A primeira vez que José Batista Afonso encontrou o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santos da Silva foi em uma reunião, em 1996, às margens do rio Tocantins. O objetivo era discutir a criação de um assentamento agroextrativista para os trabalhadores rurais que viviam na área, ainda bastante preservada e rica em castanhais. Desde então, Batista acompanhou de perto da luta do casal. Advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ele foi assistente da acusação dos réus acusados de planejar e executar o casal de ambientalistas. Confira entrevista abaixo:
(Texto e foto: Felipe Milanez)
Na entrevista abaixo, concedida nesta sexta-feira 5, dia seguinte ao julgamento, na sede da CPT em Marabá, Batista analisa o julgamento em que o acusado de ser o mandante, José Rodrigues Moreira, foi inocentado. Seu irmão, Lindonjonson Silva, foi condenado como executor do crime, junto de Alberto Nascimento.
CartaCapital: Como o senhor analisa o julgamento?
José Batista Afonso: Julgamentos de juris iguais a esse possuem um componente ideológico muito grande. Os jurados não decidem apenas pelas provas produzidas no processo, mas são influenciados pelo debate ideológico feito durante o julgamento. A sua decisão vai depender do lugar social em que vive, as suas relações e convicções religiosas ou políticas. Esses aspectos acabam sendo relevantes porque esse debate é o que é provocado pela defesa nesses casos. A estratégia de defesa é tentar transformar o juri em um enfrentamento politico. Em relação à absolvição, ela traz consigo uma grande contradição. E é com base nela que a acusação e a assistência irão recorrer ao Tribunal de Justiça.
CC: Qual contradição?
JBA: Durante toda a fase de investigação das Polícias Civil e Federal, em nenhum momento se encontrou qualquer indício de vínculo dos pistoleiros que executaram o crime com outra pessoa dentro do assentamento que não fosse José Rodrigues Moreira. Os executores não tinham motivação pessoal para assassinar o casal. Eles não estavam em conflito com o casal, não disputavam terra com eles, nem eram madeireiros que queriam roubar madeira do lote do casal. Apenas atuaram no caso como assalariados do crime. Pegaram uma empreitada de morte.
Quem tinha conflito latente com o casal era o acusado de ser o mandante, Jose Rodrigues Moreira. Ele comprou ilegalmente uma área de terra dentro da reserva extrativista na qual já havia três famílias residindo e as expulsou. O casal deu apoio às famílias, tanto com relação às ameaças que sofriam de expulsão por parte de José Rodrigues, quanto para o seu retorno ao local. A partir daí as ameaças de Moreira se direcionaram não só as famílias, mas ao casal. É nesse momento em que passa a aparecer na cena do crime as pessoas dos executores.
CC: Como o senhor analisa a sentença?
JBA: Condenar os executores sem condenar o mandante não tem sustentação. É uma sentença sem embasamento probatório suficiente. Pelo fato da sentença dos jurados confrontar, e inclusive contrariar as provas existentes nos autos, é que a acusação irá apelar e requerer a anulação do julgamento. Outro aspecto que pode ter influenciado a decisão dos jurados foi o comportamento do juiz [Murilo Lemos Simão] na condução da sessão do Tribunal do Júri.
CC: Como o juiz conduziu o processo?
JBA: Durante a sessão, o juiz permitiu que José Rodrigues protagonizasse uma cena incomum. O acusado ficou de joelhos, fazendo uma oração, pedindo benção para todo mundo, para o próprio juiz, para os jurados, para os advogados, numa espécie de culto. De joelhos e chorando copiosamente. Essa manifestação foi permitida pelo juiz e esse tipo de ação pode ter influenciado algum jurado na votação.
CC: Como foi a votação dos jurados?
JBA: Tanto as condenações quanto às absolvições foram por maioria. A absolvição de Moreira foi por 4 votos a 3. Uma das condenações foi pelo menos placar. Ou seja, só um jurado mudou de voto. Uma mesma pessoa votou pela absolvição de José Rodrigues e a condenação de Lindonjonson. Uma condenação foi por 5 votos a 2.
CC: O que um resultado tão apertado implica?
JBA: Isso mostra que o conselho de sentença estava dividido. Essa é uma questão que deve ser considerada no momento de se julgar o recurso no Tribunal de Justiça.
CC: Na sentença o juiz disse que José Claudio agiu pelas próprias mãos e, por isso, teve culpa em sua própria morte. Isso é verdade?
JBA: Essa afirmação do juiz não encontra respaldo nas provas existentes no processo. Pelo que foi apurado e concluído, quando José Rodrigues comprou o lote, já existia, cerca de seis a oito meses antes, três famílias residindo ali. E ele inclusive foi informado pelos vendedores da situação. Mesmo assim decidiu comprar. Foi ele quem causou o conflito com as famílias. Se alguém tinha que procurar a justiça para resolver o conflito, teria que ser o acusado. Portanto, atribuir a responsabilidade pelo conflito às vitimas é deturpar os fatos e, claro, querer manchar a memória e a historia do casal.
CC: O José Cláudio agia pelas próprias mãos para combater as ilegalidades?
JBA: José Cláudio e a Maria nunca resolviam conflitos usando as próprias forças. Em todos os casos de ilegalidades existentes no assentamento, a primeira medida adotada por eles era denunciar. Denunciar ao IBAMA, ao INCRA, ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e à Pastoral da Terra. Existe um conjunto imenso de denúncias e ofícios encaminhados por eles a esses órgãos. Eles identificavam a ilegalidade, elaboravam a denúncia e cobravam o poder publico. Eles não tomavam a decisão, individualmente, de resolver o problema com as próprias mãos.
CC: Como fica a situação no assentamento e de Laisa Sampaio, irmã de Maria, que tem recebido ameaças de morte?
JBA: Com a absolvição do acusado, premiado pela decisão dos jurados, e com a decisão do INCRA, que promoveu o seu assentamento no lote que deu origem ao conflito que resultou na morte do casal, ele [José Rodrigues] deve retornar ao assentamento. Irá ser vizinho de apenas quatro quilômetros de Laisa e José Rondon, que continuam tocando o trabalho de Maria e José Cláudio. A pressão e as ameaças para que Laisa e Rondon abandonem o lote pode resultar em risco deles também serem assassinados.
CC: E com relação aos conflitos no Brasil. O que sentença representa?
JBA: Uma das principais causas da continuidade dos conflitos e morte no campo é a impunidade. Ou seja, se alguém assassina ou manda matar uma liderança e não é exemplarmente investigado e punido, vai continuar praticando outros crimes. Então, a absolvição do mandante tem um efeito infelizmente muito negativo que só fortalece esse estado de impunidade.