No dia 26 de junho aconteceu na Gleba Tauá, no município de Barra do Ouro – TO, uma Audiência Pública com cerca de 150 pessoas, que, na sua maioria, são posseiros tradicionais que moram nessas terras há muitos anos, e outras famílias de áreas próximas. A audiência contou com a participação da CPT, MPF, MDA, INCRA, Ouvidoria Agrária Regional, Terra Legal, Defensoria Pública Agrária, Polícia Federal, Delegacia Agrária e Polícia Militar Agrária. O Objetivo da audiência era tratar dos conflitos e grilagem de terras existente na região.
Um pouco da história da Gleba Tauá:
A Gleba Tauá é uma área da União Federal com mais de 13 mil hectares de terras. Essa gleba é ocupada tradicionalmente há mais de 70 anos por várias famílias de posseiros que ali nasceram e outras que chegaram ainda crianças levadas pelos seus pais, boa parte vinda do estado do Maranhão.
Ocorre que apareceu na região uma família de Santa Catarina, liderada por Emilio Binoto, dizendo ser dona dessas terras, e a partir daí começou toda a perseguição a esse grupo de famílias.
No ano de 2003 a CPT foi procurada por Dona Raimunda, moradora e posseira antiga da Chácara Cabeceira do Duque, localizada dentro da Gleba Tauá, para pedir ajuda e apoio, pois ela juntamente com outros posseiros que ocupam e moram na Gleba Tauá há mais de 70 anos, vinham sendo ameaçadas de morte e de serem expulsos de suas terras pelo grileiro conhecido como Emilio Binoto, empresário em Santa Catarina que nunca morou nessas terras.
Desse período até os dias atuais a CPT vem apoiando essas famílias na resistência e permanência nos seus territórios. Várias foram as denúncias encaminhadas, vários boletins de ocorrências foram registrados, desde ameaças de morte, queima de barracos, envenenamento das águas, expulsão por pistoleiros, desmatamentos, mas nenhuma providência mais enérgica tinha sido tomada para resolver tal situação.
Depois de muita resistência, insistência e denúncias, as famílias conseguiram junto ao Ministério Público Federal realizar a Audiência Pública dentro da Gleba Tauá, momento esse que lhes proporcionou relatar todas as ameaças que vem sofrendo, como também pedir agilidade no processo de regularização dos seus territórios e solução para todos os problemas que vem enfrentando.
Edmundo Rodrigues Costa
CPT Araguaia/Tocantins
Vejam a seguir matéria do site do MPF, relatando a audiência:
MPF/TO constata violência contra posseiros e grilagem de terras no norte do Tocantins
Disputa por terras da União é entre posseiros que tradicionalmente ocupam o local e fazendeiros vindos de outras regiões. Títulos de terra irregulares emitidos pelo Itertins e uso da força são usados para coagir os trabalhadores.
Terras da União tradicionalmente ocupadas por posseiros, que dela retiram sua subsistência por diversas gerações, estão sendo disputadas por grupos de fazendeiros que utilizam pistoleiros para expulsar os trabalhadores, caracterizando grilagem de terras públicas. Os trabalhadores reivindicam a regularização de suas posses, mas os processos são atrasados pela emissão de títulos pelo órgão fundiário estadual, que irregularmente titularia terras que não pertencem ao Estado do Tocantins.
Estes assuntos foram tratados durante audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal na Gleba Tauá, área considerada delicada pelos órgãos fundiários devido a diversas ocorrências violentas. Participaram da reunião representantes da Polícia Civil Agrária, Polícia Militar Agrária, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Programa Terra Legal, Incra, Polícia Federal, Defensoria Pública do Estado do Tocantins e Ouvidoria Agrária.
Nascida na região, Dona Raimunda é uma das posseiras que sofre com a pressão dos fazendeiros. Ela relatou envenenamento de cursos d'água, morte de animais, roças destruídas por tratores e ameaças de pistoleiros. “Este povo chegou de fora se dizendo dono de tudo, e que a invasora sou eu, que nasci aqui”, desabafou. Também posseiro, Moisés Messias afirmou que foi ameaçado no dia 3 de março deste ano, e que seu barraco e de seu irmão foram queimados. Durante a noite eram ouvidos disparos de arma de fogo. “O pistoleiro disse que ia me matar, só não ia ser naquele dia. Era para eu colher a roça e ir embora. Eram pessoas do Binoto”, disse, se referindo ao empresário rural Emílio Binoto, que segundo os trabalhadores é quem promove a expulsão deles do local. Os posseiros foram informados que além de inquérito civil público que tramita na Procuradoria da República no Tocantins, foram instaurados inquéritos policiais pelas polícias Civil e Federal para investigar as denúncias de violência contra os posseiros.
