Confira artigo de Mieceslau Kudlavicz, agente da CPT no Mato Grosso do Sul, sobre a importância da preservação das sementes e a 9ª Feira de Sementes Nativas e Crioulas, realizada na cidade de Juti.
Mieceslau Kudlavicz – Prof. MSc. e Agente da CPT/MS
Empresas como a Monsanto investem milhões de dólares em pesquisas para modificar geneticamente as sementes. Articulado a isso milhões de dólares são gastos para produção dos mais diferentes “biocidas” (herbicidas, inseticidas, bactericidas, fungicidas), denominados pelos fabricantes como “defensivos agrícolas”. E pelos movimentos sociais como “agrotóxicos” para evidenciar que causam danos às plantas, animais e ao homem, uma vez que a palavra “biocida” significa “mata a vida”.
Em direção contrária, é que estavam reunidos camponeses e camponesas, indígenas, acadêmicos, professores universitários e pesquisadores da Embrapa na 9ª Feira de Sementes Nativas e Crioulas, na cidade de Juti/MS. Esta feira, realizada nos dias 12 a 14 de julho de 2012, reuniu mais de 500 participantes oriundos de diversos municípios do Estado, bem como de outras regiões como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília. Os participantes objetivavam particularmente a troca de conhecimentos, saberes e experiências que apontem caminhos para a construção de ambientes agrícolas equilibrados, e que assegurem uma vida saudável e de autonomia.
Neste sentido, partilhar práticas comunitárias, técnicas e processos em defesa da vida das plantas, dos animais e do homem é que davam o tom das palestras, debates e das rodas de conversa. Isto ocorreu porque enquanto os defensores das chamadas tecnologias “modernas” privilegiam a produção e uso de biocidas, os participantes da Feira defendem a Agroecologia, ciência que parte do entendimento de que os organismos que competem com as plantas cultivadas não são “ervas daninhas” que devem ser eliminadas com herbicidas, como pensado na agricultura convencional. Ou seja, os insetos considerados “pragas” no sistema de cultivo convencional, podem, no sistema agroecológico, ser controlados por processos naturais introduzindo, por exemplo, plantas atrativas ou repelentes destes insetos ou, ainda, pelo estímulo à presença de aves que se alimentam dos organismos que causam prejuízo ao agricultor.
Portanto, Agroecologia e Agricultura Biocida são lógicas de produzir e de se relacionar com a natureza totalmente opostas. Enquanto a segunda defende os agrotóxicos que matam a vida e uma agricultura “sem gente”, a primeira enfatiza o uso de técnicas e processos que defendam a vida em sua plenitude.
Outro fato que deve ser considerado como um diferencial é a forma de organização da Feira. No lugar de um evento grandioso envolvendo volumosos recursos financeiros e muito marketing - como é comum no agronegócio, tivemos a marca da simplicidade. Não havia chefes, tão pouco a necessidade de obedecer ordens determinadas pelos “de cima”. O que prevaleceu foi o planejamento participativo com a distribuição de tarefas de acordo com as possibilidades. Logo, o ambiente da feira espirava alegria pelo resgate do prazer de poder partilhar produtos, saberes e técnicas. Por isso, a Feira não tem dono, é dos agricultores para os agricultores.
Ávidos em conhecer, partilhar, não trocaram apenas sementes. Parte dos presentes doaram produtos para serem distribuídos durante a feira, e toda a alimentação, servida para os mais de 500 participantes, foi fruto de doação dos agricultores e agricultoras. Destaque para o valioso trabalho das mulheres no preparo da alimentação, de forma gratuita.
Além das sementes de milho, de feijão, arroz, de trigo, de verduras, de adubação verde, também foram distribuídas sementes de plantas nativas como, ipê, angico, sicupira, tamboril, guapuruvu, ariticum, marolo, cedro, entre tantas outras. Significativo foi a distribuição de mudas de plantas como baru, moringa, romã, jaracatiá, buriti, macaúba, buriti. Barraquinhas com a venda de produtos da indústria doméstica (como doces, licores, queijos, além dos produtos de artesanato), foram também um ponto alto da Feira. Compondo, e problematizando este ambiente de saberes e práticas, tivemos palestras, oficinas e mini cursos com temas variados como: plantas medicinais, cultura da mandioca, recuperação de áreas degradadas, artesanato com fibra de taboa, produção de farinha de macaúba.
Registro especial deve ser feito à presença majoritária das mulheres na organização e realização desta Feira, situação evidenciada na formação da mesa de abertura com a presença de quatro mulheres e, somente, um homem. Este fato, que a princípio pode parecer casual, tem um peso simbólico porque se relaciona com a origem da agricultura e da domesticação das primeiras sementes cultivadas que se fizeram no quintal da casa pelas mulheres.
Concluo este relato, sobre o vivido na 9ª Feira de Juti, com a afirmativa de um pesquisador da Embrapa, feita durante sua palestra: “os camponeses e camponesas são os reais guardiões e guardiães da agrobiodiversidade”.