COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Confira artigo de Lenir Correia, da CPT em Rondônia, sobre a insegurança jurídica no estado e a necessidade de trasnformações para os camponeses e as populações do campo, no estado.

 

Lenir Correia Coelho

 

Rondônia, um Estado formado a partir da política expansionista do período ditatorial do Brasil, esteve marcada pelo sonho do “El Dourado” na região Amazônica, onde para cá vieram os gananciosos grileiros e latifundiários, assim como vieram pequenos agricultores e comerciantes, expulsos de suas terras e iludidos pela propaganda institucional; sendo que aos primeiros coube a  apropriação direta da terra, dos bens, dos serviços públicos, empregos  públicos e da mão-de-obra dos pequenos agricultores, fato que pode ser comprovado pelo grande êxodo rural existente dentro do Estado: primeiro os pequenos agricultores adquirem a terra, organizam-a e depois são expulsos pelos grileiros e fazendeiros para outros lugares, ao ponto de ser comum a utilização da expressão: “abre estradas” para se referir as mudanças constantes dos pequenos agricultores, que veem avançar o agronegócio, principalmente, gado, soja e por último eucalipto.

 

Os agricultores, de uma forma geral, não acreditam nos advogados, pois, estes, em sua grande maioria, estiveram do lado dos latifundiários e grileiros – inclusive, é desprestígio jurídico social a contribuição aos agricultores, tanto que as universidades, inclusive a própria Universidade Federal de Rondônia, em seus cursos de Direito, não oferecem Assessoria Jurídica Popular, limitando-se aos atendimentos aos necessitados, numa caridosa contribuição jurídica com a Defensoria Pública Estadual, porém, sem preocupação ou ligação com a realidade local, sem diálogo com os segmentos sociais ou mesmo com os agricultores.

 

Como se vê, atuar juridicamente juntos aos agricultores é um desafio constante, obriga o profissional do Direito a fazer uma opção clara de que “Direito” irá utilizar no cotidiano, pois, se as universidades de formação de advogados se mostram ausentes, quem dirá dos juízes e promotores? Temos absurdos jurídicos, com constantes violações institucionais dos direitos humanos dos agricultores, caso recente, foi do Assentamento Arraial do Cajueiro, onde um grupo de sem-terras, foram despejados das margens da estrada sob a alegação acolhida pelo Judiciário, de que “estariam cogitando a possibilidade de ocupar a fazenda ao lado e que seria a estrada área particular”, mesmo tendo sido juntado aos autos documentos comprobatórios de que a estrada era de manutenção municipal, mesmo havendo documentos do INCRA que reconheciam os ocupantes como incluídos no Projeto de Reforma Agrária e que estavam esperando a regularização de área no local, ou seja, são aberrações jurídicas como essas que se deparam cotidianamente quem ousa advogar nesse rincão amazônico.

 

No campo sindical rural, as aberrações são ainda mais gritantes, entre elas, a que envolve diretamente o INSS, que insistentemente ignora a qualidade de Segurado Especial dos agricultores. A situação é tão absurda, que o agricultor para requerer seu benefício, mesmo com toda a documentação regular, é “obrigado” a apresentar Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, num claro desrespeito as normas vigentes, o que implica na prática em fazer com que alguns sindicatos rurais oportunistas cobrem dos trabalhadores, mensalidades exorbitantes para os agricultores, para encaminhar os benefícios que eles fazem jus. Há situação de filiados terem que assinar notas promissórias e serem executados por falta de pagamento, mesmo não tendo recebido o benefício, obrigando-os a filiarem-se e manterem-se filiado aos sindicatos; prática que vem sendo veemente combatida pelos sindicatos ligados ao Movimento dos Pequenos Agricultores, que procuram dar uma nova orientação sindical rural.

 

A partir da vivência com os militantes do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA em suas lutas diárias e necessárias para garantir a permanência do camponês no campo e a produção com qualidade com práticas menos agressivas ao solo, imperiosa foi a admissão de que a Assessoria Jurídica Popular no Estado de Rondônia precisa ser ampliada, é necessário o debate e embate com o meio acadêmico, com os acadêmicos e operadores do Direito, com a pressão dos movimentos populares sobre as universidades para que discutam “a quem serve o Direito”, permitindo assim a construção de novos olhares sobre os agricultores e suas necessidades jurídicas.

 

Faz-se necessário e com urgência promover debates, seminários, atividades de campo para motivar os filhos dos agricultores a estudarem Direito e depois colocarem suas formações à serviço da organização camponesa.

 

Atuando desde 2006 junto ao Movimento dos Pequenos Agricultores, em contato direto com os agricultores e suas demandas jurídicas, percebe-se claramente uma demanda urgente em relação as questões previdenciárias, direito do consumidor (no que tange ao endividamento desordenado dos agricultores com os PRONAF’s), acompanhamento das associações e cooperativas nos aspectos legais jurídicos, assistência nos contratos de comodato e produção e principalmente, a regularização dos imóveis rurais, incluindo o acesso a terra e os programas sociais.

 

Atuar nessa diversidade implica em percorrer grandes distâncias diárias entre as mais diversas áreas: sindicatos, assentamentos e acampamentos; implica em renúncia financeira, já que os recursos para os advogados populares são sempre escassos;  implica em estudo da realidade e principalmente, implica em compromisso social em questionar permanente o Judiciário, dando visibilidade as questões inerentes aos camponeses.

 

Há necessidade de um diálogo permanente com os agricultores; a dialogicidade é elemento essencial para a construção/avanço em Rondônia de uma Assessoria Jurídica Popular contribuidora do respeito aos direitos humanos e da dignidade camponesa.

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