Também foram apresentadas denúncias contra policiais militares de Filadélfia que estariam intimidando os posseiros a deixarem seus barracos e roças, chegando ao local em veículos do grupo Binoto junto com um dos filhos do fazendeiro, no dia 29 de abril. Sem apresentar documentos, diziam estar cumprindo ordens do tenente PM Canuto. Presente à reunião, o oficial militar disse que as ordens foram mal interpretadas, pois eram apenas para evitar possíveis conflitos na região. O procurador da República Victor Mariz considerou inadmissível que policiais sejam usados para intimidar os trabalhadores. “É uma situação estranha que beira a ilegalidade”, disse. O policial militar agrário, tenente-coronel Maranhão, disse que as ações dos militares serão investigadas. “A PM não dará cobertura a ações de fazendeiros”.
A delegada agrária Gladys Cury informou que já foram identificados os pistoleiros que queimaram os barracos e fizeram as ameaças de morte, e que já tramita também inquérito policial para averiguar possíveis abusos cometidos por parte dos policiais. Victor Mariz informou que atualmente não há nenhuma ordem para expulsão dos posseiros do local, e orientou a resistência pacífica com informações às autoridades em caso de abusos e violência. Foi determinado o cadastramento das pessoas que ocupam a Gleba Tauá o mais rápido possível, além da triagem para determinar quem tem perfil de cliente da reforma agrária. O Incra informou que até setembro fará o cadastramento.
Titulação dupla
Também foi debatida na audiência a situação da Gleba Capelinha, no município de Barra do Ouro. Neste local foi denunciada a expulsão de posseiros por pistoleiros, muitos dos quais saíram sem sequer colher suas roças, pela ação de dois ex-policiais militares, pistoleiros conhecidos como Cabo Paixão e Parazinho. Segundo os trabalhadores, a área foi totalmente desmatada e retirada toda a madeira de lei das áreas de preservação. A área consta em sete títulos irregulares emitidos pelo Itertins em dezembro de 2010 para uma pessoa conhecida como Mário Carrasco. Segundo o Incra, o primeiro passo para assentar os trabalhadores é o cancelamento destes títulos, que deve ser feito via judicial. A CPT afirmou que apesar do discurso do Itertins de que está cancelando os títulos emitidos irregularmente sobre as terras da União, nenhum foi cancelado até o momento. Outro problema constatado é a conivência de cartórios da região, que registram os títulos sem nenhuma comprovação de origem.
Victor Mariz afirmou que tramita na PR/TO inquérito civil para investigar o processo de anulação dos títulos emitidos pelo órgão estadual sobre as terras da União. “Será mais rápido resolver administrativamente esta questão, mas se o Estado do Tocantins defender estes títulos, será criado um conflito federativo que só poderá ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal”, disse. A mesma situação é vivenciada na Gleba Barriguda, onde 34 famílias aguardam para serem assentadas. Os posseiros denunciaram que foram emitidos títulos pelo Itertins em dezembro de 2010 em favor de Márcio Pegoré. No local também teriam ocorrido fatos violentos para expulsar os posseiros.
Coerência nas ocupações
A CPT fez um alerta para a inconveniência da entrada de mais trabalhadores na área em disputa, mesmo que sejam descendentes de posseiros que tenham sido expulsos em outros momentos. A presença de outros ocupantes na gleba Tauá, além dos posseiros que tradicionalmente ocupam o local, pode atrapalhar o processo de regularização da área. Também foi feito um alerta para eventuais aproveitadores, que mesmo sendo trabalhadores rurais, buscam um pedaço de terra para ser negociado no futuro. “A CPT não dará apoio a pessoas com interesses escusos”, afirmou Edmundo Rodrigues, da CPT em Araguaína. São cerca de 80 famílias que afirmam ter perfil de clientes da reforma agrária que reivindicam terra no local. Até que a situação seja resolvida, foi sugerida a criação de um ou mais acampamentos com formação de roças coletivas, para abrigar os trabalhadores. Segundo a CPT, o acampamento é um processo natural de seleção de quem realmente busca a terra para trabalhar.
Ceste
Luiz Amado, do Incra, explicou que existe um cadastro com mais de 400 famílias para serem assentadas em terras que devem ser adquiridas pelo Consórcio Estreito Energia – Ceste, como compensação pelos mais de 17 mil hectares de terras da União submersas pelo lago da UHE de Estreito. “Ocupar novas terras da União requerendo o assentamento vai dificultar o processo de regularização pelo Ceste. A mudança da diretoria do consórcio pode facilitar o entendimento”, disse. Segundo ele, o cumprimento da obrigação por parte do consórcio irá amenizar a pressão por terras regularizadas na região.