COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

O conflito aconteceu no último sábado (10/8), quando quilombolas reunidos em mutirão iam iniciar a alteração do traçado da trilha, motivo de desavença entre fazendeiros e a comunidade.

 

(ISA)

O quilombo de Bombas, no município de Iporanga, no Vale do Ribeira, em São Paulo, vive dias difíceis. Não bastasse o isolamento a que está condenado por conta da sobreposição existente com o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar) porque o processo de reconhecimento e delimitação do território não avança, ainda enfrentam ameaças para acessar a comunidade. São quase seis quilômetros de caminhada a pé por uma trilha.

 

No percurso, os moradores passam em frente à casa da família do sr. Catarino, no entorno da comunidade. Ocorre que depois que o proprietário morreu, seus três filhos (dois homens e uma mulher) ameaçam os que por ali caminham para chegar à comunidade. Com tiros, inclusive. (veja no final do texto a cronologia do processo de reconhecimento do quilombo de Bombas). Esta família, em comum acordo com outras famílias, optou por ficar fora do território quilombola quando a comunidade enviou ao Itesp o pedido de reconhecimento oficial.

 

A Fundação Florestal (FF) e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) ainda não delimitaram o território do quilombo de Bombas, conforme proposta aceita pela comunidade em junho deste ano, e para evitar os conflitos constantes, os quilombolas decidiram mudar o traçado da trilha.

 

Neste sábado, 10 de agosto, quando os quilombolas de Bombas estavam reunidos em mutirão com companheiros do quilombo de Porto Velho para iniciar a alteração, com autorização da gestora do Petar, foram atacados a tiros.

 

Um dos agressores apontou uma espingarda para o peito de Antoninho, que tentou desarmá-lo, entrando em luta corporal, agarrado à espingarda. Nesse ínterim, outro agressor o atacou com golpes de foice, atingindo sua cabeça e rosto – ele levou 11 pontos na face. Os ferimentos nos braços (com fratura, inclusive) indicam que a intenção do segundo agressor era decepar as duas mãos do sr. Antoninho para recuperar a espingarda.

 

Antoninho denunciou o ataque à delegacia de Iporanga, onde já havia relatado anteriormente as ameaças sofridas para acessar a comunidade.

 

Como não há estrada, ele foi socorrido e levado pela trilha por seus colegas no lombo de uma mula até alcançarem a estrada Iporanga-Apiaí. Dali foi levado à Iporanga e encaminhado ao Hospital Regional de Pariquera Açu. O presidente da Associação de Bombas, Edmilson Furquim, acionou a polícia de Iporanga, que prendeu os três irmãos.

 

A demora e a incerteza no reconhecimento do território do quilombo de Bombas, por parte dos órgãos públicos, motiva todo tipo de especulação na região e aumenta a insegurança no território e entorno. O tiroteio de sábado exemplifica bem essa grave situação.

 

Em Bombas, quase tudo é proibido

O quilombo de Bombas se localiza no município de Iporanga (SP), e o acesso se dá por uma trilha sinuosa, caminhando a pé ou no lombo de animais por seis quilômetros aproximadamente até o primeiro agrupamento de casas – Bombas de Baixo. Está situado sobre uma formação geológica peculiar, caracterizada por uma das regiões mais ricas em cavernas do país.

 

A área do quilombo começou a ser ocupada no século XIX, devido à fixação de escravos fugidos. Em 1958, foi criado o Parque Estadual Turístico Alto Ribeira (Petar), sobrepondo-se em parte à área do quilombo por ser também conservada em função da forma que manejam o solo e a floresta. Em 1983, o governo delimitou o Petar com picadas, estabelecendo as normas legais de ocupação próprias de uma unidade de conservação. Os limites do parque se sobrepuseram às áreas utilizadas pela comunidade que a partir daí começou a ter dificuldade para realizar suas atividades agrícolas tradicionais conhecidas como roça de coivara. Também tiveram suas áreas de criação de animais restringidas e foram proibidas de realizar qualquer atividade extrativista.

 

Quando da publicação da agenda socioambiental quilombola, em 2008 o quilombo tinha 18 famílias e 68 pessoas vivendo de agricultura de subsistência e tendo nos benefícios e auxílios do governo sua principal fonte de renda.

