COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Equipes da CPT Bahia acompanharam por cerca de nove meses 16 comunidades, com 230 famílias e mais de três mil famílias de Pindaí (BA), atingidas pelo projeto de mineração da empresa Bahia Mineração (Bamin). Foram produzidos vídeos, artigos e mapas georreferenciadas, feitos com a ajuda das comunidades, para delimitar as áreas de uso comum historicamente ocupadas por elas, e desmentir a empresa que insiste em afirmar que seu projeto atinge apenas três famílias da região. Confira relato de Thomas Bauer e artigo de Gilmar Ferreira, ambos agentes da CPT, e os mapas elaborados pela equipe:

 

Por Thomas Bauer, da CPT Bahia

Na segunda semana de abril desse ano de 2014 visitamos novamente as comunidades no entorno da Bahia Mineração (Bamin), no município de Caetité (BA). Esse processo de acompanhamento das comunidades teve início entre setembro e outubro do ano passado. A principal riqueza das localidades, a fonte de água que brota de dentro do Vale do Capão, está ameaçada por uma insana proposta da empresa que pretende construir a barragem de rejeito por cima das nascentes.

Numa das audiências públicas que aconteceu na região, os responsáveis pela Bamin, quando apresentaram o EIA RIMA, alegaram que apenas três famílias dependiam daquela água e que o custo benefício da empresa será melhor neste local.

Hoje sabemos que isso é uma grande mentira!!! Visitamos muitas famílias, colhemos inúmeros depoimentos, georreferenciamos 16 localidades no entorno da Bamin, com mais de 230 famílias que recebem e dependem diretamente desta água nas suas casas. Além disso, aproximadamente três mil famílias do município de Pindaí recebem a mesma água na época da estiagem através dos carros pipas.

Finalmente foi possível concluir os mapas com os dados levantados a partir das visitas e do georreferenciamento junto aos membros das comunidades ameaçadas do entorno da Bamin, de forma a re-delimitar as áreas de uso coletivo dessas comunidades, conhecidas como área de solta, historicamente utilizadas para coleta de frutos e ervas. Em outras regiões essa área pode ser conhecida como área de fundo de pasto. Como vocês podem ver, a Bamin já levantou várias cercas e, com isso, as famílias estão impossibilitadas de acessar a área para criar seus animais, coletar plantas medicinais, entre outras coisas.

Além disso, vocês podem conferir o vale com as nascentes de água (em roxo), dos quais 230 famílias de 16 comunidades da região e aproximadamente três mil famílias do município de Pindaí dependem. E é justamente neste local que a empresa pretende construir a barragem de rejeito. No inicio do mês de junho, durante uma reunião com participação de representantes das comunidades ameaçadas, dos senhores Estácio e Braulio da Coordenação do Desenvolvimento Agrário (CDA) e membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram entregues esses mapas para os responsáveis para mostrar e delimitar a área que é de uso centenário das comunidades. O material foi entregue para ser anexado às denúncias já feitas em várias ocasiões.

 

Segue o artigo de Gilmar Ferreira dos Santos, da CPT Bahia, feito na época do início das visitas às comunidades, em outubro do ano passado:

 

Bamin quer transformar rio vivo em barragem de rejeito

Localizada na região Sul do município de Caetité, na Bahia, próximo ao distrito de Brejinho das Ametistas, divisa com Pindaí, a área conhecida como Gerais, com grande riqueza hídrica, está ameaçada pelo Projeto Pedra de Ferro da empresa Bahia Mineração (Bamin), que inicia sua fase experimental de operação na exploração de minério de ferro. As comunidades que vivem no entorno do empreendimento temem perder os rios, riachos, poços e barragens que abastecem as famílias da região.

Durante as audiências públicas realizadas em 2009 para apresentação do Relatório de Impactos Ambientais, a população disse não ao empreendimento por já conhecerem as ameaças à preservação dos recursos naturais, principalmente às nascentes dos rios que abastecem as comunidades, e ao livre acesso às áreas dos Gerais, historicamente usadas para solta do gado, coleta de frutos, sementes e ervas medicinais.

Passados quatro anos, as previsões se confirmaram e os conflitos intensificaram. A empresa se apropriou dos Gerais, desde Caetité, avançando para os municípios vizinhos de Pindaí e Licinio de Almeida, encurralando várias comunidades que até hoje não compreendem como a Bamin conseguiu se apropriar das terras antes usadas coletivamente. Dentro dessas áreas, que estão cercadas pela empresa com placas de propriedade privada, estão localizados os rios, riachos, poços, barragens que sempre abasteceram as famílias da região.

O riacho Pedra de Ferro, um dos afluentes mais importantes da região, verdadeiro oásis, repleto de espécies raras e árvores centenárias, que mesmo com o intenso período de estiagem insiste em se manter vivo com suas águas correndo livremente pelo seu leito e em vários locais formando lagos e grandes pontos alagados, está ameaçado. “Toda água que consumimos vem desse local, essas nascentes só existem por que as árvores estão preservadas”, avalia Edson, morador da comunidade de João Barroca. “Água é vida, se destruir aquela mata, destroi nossa maior riqueza, que é a água, e compromete nossa sobrevivência”, completa Jânio, da comunidade de Baixa Preta.

Funcionários da Bamin prontos para realizar o desmatamento

A necessidade de preservação apontada pelos moradores da área contrasta com o projeto da Bahia Mineração, que no imenso vale onde está o leito do riacho Pedra de Ferro pretende implantar a sua barragem de rejeito, transformando o rico manancial num imenso mar de lama. Numa região que ao longo do tempo vem sofrendo com a escassez de água, destruir um rio não cabe no imaginário da população local. Não é legal, ético, moral.

A ação irresponsável da empresa chegou ao extremo. No dia 17 de setembro do ano passado tentou-se entrar na área com cerca de 30 funcionários equipados com motosserras para derrubar toda a vegetação. O crime só não foi consolidado porque os moradores das comunidades impediram e informaram ao Ministério Público em Caetité, que encaminhou a denúncia para o Núcleo de Defesa do São Francisco (NUSF), em Guanambi.

No Relatório de Impactos Ambientais a empresa conta que apenas três famílias são abastecidas com água daquele local, numa clara tentativa de enganar a população e tirar a relevância da área. No entanto, levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelas associações de João Barroca e Baixa Preta, mostra que mais de 16 localidades reunindo mais de 230 famílias são abastecidas diariamente, durante todo ano, pelas águas que ali nascem. Além delas, aproximadamente três mil famílias do município de Pindaí recebem água do mesmo local na época da estiagem através dos carros pipa. A empresa diz que possui todas as licenças para realizar a supressão da vegetação, mas não as apresentam à população e ao Ministério Público.

Comunidade impede a derrubada da mata

A população exige uma intervenção dos poderes públicos que assegurem a preservação da área. Assim como não tem uma alternativa de local para a mina, as nascentes de água que abastecem as comunidades também não possuem.

A Bahia Mineração é uma empresa pertencente ao grupo Eurasian Natural Resources Corporation – ENRC, sediada no Cazaquistão, grupo esse que foi recentemente expulso da bolsa de valores de Londres por ter se envolvido em escândalos de corrupção e questões trabalhistas numa das suas minas na África.

 

 

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