Confira artigo de Roberto Malvezzi, o Gogó, sobre a proposta de um novo programa do governo federal que levaria água ao povo do semiárido, através, principalmente, da construção de cisternas, ao invés de mais tentativas de grandes projetos, como a transposição do São Francisco.
Roberto Malvezzi (Gogó)O anúncio da presidenta Dilma, que vai transformar o “Água para Todos” (Bahia) em um programa federal, na linha da superação da miséria, soa como uma chuva no sertão depois de meses de estiagem.
Ainda mais, ela não anunciou uma nova grande obra, tipo Transposição, mas a construção de 800 mil cisternas, além da implementação de novas adutoras. Quem atua no Semiárido, como eu que estou aqui há mais de 30 anos, talvez esteja ouvindo o que gostaria de ouvir, mas que não sonhava mais ouvir essa afirmação em vida.
Essas pequenas obras hídricas, multiplicadas aos milhares, quem sabe um dia aos milhões, já deram prova que são capazes de erradicar o mais pernicioso dos males nordestinos, isto é, a sede humana. O projeto P1MC da ASA já construiu aproximadamente 350 mil cisternas, beneficiando cerca de 1,7 milhões de pessoas.
Já começou também a implementação do Projeto P1+2, isto é, a captação da água de chuva para produção de hortas e dessedentação de pequenos animais, como galinhas, porcos e caprinos. Esse outro programa pode erradicar o segundo mal nordestino, isto é, a fome e a desnutrição, ainda mais se associado a uma reforma agrária adequada à região.
O resultado pode ser visto pelos indicadores. Já não se fala mais em saques, frentes de emergência, diminuiu a mortalidade infantil, a migração nordestina se estabilizou. Claro, ajudam muito as demais políticas como a aposentadoria dos rurais, o acesso à energia, a disseminação das tecnologias como celular e internet, inclusive o Bolsa Família.
Esperamos que as adutoras sejam as propostas no Atlas do Nordeste, agora ampliado e aprofundado para o Atlas Brasil de Águas, fantástica obra da Agência Nacional de Águas (ANA). Elas são a solução para a insegurança hídrica nos meios urbanos de todo o Nordeste.
Se Dilma quiser ser ainda mais consequente, pode assumir a iniciativa do Fórum de Mudanças Climáticas, quando apresentou ao Ministro Gilberto Carvalho a proposta da produção de energia solar a partir das casas dos moradores do Semiárido, convertendo-a automaticamente em energia elétrica, sendo o governo o principal comprador dessa energia. Assim, além de água, seriam produtores também de energia. Uma saída para o Bolsa Família, já que geraria renda, além de produzir energia limpa, sem emissão de CO2 na atmosfera. Essa tecnologia já está disponível, inclusive no Brasil e dispensa a acumulação em baterias. Essa política pública de compra da energia produzida nas casas já existe em países como Alemanha, Itália e Espanha.
Portanto, temos todas as saídas na mão. A presidenta pode valorizar a experiência acumulada pela sociedade civil, que não só constrói obras, mas faz a educação contextualizada para a convivência com o Semiárido. A ASA pode ajudar a multiplicar esses educadores, caso o Estado se interesse.
Enfim, depois de tantas loucuras cometidas em nome da sede humana no Semiárido, quem sabe tenha chegado a vez do bom senso.
Se assim realmente acontecer, a fome e a sede serão páginas viradas dessa triste história.