COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

A afirmação é do povo indígena Mebengôkre (Kayapó) em manifesto publicado após encontro organizado pelas três principais organizações que representam o povo Kayapó - a Associação Floresta Protegida, o Instituto Kabu e o Instituto Raoni.

 

(CIMI)

Quatrocentos caciques, guerreiros e lideranças do povo Mebengôkre (Kayapó) reuniram-se entre os dias 03 e 05 de junho de 2013 na aldeia Kokraimoro, localizada na margem direita do Rio Xingu na Terra Indígena Kayapó-PA, para discutir sobre o grave momento político de retrocessos nos direitos indígenas.
 
A reunião, conduzida integralmente pelos indígenas, foi organizada pelas três principais organizações que representam o povo Kayapó - a Associação Floresta Protegida, o Instituto Kabu e o Instituto Raoni – e estiveram presentes caciques e outros representantes de todas as 45 aldeias Kayapó, além de caciques convidados dos povos Tapayuna e Juruna.
 
O principal objetivo da reunião foi o fortalecimento do Povo Kayapó através da união de seus distintos sub-grupos que vivem em aldeias espalhadas em em territórios nos estados do Pará e Mato Grosso e que, portanto, raramente tem a oportunidade de se encontrarem para discutir desafios comuns. Diante dos enormes retrocessos quanto aos direitos dos povos indígenas em curso, tal reunião se tornou uma prioridade para todos os Kayapó.
 
O primeiro dia foi dedicado à história de luta do Povo Kayapó para a demarcação de suas terras e para a inclusão de importantes direitos indígenas na Constituição. Neste dia importantes lideranças que participaram ativamente desta luta, como Raoni Metyktire, Megaron Txucarramãe, Paulinho Payakan e Tuire Kayapó, falaram aos parentes sobre a importância das conquistas. Contaram aos jovens, que nasceram com suas terras já demarcadas e muitos de seus direitos já garantidos na constituição, que estas conquistas foram resultado de muita luta.
 
Entretanto, tais conquistas estão sendo seriamente ameaçadas. Depois de 1988 nenhum momento foi tão desfavorável aos indígenas como hoje; e amanhã promete ser pior. As Terras e os direitos indígenas viraram alvo de grandes empresas e ruralistas que hoje dominam o Governo, o Congresso e a grande mídia.
 
No segundo dia de reunião, portanto, os Kayapó se preocuparam em balizar a compreensão geral sobre as principais ameaças às suas Terras e seus direitos. Os representantes Kayapó com melhor domínio do português e entendimento sobre o funcionamento da sociedade nacional explicaram aos parentes sobre as principais propostas de alteração na legislação que estão tramitando no congresso nacional e que terão impactos na vida das populações indígenas, incluindo a PEC 215, a Portaria 303 da AGU, o PL 1610, a PEC 237 e o Decreto nº 7.957. Também discutiram sobre os grandes projetos de infra-estrutura, como a hidrelétrica de Belo Monte e os demais barramentos previstos para o rio Xingu, assim como sobre os impactos que estes empreendimentos causarão nas florestas que suas comunidades tem manejado de forma sustentável e protegido contra o desmatamento. Assim, puderam aprofundar a compreensão sobre estas ameaças e discutir como enfrentá-las.
 
No último dia começaram a traçar a estratégia de luta, tendo a união do povo Kayapó como seu primeiro passo. Produziram um manifesto, abaixo, que expressa a posição dos Kayapó frente às principais ameaças aos seus direitos tradicionais e direitos sobre suas terras e recursos naturais. Assim, contam com o apoio de todos para a divulgação deste manifesto e para o fortalecimento da luta dos povos indígenas pela garantia de seus direitos e de uma relação digna com a sociedade nacional brasileira.
 
Se o Governo não quer conversar com os indígenas, muito menos ouvi-los e respeitar suas opiniões; se no Congresso não há quem os represente; se a mídia só se ocupa em desqualificá-los; de alguma forma é preciso que se façam ouvir. Resolveram que, unidos, vão buscar a articulação com o movimento indígena e a sociedade civil, que vão parar estradas e ocupar canteiros de obras. Eles querem ser ouvidos.

Leia o manifesto na íntegra:
 
Nós, 400 caciques e lideranças Mebengôkre/Kayapó, de todas as aldeias das Terras Indígenas Kayapó, Menkragnoti, Badjonkôre, Baú, Capoto/Jarinã, Xicrin do Catete, Panará e Las Casas, localizadas nos estados do Pará e Mato Grosso, com apoio dos caciques do povo Tapayuna e Juruna, também do estado Mato Grosso, juntos estivemos reunidos na Aldeia Kokraimoro-PA, margem direita do rio Xingu, entre os dias 03 a 05 de junho de 2013.

