A Polícia Civil do Pará investiga a execução à queima-roupa do lavrador Enival Soares Matias, de 41 anos. Os agentes consideram duas possíveis motivações para o crime: o incômodo de fazendeiros e agricultores com a atuação de Matias junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou desavenças particulares da vítima com um morador do assentamento PDS Esperança, onde vivia. Um suspeito foi identificado pela polícia, mas ainda não foi localizado.
(O Globo)
O crime ocorreu na tarde de quarta-feira em uma estrada vicinal que dá acesso ao assentamento, localizado a 60km do município de Anapu, no sudoeste do estado, área de atuação da missionária americana Dorothy Stang, assassinada em fevereiro de 2005. Matias trafegava em uma moto, quando foi abordado por dois homens em uma motocicleta, sendo que o carona sacou uma arma e efetuou pelo menos quatro disparos na cabeça da vítima. Ele morreu na hora.
Uma garota que viajava na garupa da moto fingiu desmaio na hora do crime, e os pistoleiros foram embora sem agredi-la. A testemunha, que tem apenas 12 anos, está sob custódia do Conselho Tutelar de Anapu e prestou depoimento à polícia, que por enquanto evita confirmar oficialmente ligações do crime com questões agrárias. Pouco antes do crime, os dois atiradores procuraram por Matias em sua casa, de acordo com a polícia.
Familiares relatam que o lavrador não vinha recebendo ameaças de morte, mas era alvo de constantes críticas em função do serviço informal que prestava para o Incra, de acordo com os agricultores. Conhecedor profundo de uma região que se notabiliza pela presença de madeiras nobres, Matias era consultado com frequência pelos dirigentes do órgão para dizer quem já detinha terras — e que por isso não deveria receber novos títulos de propriedade — e quem não tinha. Alguns fazendeiros teriam até perdido seus títulos em função da atuação do agricultor. O Incra nega que Matias prestasse esse tipo de serviço.
Coordenador do órgão em Anapu, Fagner Garcia disse acreditar que o crime não tenha relação com conflitos agrários.
"Pelo que a gente percebeu até o momento, não há evidência que isso esteja ligado a um conflito agrário, até porque não existe um conflito agrário atual no PDS", disse, em entrevista à Rede Liberal, retransmissora da TV Globo no Pará.
Matias também era ligado à Comissão Pastoral da Terra (CPT), sendo autor de denúncias de grilagens de terra no PDS Esperança, onde estava assentado há mais de seis anos. Há relato também de que ele mantinha reuniões com representantes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.
Segundo o delegado Melquiesedeque Ribeiro, um dos responsáveis pela investigação, a vítima já havia sido alvo de violência na região.
"A casa dele foi queimada aproximadamente um ano atrás, e ele também foi vítima de uma tentativa de assalto", disse o delegado.
Segundo a família, Matias não ligava a tentativa de assalto que sofreu com a sua atuação como liderança na região.
Em nota divulgada nesta sexta-feira, a CPT em Anapu lembrou que a casa do agricultor foi incendiada em 1º de abril de 2011. Segundo a CPT, o motivo seria sua participação em uma manifestação contra a exploração ilegal de madeira no PDS.
A morte de Matias é investigada pelo delegado de Anapu e também pelo titular de Altamira,Cristiano Nascimento, que na quinta-feira viajou para a cidade para acompanhar as investigações. A vítima era pai de um menino e uma menina, ainda pequenos, e atualmente estava separado da esposa.
Julgamento no Pará
Na próxima quarta-feira, José Rodrigues Moreira, Lindonjonson Silva e Alberto Lopesserão levados a júri popular pela morte dos extrativistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, em maio de 2011, em Nova Ipixuna, no sudeste paraense. O primeiro é acusado de ser o mandante do crime e os outros dois de executarem a dupla.
José Cláudio e Maria foram assassinados por protegerem camponeses assentados em terras que seriam de interesse de José Rodrigues Moreira. Ele estava envolvido em compra de lotes destinados à reforma agrária, o que é ilegal.
Contexto
A tensão causada pela disputa por terras tem se agravado e elevado o número de mortos em conflitos agrários no Brasil. No ano passado, o total de líderes locais assassinados, entre sem-terra, indígenas e pescadores, cresceu 10,3% em relação a 2011, subindo de 29 para 32. As mortes aconteceram, em sua maioria, no Pará e em Rondônia, estados onde os conflitos por terras e as disputas em torno da exploração ilegal de madeira têm recrudescido nos últimos anos. Os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que o Rio de Janeiro, onde a média de mortes era de uma por ano, contabilizou quatro no ano passado, maior patamar desde 1999, quando foram assassinadas cinco pessoas. No país, de 2000 a 2012, conflitos agrários provocaram 458 mortes.
Em novembro, ocorreu o maior número de mortes no campo em 2012. Ao todo, sete pessoas foram assassinadas, quase metade delas no Pará. O estado, que costuma registrar o maior número de mortes em conflitos no campo, apresentou queda no total de assassinatos: de 12, em 2011, para 6, em 2012. Em Rondônia, a violência aumentou: de 2, em 2011, para 7, em 2012.