COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Irrigação de lavouras é a vilã; no Brasil, consumo humano responde por 10% da água e agricultura e pecuária, por 83%.

(POR CLEIDE CARVALHO - Matéria publicada no jornal O Globo, no dia 24 de agosto de 2014)

A seca que ameaça 1.369 municípios brasileiros e a Região Metropolitana de São Paulo, onde a maior preocupação sempre foi com enchentes, coloca em xeque o modelo de gerenciamento dos recursos hídricos no país.

Para Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, apesar de a legislação brasileira ser inovadora ao estabelecer a gestão por bacia hidrográfica, não por limite geográfico, na prática a atuação dos órgãos reguladores foi enfraquecida. Segundo ela, a água não é tratada como questão estratégica e a sociedade, que tem uma falsa cultura de abundância, não atua para reverter o quadro.

— A imagem de desperdício de água no Brasil ainda é a de uma dona de casa lavando a calçada, mas o maior desperdício ocorre na irrigação da agricultura. Não podemos mais ser simplistas em relação aos temas da natureza. É preciso que a crise atual seja usada para mudar essa realidade, até porque ela está só no começo — diz Malu.

O Brasil consome 83% de sua água na produção agrícola e pecuária. Entre 2006 e 2010, houve um incremento de 29% na retirada de água dos mananciais e este aumento ocorreu principalmente para irrigação, que passou de 47% para 54% do total. O consumo de uso humano, urbano e rural, não passa de 10% do total. O Atlas do Saneamento 2011, do IBGE, mostra que as empresas de saneamento perdem entre 37% e 42% da água no caminho entre os reservatórios e o consumidor. Para piorar, a distribuição é desigual: um quarto dos municípios brasileiros sofre com racionamento de água.

O município de Jaíba, no Norte de Minas Gerais, que abriga o projeto de irrigação Jaíba, é um exemplo de desigualdade. Segundo o prefeito Enoch Pacífico, poços artesianos que atendiam cerca de 5 mil moradores da área rural secaram e a água tem de ser levada em carros pipas, como no semiárido.

— Mais de 10 mil pessoas que vivem no distrito de irrigação não recebem água tratada. Usam a mesma água do canal que vai para a agricultura — diz o prefeito.

No Brasil, 56,7% dos municípios são abastecidos por águas superficiais, de rios e córregos, que têm sido poluídos por esgoto e agrotóxicos. Sem proteção de mata nas margens, são também assoreados.

Os sucessivos alertas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a possibilidade de secas prolongadas parecem não ecoar. Segundo Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do capítulo 27 do IPCC, que trata dos impactos na América do Sul, as mudanças no clima afetam principalmente a disponibilidade de água na região.

— Tudo isso já vem sendo previsto com base nos dados de clima, que mostraram que eventos extremos iriam acontecer. A previsão é que o Sudeste tenha extremos de muita chuva e seca e que ocorra aumento da seca no Nordeste. As maiores chuvas devem se concentrar no Rio Grande do Sul e Santa Catarina — diz Buckeridge.

A despeito das previsões científicas, o Congresso Nacional aprovou um Código Florestal que flexibilizou a preservação de matas no curso dos rios e entorno de nascentes. A recuperação das bacias degradadas não passa de futuro incerto e projetos de desassoreamento parecem surtir mais efeito na contratação de dragas do que no leito dos rios. Considerado berço das águas, Minas Gerais tem nascentes que formam os principais rios de Sudeste e Nordeste. Nos últimos cinco anos, Minas liderou a derrubada de mata nativa para abastecer fornos de siderúrgicas.

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline