COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em Rondon do Pará, foram tantos os trabalhadores assassinados que nenhum homem quer assumir cargo de direção. Toda a executiva é composta por mulheres.

 

(A Pública e Diário do Pará)

Zuldemir dos Santos de Jesus, a ‘Nicinha’, guarda com cuidado uma pasta já antiga. Nela estão mais de 20 folhas de papel. São cópias de boletins de ocorrência policial, declarações e atas de atendimento encaminhadas ao Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Resumem a luta de ‘Nicinha’ para se ver livre das ameaças contra sua vida, recorrentes desde que assumiu um papel de liderança no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Rondon do Pará, no sudeste do estado.

 

Aos 52 anos, ela acumula as funções de vice-presidente e diretora de Políticas Sociais do sindicato. Vive assombrada, não sem motivos. No dia 29 de janeiro desse ano, um vizinho ouviu o barulho de um carro. Passava das 23 horas. O vizinho ouviu passos em direção ao portão da casa de Nicinha e viu quando um homem tentou forçar a entrada. O vizinho de Nicinha acendeu uma lanterna e o desconhecido recuou, indo embora no carro.

 

Em outra ocasião, dois anos antes, a janela da casa de Nicinha foi riscada com faca. Em outubro de 2012 estava em casa quando percebeu que alguém forçava a janela de um dos quartos. Nicinha sabe que as ameaças podem ser concretizadas. Já viu duas lideranças do sindicato serem assassinadas. Não quer ser mais uma a engrossar a lista.

 

Não era o que ela esperava em 1996, quando ingressou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, de forma até prosaica. Seis anos antes procurara o sindicato buscando acelerar o processo de aposentadoria da mãe, que vivera como lavradora. Gostou do que viu, se interessou pela luta por reforma agrária. Conheceu Maria Joel Dias da Costa e José Dutra, o ‘Dezinho’, presidente do sindicato, que viria a ser assassinado na porta de casa em 2000.

 

Zuldemir passou a trabalhar no sindicato como secretária. Em 2002 se tornou dirigente sindical, sob a influência de um grande amigo, o diretor sindical Ribamar Francisco dos Santos, assassinado em 2004. “Esse foi um dos maiores choques da minha vida”, diz ela. A partir daí Nicinha afirma que não teve mais sossego. Ao ir para a linha de frente das lutas sindicais, passou também a receber a sanha dos adversários.

 

“Ligavam para minha casa sem se identificar, diziam que iam matar eu e minha família toda. Foram momentos muito difíceis, fiquei desesperada”, lembra.

 

As ameaças surgem de maneiras improváveis. “Houve o episódio de um suposto advogado que me procurou dizendo que queria conversar comigo em casa e não no sindicato. Eu sei que é costume matarem sindicalistas em suas casas. Esse advogado pegou o meu telefone com a secretária do sindicato, depois se apresentou como funcionário do Instituto de Terras do Pará, o Iterpa, e que estava em um carro sem identificação e de vidros fumê. Essa pessoa ligou para mim, se dizendo advogado de Marabá, mas não se identificou. Eu disse que não poderia falar com ele em casa, mas o receberia no sindicato. Ele não apareceu”.

 

Em outra ocasião, quando haveria uma reunião em um acampamento que enfrentava uma ordem de despejo, uma pessoa a alertou para não ir à reunião, pois a estariam esperando na estrada, com a intenção de matá-la. Por precaução, Nicinha não foi à reunião, mas se dirigiu a casa da presidente do Sindicato, Maria Eva dos Santos Dias. As duas viram um motoqueiro com uma arma na cintura na frente a casa de Eva. Nicinha acredita que o desconhecido a seguira até ali.

 

Também foi suspeita foi a presença de quatro homens numa caminhonete, que foram ao Sindicato assuntar pelo endereço de Nicinha. A sindicalista prefere não citar nomes, mas diz também receber ameaças de uma pessoa que está presa por ter assassinado o coordenador de um acampamento. “Essa pessoa já avisou que assim que sair da prisão vai fazer um massacre no sindicato”, diz.

 

No dia 23 de outubro de 2011 Nicinha recebeu uma ligação de Brasília. Nem ela sabe explicar como, mas os rumores das ameaças de morte chegaram à capital federal. O Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, manifestou preocupação com a sua situação. Cinco dias depois, doze policiais chegaram a Rondon do Pará. Fariam a proteção a Nicinha. “Só não me avisaram que seria apenas por três meses”, diz ela. Ao fim, a proteção foi estendida por mais três meses. Agora, Zuldemir está desamparada de proteção policiai desde abril de 2012. “No momento em que a situação estava mais tensa, mais complicada, com a luta pela regularização de terras sendo feita de forma mais acirrada e ameaça de confrontos, a proteção foi embora”.

 

Segundo ela, a situação de Rondon do Pará é delicada. “Acredito que as ameaças são do mesmo grupo que assassinou o Dezinho e o Ribamar, tesoureiro do sindicato. Hoje a prefeita da cidade é filha de um dos fazendeiros do grupo de ameaçadores, os que nunca foram punidos”.

 

A vida de Zuldemir é agitada. O marido não suportou a pressão e se separou dela. Um golpe a mais para quem vive entre a família, o sindicato e a assistência a assentamentos.

 

O sindicato atende em torno de 2.500 famílias assentadas, que se sustentam da venda do que produzem. E, fato curiosamente trágico, devido aos assassinatos, os homens não quiseram assumir nenhum cargo diretivono sindicato. Toda a executiva é composta por mulheres.  “Tem dia que fico pensando que vou sair de casa, mas não irei voltar. Nos fins de semana, quando fico sozinha em casa, não durmo, porque fico observando cada movimento. Duas vezes já tentaram abrir a porta de minha casa. Viver com tranqüilidade é algo que desaprendi a fazer”.

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