COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Durante os dias 24 a 29 de novembro, na cidade de Luziânia, aproximadamente 200 pessoas, entre advogados/as populares, estudantes de direito, professores/as, parlamentares, sindicalistas e pessoas simpatizantes da causa da assessoria jurídica popular, se encontraram para celebrar os 20 anos da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares.

 

Por João Batista Pereira*

A abertura foi na sede da OAB em Brasília, sob os olhares dos saudosos Maria Trindade Gomes Ferreira, advogada da CPT Araguaia-Tocantins e lutadora do povo da terra na região de Araguaína, e Plinio de Arruda Sampaio, militante popular e um dos fundadores da Rede.

O Encontro não foi somente celebrativo, durante os cinco dias o debate foi intenso desde a sua abertura, onde inúmeros desafios foram colocados para a assessoria jurídica popular. Os/as participantes da mesa retroagiram na atuação da Rede, fazendo memórias das conquistas, dos desafios e do contexto atual.

José Geraldo de Souza Junior, professor da UNB e precursor do projeto “direito achado na rua”, em sua fala rememora Darci Ribeiro ao dizer, “o que mais caracteriza a nossa atuação nos diversos campos tem sido o fracasso” e complementa, “no entanto, meu fracasso é o que mais me orgulha, porque não estou e nem estive ao lado dos que me venceram”. Esta passagem foi para dizer o quanto o aparato estatal e a própria legislação dificulta a atuação jurídica popular, que, por vezes, segundo José Geraldo, tem de agir no “contra legis”. Jaques Alfonsín, que estava na mesa de abertura, retrata a atuação do advogado/a popular como a pessoa “que ouve o clamor do povo e dá condição de trazer às pessoas a justiça social por meio da palavra, uma palavra profética, de denúncia e testemunho”. Sob esses ângulos e inspirados/as a lutar como Plínio e Maria Trindade, os/as participantes do encontro partiram para Luziânia.

Clique aqui e acesse, pelo Dropbox, o vídeo produzido em homenagem a Maria Trindade Gomes Ferreira.

A análise da conjuntura do dia 24 contou com a contribuição de João Pedro Stédile, dirigente do MST, e Sonia Guajajara, liderança indígena do Mato Grosso do Sul, ambos colocaram as perplexidades do memento. No que diz respeito à questão indígena, foi relatado as dificuldades de acesso ao Território, as perseguições e criminalizações e a força do aparato estatal em aprovar leis que contrariam a causa indígena, a exemplo do desarquivamento da PEC 215, lei que retira do Poder Executivo e passa ao Poder Legislativo a competência de demarcação e regularização dos Territórios Tradicionais. 

Foi dito por Guajajara que tramita no Congresso mais de 400 medidas, cujo efeito é atacar direitos destas populações. Stédile por sua vez analisou o atual cenário político brasileiro, destacando a luta de classes e a correlação de forças entre elas. Refletiu também sobre as dificuldades que os movimentos sociais enfrentam e que por vezes não reconhecem seu inimigo, destacou o importante papel da juventude nos processos de mobilizações, discutiu as quatro crises que assola o Planeta: ambiental, social, econômica e política. Segundo ele, estas crises dizem respeito às formas de acomodação e exploração intensa do Capital. Em relação ao atual governo, Stédile o classificou como “medíocre e sem projeto”, o que segundo ele vai ocasionar “dificuldades de renovação”.

O encontro seguiu o debate em oficinas e mesas temáticas, todas subsidiárias a atuação da assessoria jurídica popular, os temas transitavam entre a criminalização dos movimentos sociais, relação de gênero e raça, moradia e direito à cidade, direito dos atingidos por grandes projetos, atuação estatal, democratização da justiça, a questão da Terra e Território e a própria articulação e continuidade da assessoria jurídica popular, entre outros. Destaque para a questão das relações de gênero e raça. Ficou visível a participação e o papel das mulheres no encontro, e foi evidente seus anseios por igualdade, por justiça e o quanto a participação das mulheres é imprescindível para e na Rede.

Além das questões de gênero, outras propostas foram debatidas, a exemplo de outras formas de injustiças e de opressão sofrida pela classe trabalhadora, pela postura do Judiciário, que na maioria das vezes contraria as lutas sociais, os limites da legislação vigente, a publicidade do trabalho da RENAP em face da luta social, a postura do Estado, em particular do Congresso Nacional e as polêmicas em torno de Eduardo Cunha, a formação e formas de articulação do/a advogado/a popular.

Enquanto desafios colocados à Rede, destacam-se: a construção interna de novas relações igualitárias de gênero, articulação em rede de advogados/as populares, intensificar o debate a cerca de projetos normativos que ataca os direitos dos povos tradicionais, em particular os indígenas, as diversas formas de injustiça que impera nos projetos do capital, continuar o debate com as diversas organizações que atuam na luta por direitos, apoio aos estudantes de direito, entre outros.

A RENAP é uma forma de atuação conjunta da assessoria jurídica popular e se faz cada dia mais necessária, mantida a partir do esforço de pessoas, muitas delas presentes nesse encontro. Seus depoimentos vieram a reafirmar a necessidade de manter a autonomia e os princípios da Rede. Salve os 20 anos da RENAP e registro aqui a minha primeira participação nesse espaço!

*Advogado popular e colaborador da CPT na Bahia

 

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