Situação do Rio Jequitaí, que deixou de correr pela primeira vez na história, é o ponto alto da estiagem, agravada pela superexploração, que avança sobre tributários do São Francisco.
(Por Valquiria Lopes, Estado de Minas/Imagens: José Ponciano Neto)
Como feridas abertas no mapa de Minas, a seca avança por importantes bacias hidrográficas do estado. Assolados pela estiagem, afluentes da Bacia do São Francisco, no Norte do estado, estão vendo suas águas sumirem devido a longos períodos sem chuva, mas também por intensa exploração humana, representada por captações irregulares para irrigação, perfuração descontrolada de poços artesianos, que sugam o lençol freático, e avanço do desmatamento. Em um dos mais preocupantes episódios desse quadro desolador, foi o Rio Jequitaí que se rendeu. O manancial teve o curso interrompido pela primeira vez na história, no trecho próximo ao povoado de Buriti Grande, município de Francisco Dumont. Assim como ele, muitos rios já não conseguem correr pelas terras áridas do Norte de Minas. É o caso do Pacuí, que faz parte da mesma bacia do Jequitaí e está interrompido desde a nascente até o município de Pentáurea.
Na rede de afluentes do São Francisco, também pedem socorro os rios Guavinipã, São Domingos, Juramento e o Córrego do Onça. De acordo com o técnico em Meio Ambiente e Recursos Hídricos José Ponciano Neto, do Departamento Norte da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), a situação dos mananciais já compromete o abastecimento nas cidades que dependem da captação no curso d’água, como Montes Claros, Bocaiuva, Francisco Sá e Guaraciama.
O problema histórico da falta d’água na região está ainda pior nesta temporada de estiagem, segundo Ponciano. “Apesar de ser reflexo de períodos de seca prolongada, a ação cada vez mais predatória de fazendeiros e da população em geral alterou muito a quantidade de água dos rios”, afirma, referindo-se à exploração irregular com bombas de captação direta e a perfurações sem critérios técnicos e sem licença.
A expansão do desmatamento para abertura de áreas de plantio de eucalipto, geralmente irrigadas com água retirada desses cursos d’água, também é apontada pelo técnico como fator contribuinte para o sumiço dos rios. Ele lembra ainda que o problema já chegou a veredas, consideradas intocáveis até então. As formações que funcionam como áreas de drenagem, sustentando o lençol freático que “brota” do chão, também estão secando.
Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Jequitaí e Pacuí, Robson Rafael Andrade afirma que vários órgãos ambientais já foram acionados para tomada de providências sobre a situação de exploração da vegetação e de rios, mas nenhuma medida efetiva foi adotada. Ele alerta que os impactos desse conduta predatória podem ser devastadores e que, a curto prazo, a população e a fauna já vêm sendo fortemente afetados. A Barragem do Córrego do Onça, por exemplo, está com o menor nível da história (20%).
“Se não chover uma quantidade razoável em três semanas, para chegar a pelo menos a 30%, o abastecimento será cortado em Bocaiuva e Guaraciama”, alerta Robson Andrade. Mas, segundo ele, a previsão é que comece a chover na região apenas a partir de janeiro. Tanto ele quanto técnicos da Copasa garantem que aves típicas de áreas de veredas, como periquitos, tucanos e araras, estão migrando para outros locais no Norte de Minas à procura de alimento. Robson destacou ainda os baixos níveis que vêm sendo registrados no próprio Rio São Francisco, onde bancos de areia estão expostos e a água está cada vez mais escassa, como ocorre em Pirapora.
Desastre
Integrante do movimento recém-criado SOS Serra do Cabral, no Norte de Minas, o advogado Adriano Borem alerta que o quadro de exploração pode resultar em um desastre ecológico irreparável. “Há povoados que estão sem água para consumo humano devido a esses crimes ambientais”, diz. Segundo ele, denúncia de exploração irregular da água e desmatamento já foi protocolada no Ministério Público do Estado de Minas Gerais em 2012. “Ainda assim, os crimes são permanentes”, afirma. A Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente da Bacia do São Francisco foi procurada para se posicionar sobre o assunto, mas nenhum representante foi localizado.
O governo do estado confirma que o período de estiagem tem se agravado no Norte de Minas, e que medidas vêm sendo adotadas para lidar com o problema. Segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste (Sedinor), nova etapa do programa Água para Todos teve início em setembro, em parceria com o governo federal. A ação conjunta visa a construção de 962 pequenas barragens, que vão beneficiar famílias de 151 municípios. O principal objetivo é a irrigação de pequenos cultivos e a dessedentação de animais, amenizando os efeitos da falta d’água que podem resultar na morte de rebanhos inteiros.
Outra iniciativa dentro do programa é a instalação de cisternas de placa e de polietileno, barraginhas, barreiros e sistemas coletivos de abastecimento de água, com meta de dar acesso à água para consumo humano e para a produção agrícola em áreas rurais. Água potável também está sendo distribuída em caminhões-pipa no Vale do Jequitinhonha e Norte mineiro. A expectativa é de que a operação emergencial da Defesa Civil abasteça mais de 900 localidades atingidas pela estiagem.