"O governo federal dá sinais cada vez mais evidentes de que comanda as fileiras anti-indígenas na direção de dificultar e inviabilizar o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas e de abrir caminho para acelerar a exploração das terras demarcadas... ". O comentário é de Cleber César Buzatto, secretário executivo do Cimi. Confira o artigo.
Representantes de setores do governo vem cumprindo tarefas de forma coordenada na perspectiva de executar a estratégia definida no núcleo político instalado no Palácio do Planalto, que envolve, além da presidenta da República, os ministérios da Casa Civil, da Energia, da Agricultura e do Planejamento.
Em relação à questão fundiária, a tarefa vem sendo cumprida primordialmente pelo Ministério da Justiça, na pessoa do ministro José Eduardo Cardoso. São dois os instrumentos principais usados neste sentido, a saber, a moratória nas demarcações, com flagrante desrespeito às normas legais vigentes, e a tentativa de alterar o procedimento de demarcação de terras indígenas.
Mais de 20 processos de demarcação estão parados sobre a mesa do ministro a espera de sua decisão acerca da assinatura de portarias declaratórias da tradicionalidade indígena das respectivas terras. O decreto 1775/96 estabelece prazo de trinta dias para a tomada de decisão pelo ministro. Há casos que aguardam essa decisão há anos. Da mesma forma, diversos processos aguardam decretos de homologação por parte da PresidentaDilma. Sem interesse de resolver de fato a questão, o governo tem apostado na instalação das chamadas “mesas de negociação” como forma de atenuar as cobranças por parte dos povos.
Concomitantemente, em audiência na Comissão de Agricultura do Senado, no dia 21 de novembro, Cardoso prometeu à bancada ruralista daquela Casa que editará uma portaria com as novas regras de demarcação de terras indígenas no país “com acordo ou sem acordo”. A intenção é a de atender demanda dos ruralistas que cobram participação de órgãos públicos alinhados no procedimento de demarcação, a exemplo da Embrapa e do Ministério da Agricultura. Nesse momento, o governo busca, desesperadamente, legitimar essa iniciativa. Lideranças e organizações indígenas devem ficar atentas para não caírem em armações neste sentido.
Quanto aos empreendimentos, a tarefa está sendo cumprida fundamentalmente pela Advocacia Geral da União, na pessoa do Ministro Luis Inácio Adams, e pela Secretaria Geral da Presidência da República, nas pessoas do Ministro Gilberto Carvalho e do Secretário Nacional de Articulação Social, Paulo Maldos. Os instrumentos que estão sendo usados, no caso, são a Portaria 303/12 e a “regulamentação” da Convenção 169 da OIT.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido que as “Condicionantes” estabelecidas no julgamento da Petição 3388 não se aplicam às demais terras indígenas do Brasil, Adams tem declarado publicamente que a Portaria 303/12 entrará em vigor, de direito, no dia seguinte à publicação de acórdão do STF, segundo com o que estabelece a Portaria 415/12 da própria AGU. Informações obtidas junto a integrante do próprio governo dão conta de que procuradores federais estão sendo “orientados” pela AGU a cumprirem, de fato, a Portaria 303/12.
Ao mesmo tempo, a convite da Secretaria Geral da Presidência, membros da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) estiveram reunidos com Carvalhoe Maldos, também no dia 21 de novembro. Na pauta, um dos temas mais sensíveis para o governo atualmente, a “regulamentação” da Convenção 169 da OIT. De acordo com um dos membros da coordenação da APIB, na ocasião, os citados representantes do governo teriam oferecido a criação de um “fundo” de apoio às organizações indígenas. Em contrapartida, no entanto, a organização deveria concordar com a retomada do processo de regulamentação da Convenção 169.
Como é sabido, os povos indígenas se afastaram do referido processo de regulamentação, em 2012, devido justamente à edição da Portaria 303 por parte do Executivo federal. Como fica evidente, essa movimentação do governo junto à APIB visa substituir a condição política estabelecida pelos povos indígenas para retomar as discussões sobre a Convenção 169, a saber, a revogação da Portaria 303/12, por uma “oferta” financeira às organizações indígenas.
Embora tentadora num primeiro momento, a resposta da APIB a esta proposta governamental deve considerar, entre outros aspectos, o fato de que o governo busca a construção de um cenário ideal, num futuro próximo, para acelerar os empreendimentos e outras formas de exploração sobre as terras indígenas, a saber, a Portaria 303/12 em vigor de fato e de direito, a Convenção 169 da OIT regulamentada sem direito de veto e as organizações indígenas dependentes financeiramente do governo, o que poderia inviabilizar a resistência e a mobilização política que os povos vem demonstrando contra o ataque aos seus direitos.
Essa estratégia de “desmobilização” social aplicada aos povos indígenas, nesse momento de risco iminente de retrocessos em relação aos seus direitos, é uma ação política traiçoeira e moralmente vergonhosa por parte do poder Executivo federal. Isso porque são exatamente as mobilizações dos povos que vem empoderando o movimento indígena na defesa e pela implementação de seus direitos, enfrentando as violentas investidas dos ruralistas, das empreiteiras, das mineradoras e de outros grupos econômicos interessados em continuar explorando e ou iniciar a exploração de suas terras.
O que se espera do governo brasileiro é que cumpra os ditames constitucionais, reconheça e respeite a organização social, os costumes, crenças e tradições dos povos indígenas, bem como, retome a demarcação de suas terras. É inaceitável que continue atentando contra seus direitos e tentando desmobilizar os povos na defesa dos mesmos.