 

Comunicamos ao governo brasileiro e a sociedade que repudiamos os planos do Governo Federal e do Congresso para diminuir os nossos direitos tradicionais e direitos sobre nossas terras e seus recursos naturais.

 

A PEC 215 que transfere do poder executivo ao Congresso Nacional a aprovação de demarcação e ratificação das Terras Indígenas já homologadas é uma afronta aos nossos direitos. Dizem que as referidas demarcações seriam participativas e democráticas, mas sabemos que esta proposta é uma estratégia clara da bancada ruralista para não demarcar as Terras Indígenas e diminuir os tamanhos das nossas terras já demarcadas e homologadas.

 

A PORTARIA 303 expedida pela Advocacia Geral da União viola os nossos direitos sobre os territórios tradicionais que ocupamos e seus recursos naturais. Também infringe os nossos direitos de consulta livre, prévia, informada e participativa, quando o governo quer implantar empreendimentos que impactam direta e indiretamente nosso povo, nossa cultura e nosso território. Lembramos que este direito é garantido também pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo governo brasileiro.

 

O Projeto de Lei 1610/96 que está em tramitação no Congresso Nacional tem como proposta a autorização para entrada de empresas mineradoras em nossas terras sem respeitar nossas opiniões e decisões. Não vamos aceitar mineração em nossas Terras.

 

O Governo e o Congresso precisam respeitar os artigos 231 e 232 da Constituição, que garantem nossos direitos. Exigimos a anulação de todas as portarias, decretos, PL’s e PEC’s que ameaçam e prejudicam os povos indígenas. Nós queremos que a Constituição Federal, que ajudamos a construir, permaneça como está escrita desde 1988. Está escrito que o usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo, do rio, da floresta dentro das Terras Indígenas é dos indígenas e não dos brancos.

 

Não aceitamos arrendamento de nossas terras pro branco encher de gado e de soja, como quer a PEC 237/13 que autoriza arrendamento de pasto em Terra Indígena para fazendeiro e empresas de agronegócio.

 

Não aceitamos que as forças armadas invadam nosso território sem a nossa autorização, como prevê o Decreto nº 7.957/2013. O que aconteceu com nosso parente Munduruku, assassinado pelo Estado brasileiro, é uma vergonha inaceitável que não pode se repetir nunca mais.

 

Nós queremos uma FUNAI fortalecida, que trabalhe do lado dos Povos Indígenas e não para os interesses do Governo, grupos políticos, das grandes empresas e dos ruralistas.

 

Nós Mebengôkre, caciques, lideranças, guerreiros e todas as nossas comunidades, desde o início, não aceitamos a construção de Belo Monte, nem de nenhum outro barramento no Xingu, pois enfraquece nosso povo. Podem ter certeza que não vamos parar de lutar. O Brasil tem uma dívida histórica conosco, povos indígenas, que nunca será paga. Não estamos cobrando isso, apenas queremos que nossos direitos escritos Constituição Federal de 1988 sejam respeitados. Nós somos os primeiros donos dessa terra que se chama Brasil, portanto continuaremos defendendo nossa terra, nossos povos e nossos direitos.

 

O Governo precisa se preocupar com a pobreza no Brasil, fazer leis para melhorar a saúde, acabar com a violência, a corrupção, com o trafico de drogas e tudo de ruim que esta prejudicando a sociedade brasileira, e deixem os indígenas viverem em paz em suas terras!

 

Não reconhecemos como nossos representantes a Presidenta da República Dilma Rouseff e os deputados e senadores que estão no congresso, e nem os que ocupam as comissões e subcomissões estratégicas, decidindo sobre os nossos direitos, como a subcomissão de demarcações de Terras Indígenas. A demarcação de Terras Indígenas tem de continuar como atribuição do poder Executivo.

 

Não estamos somente preocupamos com nós e nossas terras, mas também com os nossos parentes que ainda estão isolados. Não aceitaremos que estes sejam contatados. Se não temos representantes no Congresso, vamos mobilizar nossos parentes Kayapó e outros parentes de luta para mostrar para a sociedade nossa mensagem: não vamos aceitar a diminuição dos nossos direitos e nossas terras e vamos lutar da nossa maneira, parando estradas, ocupando canteiros de obras, acionado o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal, articulando com o movimento indígena e a sociedade civil.

 

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