A extrativista e liderança camponesa Nilcilene Miguel de Lima, que há cinco meses vinha recebendo escolta da Força Nacional de Segurança após receber várias ameaças de morte, foi retirada do assentamento e enviada para um local sigiloso pela polícia.
(Portal A Crítica)
A preocupação com a tensão cada vez mais crescente entre madeireiros (a maioria ilegais) e extrativistas na região do sul do Amazonas, em particular na zona rural do município de Lábrea, alcançou a Anistia Internacional. Nesta semana, o movimento global com mais de 2 milhões de membros em 150 países lançou uma campanha para tentar sensibilizar o governo brasileiro e amazonense para aquela região totalmente abandonada.
A campanha da Anistia Internacional apresenta um relato (em inglês) intitulado "Comunidades amazônicas ameaçadas por madeireiros" e pede que seus aliados façam um apelo às autoridades brasileiras para que estas investiguem as ameaças e perseguição, garantam a presença de segurança pública nas áreas regularizadas e protegidas e a urgente atuação para coibir as sistemáticas explorações ilegais de madeira e grilagem na região.
De fato, no que se refere aos assentamentos agrários federais localizados naquela região, o termo “abandonado” não é sequer uma força de expressão e está longe de ser um exagero. A única ação pública realizada na área é a regularização fundiária dos assentamentos e somente após muitas lutas, ameaças de morte (que nunca cessaram) e assassinatos.
Não há escolas, postos médicos, postos policiais, agências bancárias, estradas. Ano passado, o Projeto de Assentamento Florestal Curuquetê só foi reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) dias depois do assassinato de sua principal liderança, Adelino Ramos, o Dinho, mais conhecido por ter sido um dos sobreviventes de um conflito agrário ocorrido no município de Corumbiara, em Rondônia, em 1995, no qual 12 pessoas morreram.
O episódio mais recente dessa guerra temporariamente vencida pelos madeireiros ilegais é o fim da proteção à líder camponesa Nilcilene Miguel de Lima, que há cinco meses vinha recebendo escolta da Força Nacional de Segurança. No início deste mês, Nilcilene foi retirada do assentamento Gedeão e enviada para um local sigiloso pelas forças policiais.
Francisneide Lourenço, que assumiu recentemente a coordenação regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), fez um comentário alarmante nesta quinta-feira (26): “Quem está mandando lá são os madeireiros”.
Neide, como é conhecida, me disse que Nilcilene, com quem conversei há quase um ano, quando ela fugiu de Gedeão logo após o assassinato de Dinho, de quem era amiga, já não estava protegida nem mesmo com a presença dos policiais enviados pelo Ministério da Justiça. A certeza dos grileiros/madeireiros quanto à falta de impunidade é tanta, que eles mandavam recados, dizendo que já havia sido preparada uma emboscada para Nilcilene.
Nesta semana, a própria coordenação da CPT no Amazonas passou a receber ameaças disfarçadas. Por meio de uma ligação telefônica, Auriédia Costa, ex-coordenadora da CPT/AM que continua em atuação na entidade, recebeu um aviso: “Não apareça mais em Lábrea para defender a Nilcilene ou outro agricultor”.
O conflito nos assentamentos no sul do Amazonas não é desconhecido. Lideranças camponesas, agricultores familiares e extrativistas denunciam há vários anos as ações de grileiros, as invasões de terra e, sobretudo, a intensa e cada vez menos velada extração de madeira, incluindo as áreas protegidas – a mais afetada é o Parque Nacional Mapinguari, unidade de conservação federal.
“A retirada de madeira continua em grande escala. Vejo sempre madeiras saindo em grande quantidade. São caminhões e caminhões com toras de madeira sendo levadas das áreas”, me disse um outro líder camponês de Gedeão, que esteve em Manaus esta semana para participar de uma reunião com o ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho. Ele não quer ser identificado.
A omissão do poder público e o óbvio desinteresse em promover alguma ação mínima na área também estão levando grupos de agricultores e extrativistas a se aliar e a defender os madeireiros ilegais devido aos supostos benefícios que recebem, sobretudo em termos de infra-estrutura.
Francisneide contou que um produtor vinculado a uma associação chegou a acusar Nilcilene e a CPT de "prejudicar" os produtores rurais do Amazonas porque os madeireiros estão levando benefícios para a área. "Sem a presença do Estado, os madeireiros criaram um poder paralelo e fez a comunidade ficar do lado deles”.