COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Pastoral reclama, ainda, de títulos fraudados em cartórios. Empresas multinacionais de celulose são as principais responsáveis por grilgame de terras na região nos últimos anos, e pelas constantes expulsões de pequenos produtores.

 

(Portal G1)

 

Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que em 2012, o Amapá teve 57 conflitos no campo. Desses, 55 foram por posse de terra e 2 conflitos trabalhistas. O número de problemas no Amapá é maior que em demais estados da região Norte do país. No Acre e Amazonas, por exemplo, foram 40 e 48 conflitos na área rural, respectivamente.

 

Segundo o coordenador da CPT no Amapá, Sandro Gallazzi, a pastoral aponta que 380 mil hectares de terras têm indícios de grilagem no estado. "Temos 55 locais com conflitos de terra no Amapá, e mais de duas mil famílias em risco no interior do estado que recebem ameaças diretamente. Esses conflitos ocorrem em áreas ocupadas por empresas multinacionais, como a  Amapá Celulose (Amcel)", disse Gallazzi. De acordo com a CPT, as empresas usam títulos fraudados. "Comprovamos isso em vários casos", contou Sandro Gallazzi.

 

Procurada pelo G1, a direção da Amcel negou as acusações e afirmou que todos os seus títulos estão registrados em cartório.

 

Mesmo sem dados exatos, a CPT calcula que os conflitos por posse de terras começaram com intensidade a partir de 2008, quando a Amcel foi comprada pelas empresas japonesas Marubeni Corporation e Nippon Paper. "Desde então, várias famílias foram tiradas de suas terras", falou o coordenador da CPT.

Terras ao lado de ferrovia


Um conflito de terra no estado acontece no perímetro entre a capital, Macapá, e o município de Santana. Lá, mais de 500 famílias ‘brigam’ por uma área à beira da Estrada de Ferro do Amapá (EFA) com a mineradora inglesa Anglo American.

 

Os moradores da localidade dizem que desde 2010, a Anglo iniciou o processo de retirada das famílias das margens da EFA.

Para a cozinheira Raimunda dos Santos, 52 anos, moradora da localidade há 6 anos, é inviável sair das margens das EFA porque a mineradora não ofereceu uma contrapartida, como indenização ou um outro local para morar.

 

“Eu fico triste porque saber que podemos sair a qualquer hora é muito ruim, ainda que tenho filhos e netos. Se eu sair daqui, não tenho para onde ir”, contou com tristeza a cozinheira, mãe de oito filhos.

 

Em nota, a Anglo American admitiu requerer a área a margem da EFA, com intuito, segundo ela, de garantir a "segurança da ferrovia e das pessoas que habitam no seu entorno e utilizam seus trens".

 

Em relação as contrapartidas às familías das margens da EFA, a Anglo American prometeu se pronunciar apenas após decisão judicial do processo que trata da retirada das pessoas da localidade.

 

Grilagem cartorial
Uma prática apontada pela CPT no Amapá é a chamada ‘grilagem cartorial’, que consiste em aumentar o tamanho da área no registro expedido por cartórios.

“Muitas matrículas que a Amcel possui estamos questionando na Justiça porque ela mudou o tamanho de suas áreas quando passou de um registro para outro. Tem um exemplo que ocorreu na região do município de Santa Maria. Lá, o primeiro registro indicava 150 hectares, e quando foi realizado um novo, a mesma área passou a ter 1.089 hectares no documento”, relatou Sandro Gallazzi.

 

De acordo com o corregedor geral do Tribunal de Justiça do Amapá (Tjap), desembargador Constantino Brahúna, a corregedoria vai realizar uma inspeção em cartórios no estado para apurar irregularidades. “Os livros de registros de propriedades estão todos emprenhados de titulações de milhares de hectares como propriedades de multinacionais, mas que na verdade não são donas”, afirmou.