 

Cronologia do processo de reconhecimento do Quilombo de Bombas

2002 - Associação dos Remanescentes do quilombo de Bombas, solicita ao Itesp seu reconhecimento como quilombo. (processo administrativo da Fundação Instituto da Terra do Estado de São Paulo (Itesp) nº 1186/2002). Mas por falta de estudos ambientais por parte da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, o processo fica parado.


2010 – Oito anos depois, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) exige estudos técnicos sobre o meio físico, biótico, situação fundiária e sustentabilidade ambiental previsto na Resolução SMA nº 29/2010, para solucionar a incidência do Parque Estadual do Alto Ribeira (Petar) sobre o território quilombola. Em setembro, a Fundação Florestal (FF) assume a responsabilidade de apresentar um plano de trabalho e em dezembro são firmados o Protocolo de Intenção e o Plano e Trabalho entre a associação, a FF e o Itesp. Uma equipe da Escola superior de agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) é contratada pela FF/Sema para fazer os estudos.


2011- Cinco viagens a Bombas são combinadas iniciando em final de março. O tempo previsto da pesquisa era de seis meses, mas os pesquisadores pediram mais tempo para finalizar os estudos.


2012-
Março - Pesquisa é finalizada e relatório final entregue a Fundação Florestal
Junho - A FF apresenta a Proposta de Limite Territorial e andamento no processo de reconhecimento da Comunidade Quilombola deBombas. A associação não aceita, pois a proposta reduz o território da comunidade, excluindo a área conhecida como Sistema Areias. A comunidade envia documento à FF explicando suas razões para manter o Córrego Grande, nome pelo qual a região é chamada pelos quilombolas. Comprometia-se a fazer plano de uso futuro dessa área, para manter conservada suas condições ambientais conforme sempre fizeram.
Julho - A associação apresenta contra proposta e nova data para prosseguir a negociação: 30 de julho.
Na reunião, a diretoria da FF afirma que reconhecerá o território inteiro, cujos limites constam do laudo antropológico do Itesp, em duas etapas e com algumas condições. A primeira etapa seria a FF manifestar-se favorável ao reconhecimento da comunidade quilombola. A segunda etapa seria a alteração dos limites do Petar para desafetá-lo do território quilombola, sob algumas condições.

A comunidade aceita a proposta e as condições apresentadas. Itesp e FF sugerem envolver as secretarias de Justiça e do Meio Ambiente, para encaminhar o processo para o Grupo Gestor de Quilombos, visando o reconhecimento administrativo de Bombas. A FF se compromete a prosseguir com o processo visando a mudança nos limites do Petar.
Agosto – A FF inicia processo de restruturação e demite parte dos seus funcionários. Entre os demitidos estão os diretores que conduziram o processo de negociação e o acordo com a comunidade e com o Itesp. O processo para novamente.


2013 –
Janeiro - A comunidade encaminha carta ao governador de São Paulo com cópia para os secretários de Meio Ambiente e da Justiça solicitando esclarecimentos sobre o andamento do processo de reconhecimento após o acordo firmado entre as partes em julho/2012.
Fevereiro - FF e Itesp realizam reunião com a comunidade no final do mês e informam que a atual gestão não poderia assumir os compromissos assumidos diretoria anterior. Relatam que os estudos realizados eram incompletos e após reuniões com pesquisadores, a FF propõe uma redução do território Bombas, excluindo a área conhecida como Córrego Grande ou Sistema Areias.
Março - A comunidade de Bombas se reúne e decide aceitar a proposta de território formulada pela Fundação Florestal. Encaminha carta aos diretores da Fundação Florestal, e Itesp aceitando a proposta e propondo um Termo de Ajustamento de Conduta que incluísse a ida a campo para demarcar os pontos da nova divisa; a emissão de parecer favorável ao processo de reconhecimento do território por parte da Fundação Florestal; o compromisso do Governo do Estado em viabilizar acesso para a comunidade; autorização para a instalação de postes de energia elétrica no território e a inclusão da desafetação do território quilombola no projeto de lei de criação do Mosaico de Paranapiacaba.
Abril – Em carta endereçada à comunidade Itesp e Fundação Florestal informam os próximos passos e que irão a campo junto com a comunidade para delimitar o novo território.
Junho - Direção do Petar visita a comunidade para definir os limites do território da comunidade e desenhar o novo mapa do território. Depois disso, segundo o coordenador da associação, Edmilson Furquim de Andrade a comunidade não teve mais resposta e a área do Córrego Grande começou a ser invadida por palmiteiros e caçadores porque espalhou-se na região a notícia de a área não seria mais do quilombo.

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