Na manhã de hoje, 28 de maio, foi lançado na Câmara Legislativa de Goiânia, o relatório “Camponeses mortos e desparecidos: excluídos da justiça de transição”. Produto de uma pesquisa realizada por Gilney Viana, coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade, do governo federal, o relatório traz a história e a luta de 1.196 camponeses e camponesas desparecidos ou mortos pela repressão, durante ações de combate contra o regime militar instaurado no Brasil.
Viana, durante o lançamento, retomou um pouco do contexto político mundial do golpe militar, como a investida repressora empreendida nos países contra uma possível ameaça comunista que rondaria, principalmente, a América Latina. Segundo ele, a iniciativa desse relatório teve como objetivo tentar mostrar aqueles e aquelas que ficaram no anonimato, que não foram reconhecidos e reconhecidas nem pelo governo e nem pela sociedade, após a redemocratização do país. Ele falou, ainda, sobre a dificuldade em registrar as violências praticadas contra os militantes nesse período, mas destacou iniciativas como dos agentes da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e de pessoas, muitas vezes religiosos, que apoiavam a luta e eram contrários às formas de repressão praticadas pelo governo.
Os dados do relatório têm como fonte, principalmente, a CPT, a Contag (Confederação Nacional de Agricultura Familiar) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Viana destacou que, desses 1.196 camponeses e camponesas, apenas 51 chegaram a apresentar requerimentos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e 29 foram identificados e reconhecidos pela Comissão como vítimas da ditadura militar. Segundo ele, junto à Comissão Nacional da Verdade (CNV) há, atualmente, 821 pedidos de reconhecimento de camponeses mortos em ações de luta contra o regime, mas, mais de 700 se referem à Guerrilha do Araguaia e a Revolta de Trombas e Formoso. Ou seja, aparecem pouquíssimos requerimentos vindos de ações de outras partes do país, e que, apesar de não tão conhecidas como as citadas acima, também ocorreram nesse período.
Para Wagner Gonçalves, que foi consultor da CNV, a Comissão enfrenta diversos problemas como o pouco tempo para realizar seus trabalhos, a quantidade de materiais, arquivos e acervos que devem ser bem analisados e cujos dados devem ser cuidadosamente verificados para que não haja injustiças, ou mesmo duplicação de informações, além da distância temporal do período, o que dificulta no resgate da memória de pessoas que participaram desse processo. Ele citou, por exemplo, o caso do Peru, em que a Comissão foi constituída pouco tempo depois do fim da ditadura no país, o que propiciou um trabalho mais fidedigno da Comissão da Verdade pelo fato das memórias ainda estarem muito presentes no cotidiano da população local.
Memória e relatos: os sobreviventes
Presos políticos das principais ações de luta desenvolvidas no estado de Goiás, Tocantins e outros, bem como anistiados estiveram presentes no lançamento e relataram suas histórias de luta e resistência. Zezinho do Araguaia, sobrevivente da Guerrilha do Araguaia, mostrou preocupação com os problemas ainda vigentes no campo brasileiro. Para ele é inadmissível que os indígenas ainda enfrentem problemas para garantir seus direitos no Brasil. Além disso, para ele, tem que haver uma reformulação do modelo de educação no país, os jovens têm que estudar e ter mais contato com a história do período ditatorial e os processos de luta travados no Brasil nesse momento. Para Hélio Cabral, integrante do Comitê Goiano pela Verdade, Memória e Justiça, brutalmente torturado durante a ditadura, é preciso mostrar para a juventude a verdadeira história de nosso país e de nosso estado, esse é um passo fundamental para a consolidação de um país democrático.
O Sr. Arão de Souza, militante camponês da Revolta de Trombas e Formoso, deu um depoimento emocionado lembrando as dificuldades que ainda enfrentam na região. Muitos companheiros e companheiras, bem como parentes destes, que lutaram bravamente na Revolta, foram enterrados como indigentes. Eles não possuem certidão de óbito. Além disso, tentou-se apagar a história de um dos processos de luta no campo mais importantes ocorrido no período, do qual não há memória atualmente na região e nem no estado.