 

Após a conclusão do relatório da fiscalização que está sendo realizada nos cartórios do Amapá, o resultado vai ser enviado aos ministérios públicos federal e estadual com intenção de cancelar matrículas da posse de terra. O relatório tem dois terços concluídos. Se as titulações forem anuladas, elas serão devolvidas ao poder público.

 

O relatório vai afetar os cartórios de Amapá, Tartarugalzinho, Calçoene e Ferreira Gomes.

 

Grilagem institucional
A Promotoria de Justiça do Meio Ambiente (Prodemac) do Ministério Público do Estado do Amapá (MP/AP) investiga outra vertente de grilagem no estado: a grilagem institucional, que ocorre dentro de órgão estadual.

 

“Investigamos situações que ocorreram dentro do Imap (Instituto do Meio Ambiente do Amapá). Grilagem não existe apenas enganando o cartorário. No Amapá, por exemplo, tem posses registrada por procurador de estado. Então a fraude começa antes de chegar ao cartório”, contou o promotor da Prodemac, Marcelo Moreira.

 

Em 2011, o MP/AP determinou que o Imap suspendesse qualquer transferência de terra para coibir qualquer tipo de fraude até a regularização fundiária no Amapá, com a assinatura do decreto que passa terras da União ao Estado.

 

Latifúndio
O Estatuto da Terra estabelece uma proibição ao latifúndio. O tamanho da propriedade não deve ultrapassar 60 vezes o módulo rural da região. Na Amazônia, o módulo é de 100 hectares, nesse caso são consideradas latifúndios áreas de 60 mil hectares. “Tem propriedades no estado que possuem mais que isso”, garantiu o desembargador Constantino Brahúna.

 

 “A Amcel, por exemplo se diz proprietária de uma vastidão de terras no Amapá, mas na verdade não tem nada. Ela é grileira. Os registros da empresa foram tirados de títulos sem a revalidação, legitimação, confirmação, ou emissão de forma lícita do poder público”, acrescentou Brahúna.

 

“Na licitação de terras públicas no Amapá, realizada pelo Incra em 1978 para plantação de mudas de plantas, dizia que cada pessoa jurídica deveria concorrer apenas a um imóvel. Então, a Amcel, Icomi, e Copram, e outras empresas concorreram e ganharam as áreas. Após anos, quando conseguiram título definitivo da terra, venderam a área à Amcel”, disse o coordenador da CPT, Sandro Gallazzi.

 

De acordo com o analista de reforma agrária do Incra, Joval Costa, a princípio não haveria nenhuma ilegalidade nas transferências de terra da licitação de 1978. "Teríamos que verificar apenas se no edital havia alguma cláusula que impedisse a venda em um determinado intervalo de tempo. E mesmo assim, a validação da transferência depende do cartório", explicou.

 

Em maio de 2004, segundo a CPT, a Amcel devolveu à União 140 mil hectares de terra por ocupação irregular. A empresa confirmou a devolução da área.

 

Constantino Brahúna adiantou que o relatório vai apontar casos em que a mesma área de terra possui títulos com donos diferentes: “são tantas titulações que se fossemos somá-las, não haveria terras suficientes no Amapá”.

 

O que diz a Amcel
Em entrevista ao G1, a  diretoria regional da multinacional nega irregularidades. “A empresa tem tudo registrado em cartório. Se estão nos acusando de grilagem cartorial, devem provar”, disse o gerente de assuntos regional da multinacional, Carlos Penha.

 

“Se alguém agiu contra lei, deve ser punido por isso”, acrescentou o gerente jurídico da Amcel, Renato Ribeiro.

 

A Justiça Federal tem 13 processos ajuizados contra a Amcel por ocupação irregular da área.

 

A empresa ainda negou a expulsão de fazendeiros de forma truculenta, como a CPT afirmou ter ocorrido na região de Santa Cruz, São Jorge e Novo Horizonte, no município de Tartarugalzinho, a 230 quilômetros de Macapá. “Isso nunca aconteceu, mas temos que lutar pelo o que é nosso, por isso entramos com ações na Justiça”, concluiu o gerente da Amcel.

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