Orçamento chegou a R$ 8,7 bilhões, mas apenas R$ 199 milhões foram destinados a projetos.
(POR CLEIDE CARVALHO - Matéria publicada no jornal O Globo, no dia 24 de agosto de 2014)
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), publicado em 2012, sobre ações destinadas a recuperação e controle de erosão na Bacia Hidrográfica do São Francisco, mostra que muitos dos investimentos anunciados para garantir as águas do Rio São Francisco sequer saem do papel. De acordo com o relatório, as iniciativas de recuperação ambiental — essenciais para garantir a oferta e a qualidade da água do Velho Chico — são dispersas, e os recursos empregados até então foram modestos e insuficientes para reverter a degradação da bacia.
O TCU listou 41 ações de recuperação e controle de erosão incluídas em 13 projetos diferentes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007. Além de fazerem parte de diversos programas, as ações estão distribuídas por 12 órgãos federais envolvidos na execução. O orçamento chegou a R$ 8,7 bilhões, mas, de acordo com a auditoria, apenas R$ 199 milhões foram designados a nove projetos destinados, de fato, a controlar processos erosivos — pouco mais que 2% do total — nos primeiros cinco anos.
De acordo com o TCU, a articulação entre as instituições e dentro do próprio governo é inadequada. Há ainda carências de ordem prática, como número reduzido de estudos sobre técnicas de manejo adequadas, principalmente na região do semiárido. A falta de planejamento faz ainda com que os projetos acabem perdidos, o que provoca desperdício de recursos públicos.
O assoreamento do São Francisco, aliado à seca na cabeceira, em Minas Gerais, pode dificultar ainda mais a situação de quem vive no semiárido brasileiro e expandir o processo de desertificação. Os técnicos do TCU alertam que, caso a degradação continue, há risco de aumentar a desertificação na Bacia do São Francisco, que já alcança 850 mil hectares apenas no núcleo de Cabrobó, onde começam as obras de transposição das águas para o eixo norte. Um mapeamento feito em 2013 pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas (Lapis) mostrou que o Nordeste tem 230 mil km² de terras atingidas de forma grave ou muito grave pelo fenômeno.
Anivaldo de Miranda Pinto, presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, afirma que, sem investimento efetivo na recuperação do rio, a situação beira o conflito em torno do uso das águas do Velho Chico. Segundo ele, usuários já pensam em cobrar compensação do Ministério das Minas e Energia, uma vez que o controle dos reservatórios é feito com base na necessidade de geração de energia.
PESCADOR SE PREOCUPA COM FUTURO DAS LAGOAS
Norberto Antonio dos Santos, de 66 anos, 55 deles pescando a jusante da represa de Três Marias, diz que as autoridades reuniram a comunidade no início do mês para explicar a crise gerada pela redução da água no leito do rio:
— Explicaram tudo para a gente: a seca é da natureza. O nível da represa está em 9% e, quando chegar a 4%, para de gerar energia. Se chover em 2015, vão ter de segurar a água para recuperar o lago. Vamos ter bastante problema em 2016 também, pois o rio tem que transbordar para encher as lagoas marginais. Muitas delas estão secando e vão continuar assim.
Norberto se preocupa com o futuro das lagoas, que funcionam como berçário de peixes e garantem a vida dentro do rio:
— É um problema danado. O Instituto de Florestas (estadual) quer que se tire os peixes e jogue na lagoa da represa. O Ibama diz que não, que tem é que tirar o peixe da lagoa.
E o que o senhor acha que deve ser feito?, perguntou O GLOBO.
— Eu sei lá. A gente vive de política. Só sei que, no ano que vem, fica feio, vão segurar a água — comentou.
Márcio de Oliveira Cândido, gerente de Hidrologia e Gestão Territorial da CPRM/Serviço Geológico do Brasil em Minas Gerais, diz que o Brasil precisa aprender a trabalhar com gestão para períodos de escassez:
— É preciso integrar planejamento de outorga e manejo dos rios.