COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

No entardecer de ontem, 9 de novembro, outro jovem Kaiowá foi vítima de ataque direto, desta vez executado contra um grupo indígena da aldeia de Pyelito Kue, localizada na região de Iguatemi (MS). Adriano Lunes Benites, de 21 anos, foi alvejado na perna por um disparo efetuado por um “segurança particular”.

 

(CIMI)

As demarcações de terra indígenas seguem paralisadas, já para a violência, as porteiras permanecem sempre abertas no estado do Mato Grosso do Sul. Há pouco mais de uma semana, o corpo da jovem Marinalva Guarani-Kaiowá de apenas 27 anos foi encontrado às margens da BR-163, próximo ao município de Dourados. Seu corpo apresentou marcas de 35 golpes por cortes de faca. No entardecer de ontem, 9 de novembro, outro jovem Kaiowá foi vítima de ataque direto, desta vez executado contra um grupo indígena da aldeia de Pyelito Kue, localizada na região de Iguatemi.


Por sorte, o destino de Adriano Lunes Benites, de 21 anos, foi diferente do de Marinalva. O jovem foi alvejado na perna por um disparo efetuado por um “segurança particular”, mas acabou saindo com vida do episódio. Segundo a comunidade de Pyelito, Adriano estava na companhia de outros três jovens, dentre eles, duas mulheres que carregavam crianças de colo e que deixaram a aldeia para buscar Guaviras-  espécie de fruto típico do cerrado- para comer.


Tendo conseguido as frutas, os indígenas retornavam para casa na estrada pública, divisa entre o Tekoha (Aldeialugar onde se é) e os limites da fazenda Cachoeira, quando o grupo ouviu primeiro o barulho de motocicletas se aproximando e logo depois gritos hostis proferidos contra os indígenas. Já era tarde para recuar. Os Kaiowá foram alcançados por dois homens que portavam uniforme de segurança privado e foram reconhecidos pelos indígenas como “contratados” dos fazendeiros da região.


Os homens chegaram disparando para cima e tão logo alcançaram o grupo indígena, os ameaçaram.  Os seguranças atribuíram ironicamente aos jovens Kaiowá a alcunha de “teimosos” por terem saído do que eles definiram como “o cercado dos índios”. No caso, o cercado referia-se aos limites da área ocupada hoje pelos indígenas.


Agressivamente disseram que o lugar dos índios ficaria “da cerca para dentro” e que não seria permitido o trânsito de nenhum deles por aquela estrada. Aos gritos anunciaram que os indígenas aprenderiam ainda aquela tarde uma lição. Neste momento quando os indígenas tentaram fugir, os seguranças utilizaram de bombas de gás lacrimogêneo e de spray de pimenta contra o grupo. Os jovens em pânico e completamente atordoados procuraram proteger as crianças que choravam muito. Enquanto isso, os seguranças começavam nova sequência de disparos, desta vez diretamente contra os indígenas.


Segundo os relatos, as balas rasparam a cabeça das mães ao mesmo tempo em que um projétil atingiu a perna de Adriano, o jovem caiu no chão e lá permaneceu deitado, sem que nenhum dos indígenas esboçasse qualquer forma de reação. Na sequência, um dos seguranças guardando sua arma passou a andar em círculos em torno de Adriano incitando o indígena a levantar e brigar com ele “de mãos limpas”. Ao ver que Adriano não revidaria os seguranças partiram para insultos verbais, provocando o tempo inteiro os indígenas com frases como: “Queremos ver se vocês são tão valentes agora” e “onde esta o povo indígena”.


Depois disso, os seguranças se afastaram e subiram novamente em suas motocicletas. Os demais jovens ajudaram Adriano a levantar e começaram arrastá-lo com a maior velocidade que conseguiam pela estrada. Os motoqueiros ao baterem em retirada efetuando os últimos disparados que passaram zunindo sobre a cabeça do grupo Kaiowá.


Com o barulho, alguns indígenas tomaram o rumo da estrada apela qual Adriano era carregado encontrando em seguida o grupo que ainda se encontrava atordoado pelo efeito do gás lacrimogêneo.


Por telefone, um dos filhos da Cacique, que por motivos de segurança não será identificado, disse que “a comunidade não vai aceitar nem mais um dia ser tratada desta maneira. Estamos vivendo feito bicho, pior que gado, querem nos cercar, nos manter em cativeiro, com fome, sem saúde, se for assim partiremos para nosso direito e para nosso território”.


Os indígenas, revoltados, exigem o imediato comparecimento da Funai e da Polícia Federal, em Pyelito Kue, como há muito tem pedido.  Anunciam que não irão ficar calados frente a todo este quadro de violência. Que se acaso não houver o comparecimento dos órgãos, a comunidade de Pyelito entenderá que a única solução possível para seu povo é a retomada imediata de todo o seu território e a expulsão dos fazendeiros das terras indígenas, uma vez que estando por conta e risco, a presença dos fazendeiros continuará significando perigo constante e diário para a comunidade indígena.


O povo Guarani-Kaiowá de Pyelito vem a tempo denunciando os cercos e ataques realizados por pistoleiros contra sua comunidade. Em fevereiro deste ano, fazendeiros da região de Iguatemi bloquearam as estradas de acesso ao território indígena impedindo o deslocamento dos Kaiowá para fora da aldeia. Até mesmo a Funai foi impedida de prestar atendimento ou socorro aos indígenas. Armados, os fazendeiros falavam abertamente em atacar os Kaiowá no momento em que julgassem oportuno.


Em março, disparos foram efetuados por motoqueiros do portão que oferece acesso à aldeia. Esta se tornou uma prática recorrente nos meses sequentes. Já no dia 7 de outubro, ameaças endereçadas às lideranças foram feitas por parte dos fazendeiros e um dos barracos ocupados pelos indígenas chegou a ser incendiado. As ameaças se tornaram atentados concretos. Apenas três noites depois, no dia 10 de outubro, motoqueiros voltaram a disparar contra a comunidade, refugiando-se após os disparos no interior da fazenda Cachoeira. Não bastasse, os fazendeiros voltaram a impedir os indígenas de sair, aterrorizando todas as noites a vida dos Kaiowá.


Enquanto do lado de fora os pistoleiros rondam, do lado de dentro da aldeia a fome castiga. A situação de extrema miséria dos Kaiowá de Pyelito Kue vem sendo denunciada pelo Cimi há mais de vinte dias.


Em meio ao cárcere, no dia 12 de outubro uma criança de menos de dois anos de idade, Mikaeli Flores, morreu por desnutrição e ingestão de água imprópria para o consumo.


No dia 15 de outubro, recém tendo tomado consciência da morte de Mikaeli, em reunião com representantes nacionais da Funai e do Ministério da Justiça (MJ), realizada em Brasília, uma comitiva formada por mais de 40 lideranças Guarani e Kaiowá protocolaram documento pedindo atuação policial e proteção da parte dos órgãos responsáveis aos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. Pyelito Kue foi destacada na ocasião como uma das situações mais drásticas enfrentadas pelos Guarani e Kaiowá.


Enquanto indígenas são mortos a céu aberto, tendo rodovias como cemitérios ou são cercados tendo seu direito de ir e vir tolido pela brutalidade de pistoleiros, o silêncio é a única resposta advinda do Ministério da Justiça e demais órgãos. A morte de Marinalva e os disparos contra Adriano se somam as inúmeras denúncias diárias realizadas por membros de comunidades indígenas espalhadas por todo território brasileiro. Denuncias de violência aberta que no Mato Grosso do Sul manifestasse de maneira ainda mais contundente.


Enquanto isso, em Brasília os direitos indígenas seguem a perigo dentro da esfera institucional. Açoites aos direitos constitucionalmente conquistados são desferidos por representantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Em efeito dominó viram jurisprudência e/ou práticas políticas executadas ao nível das comarcas locais. Com isso pistoleiros a serviço dos ruralistas ficam à vontade para realizar contra os povos originários as mais desumanas atrocidades. O fechar das portas para a demarcação das terras indígenas e a abertura das porteiras para a violência são medidas intimamente ligadas, que produzem no final das contas um único resultado, o extermínio progressivo e anunciado dos povos indígenas.

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