “disfarçadas sob o rótulo de Reforma Agrária” e que “[...] índios, quilombolas e ribeirinhos, promoveram invasões [...] e total destruição das instalações e máquinas (Biopalma)”.

Sobre as acusações inscritas na nota, esclarecemos que não houve qualquer truculência nas ações do Ouvidor Agrário Nacional, tampouco de outros membros da CNCVC, ou de qualquer representante da CPT, que apenas solicitaram aos “pretensos proprietários” que se retirassem da sala, em razão da insegurança em que se encontravam os trabalhadores/as rurais e familiares das vítimas de violência. Em razão da gravidade dos conflitos agrários existentes em Anapu, as reuniões não poderiam ocorrer com a presença de trabalhadores/as rurais e fazendeiros, daí a necessidade de privacidade.

No entanto, diante do pedido, o grupo de produtores rurais reagiu enfurecidamente, alterando o tom de voz e oferecendo resistência para se retirar da sala. Após saírem, permaneceram durante horas em frente ao local em que ocorria a reunião, onde discutiam sobre o ocorrido utilizando palavras de baixo calão ao se referir ao trabalho da CNCVC e do Pe. Amaro, agente da CPT em Anapu.  

No dia seguinte (02/12) foram retomadas as reuniões, onde os produtores rurais foram ouvidos pela CNCVC. Nessa data, trabalhadores/as rurais e os representantes da CPT não se fizeram presentes.

Acerca das demais acusações proferidas pela Faepa, esclarecemos que as áreas objeto de conflitos agrários em Anapu são na verdade terras públicas da União, sobre as quais não se reconhece o direito de propriedade alegado pelo grupo de produtores rurais.

Na Fazenda Cedro, não existem comprovações de que membros do MST sejam responsáveis pela matança de gado; as negociações para aquisição da área pelo INCRA e criação de Projeto de Assentamento continuam. Em Tomé Açu, os membros da comunidade Tembé, definitivamente não invadiram e nem destruíram qualquer equipamento da empresa Biopalma. Ao contrário disso, tal empresa ao expandir seus plantios vem pressionando e impactando negativamente os territórios tradicionalmente ocupados pelo Povo Tembé, levando a comunidade indígena local a exigir na justiça o cumprimento imediato dos EIA/RIMA e a devida compensação socioambiental e cultural, pelos efeitos nocivos desse projeto.

Por fim, ressaltamos que os trabalhadores/as rurais, povos indígenas, movimentos sociais e seus representantes não se utilizam de práticas criminosas em sua atuação, mas são resistentes, lutam e continuarão lutando pela concretização de direitos legítimos e constitucionalmente garantidos, dentre eles a Reforma Agrária, a Vida, a Justiça e a Dignidade!

 

Belém – Pará, 08 de dezembro de 2015.

 

Comissão Pastoral da Terra do Pará – CPT Pará

Conselho Indigenista Missionário regional Norte II – CIMI Norte II

 

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