Confira artigo de Milton César Gerhardt, das pastorias sociais de Santo Ângelo (RS), sobre a produção de alimentos e a iminência de uma nova crise alimentar.
Milton César Gerhardt*Em meio à notícia publicada no dia 14/01/11, tendo como manchete “os sintomas de uma nova crise alimentar mundial”, neste artigo são refletidas algumas considerações que ajudem a pensar a temática da falta e da produção de alimentos. Como podemos entender a falta de alimentos com tantas tecnologias disponíveis em pleno século XXI?
Segundo a notícia publicada pelo Instituto Humanitas da Unisinos, os preços mundiais do arroz, do trigo, do açúcar, da cevada e da carne seguiram altos ou registraram significativos aumentos em 2011, podendo replicar a crise de 2007-2008, conforme alerta a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). No final de 2010, ocorreram protestos na China pelos altos preços das refeições de estudantes. Nos primeiros dias de 2011, já ocorreram protestos na Argélia e também na Tunísia, causando a morte de pelo menos 20 pessoas. As implicações no curto prazo não são apenas que os pobres serão afetados e que mais gente poderá ser arrastada para a pobreza, mas sim que ficará mais difícil a recuperação dos países que enfrentam uma maior inflação e cairá o poder aquisitivo dos consumidores em geral.
Mousseau, autor do livro “O desafio dos altos preços dos alimentos: uma revisão das respostas para combater a fome”, afirma que os países mais vulneráveis são os mais dependentes das importações e os menos capazes de enfrentar o aumento dos preços nos mercados com políticas públicas. Isso concerne a muitas das nações mais pobres, com menos recursos, menos instituições e menos mecanismos públicos para apoiar a produção de alimentos, explicou ainda Mousseau.
Segundo a FAO, os preços dos cereais, dos grãos oleaginosos, lácteos, carnes e açúcar podem seguir aumentando por seis meses consecutivos. “Estamos entrando em um terreno perigoso”, disse Abdolreza Abbassian, economista da FAO, para um jornal de Londres. Mousseau explicou que os preços começaram a aumentar em 2010 após as quebras de safras na Rússia e Europa Oriental, em parte causadas pelos incêndios de verão. Agora, as severas inundações que atingiram a Austrália, quarto maior exportador mundial de trigo, provavelmente afetarão a produção desse cultivo, elevando ainda os preços. “Qualquer outro acontecimento, como outro desastre climático em algum país exportador ou um novo aumento do preço do petróleo, sem dúvida alguma fará os preços dispararem, tornando a situação pior que a de 2008 e ameaçando o sustento de milhões de pessoas em todo o mundo”.
Por outro lado, Mousseau esclareceu que não se trata agora de um problema de escassez, como ocorreu em 2007-2008. “Não se pode usar a palavra escassez se consideramos que mais de um terço dos cereais produzidos no mundo são usados como alimento para animais, e que uma parte cada vez maior é utilizada para produzir agrocombustíveis”, observou. De fato, produziram-se 2,23 bilhões de toneladas de cereais no mundo em 2008, uma cifra sem precedentes. O nível de produção para o período 2010-2011 é levemente menor que o de 2008. A diferença é que, em 2008, foi o arroz que impulsionou a alta de preços, enquanto que, desta vez, é o trigo. Mas, em todo o caso, há uma combinação de fatores agindo: uma má colheita em uma parte do mundo provoca uma pressão sobre o mercado, que envia sinais negativos aos especuladores. Esses então começam a comprar e os preços disparam.
Um dos desafios que o novo governo se propõe é a erradicação da fome e da miséria, pois como coloca a ONU, a miséria é um processo gerado por um determinado tipo de sociedade, assentada sobre determinada economia, que cria, mantém e agrava a miséria. Mas como combater a fome e a miséria? Segundo a ONU, será preciso definir a miséria como um crime contra a humanidade, da mesma forma que se fez com a escravidão, para que, a partir daí, se possa identificar e condenar os que praticam.
Portanto, um dos caminhos mais acessíveis a nós é o ato de produzir alimentos, pois assim estaremos fortalecendo a agricultura camponesa, que mantém 16% da população brasileira no campo. Reconhecer e fortalecer a Economia Solidária, destinando a ela mais recursos seja talvez um dos caminhos mais simples, pois ela tem sido uma das principais fontes de geração de trabalho e renda, trabalhando por um desenvolvimento social justo e viável, fazendo acontecer “um outro mundo é possível”.
*Pastorais Sociais da Diocese de Santo Ângelo (RS)